Todo verdadeiro fã de ficção científica sabe muito bem que não é preciso grandes orçamentos e efeitos especiais absurdos para construir um bom filme do gênero - mas ainda é um prazer único quando surge algo como Consequências Paralelas no cenário. O longa brasileiro, dirigido e escrito por Gabriel França e Cd Vallada (ambos estreantes no formato), tem colecionado prêmios em festivais e mostras de gênero ao redor do mundo, e assisti-lo é entender que não tem sido à toa.
Já de início, Consequências nos presenteia com um plano sequência de quase 20 minutos, mostrando o trio Pedro (João Fenerich), Max (Felipe Hintze) e Bruna (Carol Macedo) chegando à casa de campo que pertencia à falecida mãe da moça, onde encontram uma poltrona que dobra como máquina do tempo. Em uma tomada ininterrupta que passeia por esse aposento dançando ao redor dos atores, todos impecavelmente ensaiados para assumir arranjos geométricos no cenário, o longa nos inteira do seu conceito e da relação entre os personagens, mas principalmente nos habitua ao impulso teatral que faz dele uma experiência tão envolvente.
No roteiro de França e Vallada, ideias que ficam entre a ciência e a filosofia se misturam a um drama de relacionamentos que só cresce em intensidade conforme os personagens vão acumulando idas e vindas no tempo, enfurnados naquela sala empoeirada enquanto as coisas escalam. Há uma série de decisões narrativas acertadas que garantem a integridade desse drama mesmo em meio a conceitos fantasiosos, e a primeira é o foco em Max quando se trata de construir a linha cronológica principal seguida pelo espectador. Explico: quando o personagem de Felipe Hintze se senta na poltrona e viaja ao passado, nós o acompanhamos passo a passo - o que não acontece, por outro lado, quando Pedro e Carol são os viajantes.
Funciona porque é em Max que se concentra o mistério moral no centro do drama e da ficção científica de Consequências Paralelas. É dele que somos levados a duvidar quando Pedro retorna de uma viagem dizendo que o amigo fez algo “imperdoável” no futuro de onde ele vem, mas relutante em revelar o quê. E é na paixãozinha dele por Carol, ainda que também tenha uma esposa, que se funda a tensão subjacente entre os três protagonistas, desenhada para atingir um pico febril diante de revelações vindas do futuro. França e Vallada constroem assim o que é essencialmente uma peça de teatro de câmara, muito eficiente em seus tons de melodrama, por cima de uma premissa fantasiosa.
Claro que, nesses moldes, cabe também aos atores manter o espectador ligado enquanto (especialmente no começo) precisam entregar uma tonelada de exposição para fundar toda a ficção científica da coisa. Pois o trio de Consequências Paralelas se sai admiravelmente bem diante dessa missão hercúlea - apesar de vacilar em alguns dos momentos mais rigidamente coreografados da encenação, em geral eles escolhem uma intensidade dramática que convence da gravidade daquela trama, mesmo que no fundo ela seja alicerçada em algumas das emoções mais mesquinhas da experiência humana.
Consequências Paralelas fala de ciúme, ressentimento, projeção, inveja. Do egocentrismo que pode se esconder em certos simulacros de lealdade, e dos impulsos feios que ganham legitimidade em nossas mentes diante do niilismo. É um prazer cinéfilo dos mais puros, um triunfo da invenção sobre o comércio, descobrir tudo isso dentro de uma produção que não precisa de muito para se revelar ao (e encantar o) espectador.
*Consequências Paralelas foi exibido no Cinefantasy: Festival Internacional de Cinema Fantástico, que ocorre no CCSP (Centro Cultural de São Paulo), em São Paulo (SP), entre os dias 4 e 14 de setembro. Saiba mais sobre o evento no site oficial.