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Atualmente Lukas Moodysson é considerado pela crítica especializada o cineasta mais relevante da Suécia. O lendário diretor Ingmar Bergman, por exemplo, é um entusiasta do seu trabalho. Os primeiros filmes de Moodysson foram marcados por uma inteligente sátira à sociedade. Ele é um socialista, feminista, vegetariano e ao mesmo tempo um católico fervoroso. Um verdadeiro contraste ambulante.
Desde o lançamento de Para sempre Lilya" (2002) percebemos uma mudança no estilo de sua obra. Seus filmes ganharam um tom mais sombrio e apocalíptico. Em 2004, ele lançou Um vazio no coração, um filme experimental que fugia da narrativa tradicional. A produção foi concebida com o objetivo de incomodar o espectador. Barulhos insuportáveis, closes em cirurgia de genitais femininos e outros elementos escatológicos e perturbadores que envolviam dois pornógrafos filmando um vídeo nojento com uma estrela pornô. Mas tudo isso era uma fachada para que Moodysson pudesse provocar um debate sobre uma série de temas.
Continuando sua busca experimental, chega agora Container (2006), mais uma viagem enlouquecedora de Moodysson. Segundo a sinopse, trata-se de uma mulher em um corpo de homem. Um homem em um corpo de mulher. Em imagens granuladas e contrastadas, colagens fotográficas com cenas semidocumentais mostram uma única pessoa representada simultaneamente por um ator e uma atriz. O elemento feminino e masculino compõem o mesmo corpo, se complementam, levam uma existência paralela e lutam para dominá-lo. Aconselho não embarcar nessa idéia. Talvez a melhor definição seja a dita pelo próprio Moodysson: "um filme mudo em preto e branco com som".
Os atuais filmes experimentais de Moodysson não seguem nenhum tipo de história. É apenas um conceito para que ele possa fazer seus comentários e críticas. Da mesma forma que Gus Van Sant mudou a sua forma de fazer cinema, Moodysson não está muito interessado em traçar alguma linha tradicional em suas produções. E mais. Moodysson parece imbuído de uma cruzada pervertida em demonstrar seus credos em cenas insuportavelmente cansativas para o espectador comum. Mas que provocam tesão no público que procura no cinema uma experiência sem limites.
Container é um filme incoerente, mas consistente em sua proposta estilística. É uma convincente visão do desespero. Um gorducho (Peter Lorentzon) e uma asiática magrela (Mariha Aberg) perambulam por destroços e outras bugigangas em prédios acabados. O único som do filme é a voz em off falada pela atriz norte-americana Jena Malone (Galera do mal). Ela funciona como a consciência dos personagens. Suas falas são observações sobre a sua personalidade, idéias e acontecimentos. E vale mencionar que muitas coisas que são ditas não possuem ligação com as imagens.
A narração parece obcecada com ícones da cultura pop e tragédias. Coisas como o câncer de mama de Kyle Minogue, transar com Paris Hilton, o suicídio da estrela pornô Savannah e a separação do casal Brad Pitt e Jennifer Aniston. Todos esses elementos são comentários satíricos sobre a nossa realidade. Associado a isso ainda temos o desastre de Chernobyl e outras fatalidades pelo mundo. Na verdade é uma mistura de fetiches, consumismo, religião e a cultura pop. Parece que perdemos a identidade no atual mundo caótico em que vivemos.
Às vezes vemos o gorducho levando a magrela nas costas. Isso demonstra que ela é a sua consciência interna ou mesmo um demônio (autocríticas as crenças católicas). Ficamos com a impressão que o seu corpo masculino é um mero contêiner para a sua psique feminina. Eles alternam as roupas, fazendo com que o gorducho se vista de mulher várias vezes e tente beijar os poucos figurantes masculinos que aparecem no filme. Mas defini-lo como um transexual seria uma visão simplista. A idéia de se estar dentro de alguém tem uma outra dimensão. Percebemos isso quando o narrador se refere às outras coisas que poderiam estar dentro do corpo do gorducho, como o continente africano e mesmo o útero da virgem Maria, que por sua vez, estaria abrigando Jesus. A produção tem 74 minutos de duração e deve ser encarada como um pesadelo ou um retrato psicológico de uma mente desequilibrada - mas perfeitamente coerente na selvagem sociedade em que vivemos.