Filmes

Crítica

Carrie - A Estranha | Crítica

O Girl Power nos tempos da vingancinha

17.10.2014, às 14H23.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H34

A metáfora central de Carrie - A Estranha envolve uma versão exaltada do Girl Power: ao menstruar pela primeira vez, Carrie White descobre ter poderes paranormais; a telecinese que a adolescente desenvolve simboliza o seu desabrochar de mulher. Há um poder inerente ao sexo, portanto - é disso que trata o romance de 1974 de Stephen King adaptado pela primeira vez ao cinema por Brian De Palma em 1976.

carrie

carrie

A refilmagem de 2013 da diretora Kimberly Peirce (Meninos não Choram), estrelado por Chloë Grace Moretz, não foge do material original: durante o baile de formatura do colegial, Carrie ignora os conselhos de sua mãe carola e descobre da pior maneira que tornar-se mulher não é fácil. A trama é a mesma, incluindo as falas consagradas ("vivemos num tempo sem Deus", "para o Diabo com a modéstia"), até os gemidos de dor/prazer da mãe são os mesmos, mas o entendimento que o remake faz do poder (e do sexo) é bem distinto do filme de De Palma.

Na verdade há muito fetiche e pouco desabrochar de fato no novo Carrie, a começar pela escolha de Moretz como protagonista, cuja identificação com a safa Hit-Girl de Kick-Ass está muito longe da imagem inocente associada a Carrie. A atriz esforça-se, faz caras de sofrimento, mas o filme está mais interessado nela como Lolita anti-herói do que no drama da virgem. Nesse ponto o novo Carrie é sinal dos nossos tempos de vingancinha e hiperssexualização: na cena em que controla seus poderes, a personagem entra no banheiro toda troncha, parecendo o Brinquedo Assassino, e já sai desfilando, com o cabelo hidratado e fogo no olho como a Fênix Negra dos X-Men.

É essa Carrie pronta para a revanche - o sadismo "heroico", hoje plenamente incorporado pelo cinema de terror, surge no filme com requintes de câmera lenta - que extravasa na cena do baile. E faz todo o sentido que a Chloë Moretz ensanguentada se mova no palco como se estivesse em um videoclipe de Marilyn Manson dos anos 90, época crítica da transformação dos freaks em objeto de desejo.

A grande ironia, aqui, é que todas essas demonstrações de poder têm pouco a ver com o poder do sexo em si. Isso fica claro na maneira como o remake trata a vilã Chris Hargensen. No filme de 1976, ela convence o namorado a ajudá-la em sua vingança depois de aplicar-lhe uma felação que vira do avesso os olhos de John Travolta - é a forma que Chris, mulher formada, encontra de influenciar os homens. É isso que a torna a nêmesis de Carrie. No remake, é o namorado que impõe sobre Chris sua vontade.

Ou seja, o sexo da mulher, enquanto instrumento de poder, é ignorado no novo Carrie em favor de uma lógica de fetiche e de uma visão machista do Girl Power, que permite que uma doce adolescente realize nossas fantasias de castigo sem que sejamos, nós, homens, desafiados nas nossas fantasias de superioridade.

Carrie - A Estranha | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Ruim