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Crítica

Capitão Phillips | Crítica

Paul Greengrass transforma história real em um interessante filme sobre desproporções

08.11.2013, às 02H50.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H34

Robert S. McNamara, ex-Secretário de Defesa dos EUA nos anos 1960, dizia que a proporcionalidade deveria ser uma regra na guerra - sempre revidar um ataque com uma reação à altura - mas o país, em sua hegemonia armamentista, hoje nunca esteve tão longe de colocar isso em prática. Capitão Phillips, primeiro trabalho do diretor Paul Greengrass desde Zona Verde, é um ótimo filme sobre desproporção.

capitão phillips

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O longa adapta A Captain's Duty, livro escrito pelo Capitão Richard Phillips, que em 2009 teve seu cargueiro, o Maersk Alabama, sequestrado por piratas somalis. Tom Hanks interpreta Phillips, e a desproporção já se estabelece desde as primeiras cenas: o capitão está preocupado com a sua carga horária, assim como seus marujos, enquanto na Somália as relações de trabalho - se é que dá pra chamar assim a convocação à ação armada que presenciamos no início - são bem distintas.

Todo o filme se estrutura a partir dessa oposição: de um lado Phillips, suas normas de segurança, sua ordem constituída e bem azeitada, e do outro Muse (Barkhad Abdi), líder mambembe dos piratas, e seu desejo suicida de se inserir no capitalismo do qual Phillips é o representante imediato. De início Greengrass filma sem pressa os contêiners sendo empilhados, a rotina do porto, porque registrar o gigantismo da situação - o capitalismo como uma máquina, um colosso em movimento lento mas constante - é vital para ilustrar os opostos, enquanto na Somália come-se mato e tudo parece fadado ao acaso, à direção do vento.

O que impede Capitão Philllips de se tornar um filme panfletário contra o descaso com que o mundo trata a África, em boa medida, é que não há muito espaço para discursos - depois que a premissa se estabelece, o resto é ação. E então as oposições desproporcionais se tornam físicas mesmo: o cargueiro contra o bote dos somalis, o corpo subnutrido dos africanos contra a muralha de músculos que são os fuzileiros navais (Greengrass filma os militares nus, antes de vesti-los, para deixar essa oposição bem clara).

Então embora tenhamos aqui, reproduzidos, os elementos que tornaram o cinema de Greengrass inconfundível pós-Bourne - a câmera na mão, que treme mas sabe o que procura, e a trilha sonora de suspense bem marcada, quase repetitiva - Capitão Philllips é um filme muito particular, por conta dessa questão das desproporções.

E o diretor encontra em Tom Hanks, ator associado a transformações corporais (Philadelphia, O Náufrago), a representação perfeita dessa fisicalidade que o filme almeja. O Phillips interpretado pelo ator vai da mais plena ordem (o domínio do seu ofício, suas normas) à completa desarticulação (é capaz que ele ganhe o Oscar só por causa da cena final), e não seria exagero dizer que o capitão Phillips se despedaça por perceber, de repente, que neste mundo a ordem econômica e política, com seu suposto igualitarismo, é só uma grande ilusão.

Capitão Phillips | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Ótimo