Cena de Chamas da Vingança (Reprodução)

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Crítica

Chamas da Vingança substitui revolta do original por um conformismo frouxo

Tentativa pífia de conexão com filmes de super-heróis dilui força da trama de Stephen King

19.05.2022, às 14H27.
Atualizada em 20.05.2022, ÀS 11H14

O novo Chamas da Vingança falha porque interpreta de forma completamente equivocada o valor e o papel da fantasia nas nossas vidas. Por todas suas decisões cosméticas discutíveis, o livro original de Stephen King e o filme de 1984, estrelado por Drew Barrymore, compreendiam que fantasia era um local de catarse. Eles viam um mundo (corporativo, institucional) que sufocava e esmagava indivíduos por problemas que eles nem teriam se não fosse por viverem neste mesmo mundo, e proviam para estes indivíduos uma válvula de escape violenta.

Esta válvula de escape, é claro, vinha na forma de uma garotinha de oito anos, Charlie (desta vez, interpretada por Ryan Kiera Armstrong). Na trama concebida por King e reproduzida com alguma fidelidade neste novo longa, ela é a filha de um casal (Zac Efron e Sydney Lemmon) que se conheceu durante um teste farmacêutico do governo, que deu a eles habilidades extraordinárias. Pouco depois de a pequena nascer, ficou claro que ela também tinha um poder - mais especificamente, pirocinese, a habilidade de criar fogo, grandes incêndios e explosões, com a mente.

Sem spoilers, é difícil explicar as diferenças entre o que os produtos dos anos 1980 fizeram com Chamas da Vingança, e o que este filme de 2022 faz. Seguro dizer, no entanto, que o roteirista Scott Teems (Halloween Kills) sentiu a necessidade de moralizar a revolta encarnada em Charlie, questionar do que ela seria capaz e, acima de tudo, o que valeria a pena para ela a longo prazo. Em muitos sentidos, este Chamas da Vingança é uma história sobre perdão e aceitação, dos outros e de si mesmo, e tem dificuldade em enquadrar os atos de violência contidos nela como algo além de hediondos.

É claro que, em análise fria, esses atos de violência são, mesmo, hediondos. Teems traz isso para a tela de maneira óbvia, personalizando as histórias de muitas das vítimas de Charlie - mostrando, enfim, que uma instituição opressiva não é formada só por vilões mal-intencionados, mas por pessoas. As vidas e motivos delas são insondáveis para nós, e também estamos colocando essas vidas abaixo quando buscamos derrubar o sistema que nos colocou (e as colocou) em uma situação precarizada.

Um filme melhor, talvez com mais tempo e mais vontade de mergulhar fundo nos personagens, seria capaz de conciliar essa dimensão trágica com a emoção visceralmente satisfatória de seu clímax violento… mas Chamas da Vingança não é este filme. Ao invés disso, o roteiro propõe essa reflexão só casualmente, enquanto tenta desesperadamente amarrar a trama ao subgênero popular dos filmes de super-heróis. O desespero é tanto, inclusive, que a pobre Gloria Reuben (os fãs de Mr. Robot se lembrarão dela com carinho) é obrigada a definir Charlie como uma super-heroína do mundo real em um dos diálogos mais absurdamente vergonhosos da memória recente dos blockbusters americanos.

Por falar em Reuben, ela é o raro ponto de brilho deste Chamas da Vingança, assumindo papel que foi de Martin Sheen no filme de 1984 e transfigurando-o no tipo de vilão inescrupuloso e mesquinho, mas ainda assustadoramente poderoso, que assombra tantas das histórias de Stephen King. Ela encarna muito bem, enfim, o espantalho contra o qual os heróis e heroínas do autor podem se revoltar violentamente sem perder a simpatia do público. Parece maniqueísta, mas a fantasia quase sempre funciona nessa chave tonal, como lente de aumento e escape da realidade - tentar complicá-la sem ter o material para bancar essa aposta é uma má ideia.

Com uma direção pouco inspirada de Keith Thomas, efeitos especiais baratos que perdem de lavada para as soluções analógicas do filme oitentista, uma trilha-sonora previsível co-assinada por John Carpenter e os sinais claros de interferência do estúdio no corte final, este Chamas da Vingança deixa na boca apenas o gosto amargo do conformismo. Você não pode vencer as pessoas que te fazem mal, diz o filme, então aprenda a viver em relativa paz com a existência delas, porque é o melhor que você pode fazer. É verdade, claro, mas um pouco mais de imaginação não faria mal.

Nota do Crítico
Ruim