Nos seus melhores momentos, California Schemin’ é uma experiência intoxicante de exultação à juventude. Nas costas das performances elétricas e da química óbvia entre os protagonistas Samuel Bottomley e Seamus McLean Ross, o diretor estreante James McAvoy recruta o montador Joe Sawyer (Roda do Tempo) para confundir modos de cinema de forma destemida. Gravações amadoras operadas pelos próprios atores e clipes de cobertura televisiva de Londres se misturam à fotografia iconoclástica de James Rhodes (Femme), que registra com impacto o lado B de cidades tradicionalmente cinematográficas.

Essa alquimia toda empresta a California Schemin’ uma energia inegável, que também me parece imprescindível para contar a história que ele conta. Para quem não sabe: o filme acompanha a trajetória real do duo de hip-hop Silibil N’ Brains, formado por dois rapazes escoceses que, após serem rejeitados por gravadoras utilizando suas identidades verdadeiras, resolveram adotar um sotaque estadunidense e se vender como a mais nova sensação californiana do rap. Funcionou, ao tom de um contrato polpudo com a Sony Music UK, aparições na MTV britânica e shows ao redor do país, incluindo a abertura de uma apresentação do lendário grupo de hip-hop D12.

California Schemin’, é verdade, move muitas peças no tabuleiro dessa história a fim de torná-la mais dramática do que ela realmente foi. O roteiro de Elaine Gracie e Archie Thompson muda nomes de empresas e pessoas, e não só para evitar alguma repercussão judicial – a ideia é remover o anticlímax da história real, na qual Sillibil N’ Brains foram deixados para trás pela Sony após uma mudança de comando no topo da gravadora, e substituí-lo pela trajetória familiar de qualquer biopic musical. Aqui, a farsa se estica até o ponto de quebra, a fama sobe à cabeça e as drogas entram na equação para amargar relações que pareciam sólidas até poucas cenas atrás.

Não surpreendentemente, essa é a parte menos interessante de California Schemin’. A sensação de “já estive aqui, já vi isso”, velha conhecida do público que acompanha esse tipo de filme, logo se faz visível como um desserviço aos subtextos mais fascinantes dessa história. Em seu coração, a trama inacreditável de Silibill N’ Brains não tem nada a ver com as armadilhas da fama, ou a corrupção absoluta de uma indústria com poder absoluto – ela é sobre dois adolescentes que, confrontados com as probabilidades impossíveis de realizar os seus sonhos sendo de onde são, e quem são, resolveram fingir ser outras pessoas, de outro lugar. E o zeitgeist do século XXI, que diz valorizar a autenticidade acima de tudo, engoliu.

A boa notícia é que esse é o filme que McAvoy está fazendo, em alguns momentos à revelia do próprio script. Quando está imerso na rebeldia justa de seus protagonistas, no perigo absoluto do que eles estão fazendo – mas também na sensação inabalável de estar fazendo a coisa certa, que é a matéria-prima da própria juventude – , California Schemin’ é simplesmente irresistível. E é também um triunfo de forma sobre conteúdo, de certa maneira, um filme que se reduz conscientemente a uma máquina de criação de imagens, de evocação de sentimentos, de provocação pop. Nessas funções, ele se revela uma obra deliciosamente vital.

Boa notícia para os fãs de McAvoy, também. Enquanto se recusa a tirar o pé do acelerador, o astro escocês se mostra aqui um cineasta tão preciso em sua visão quanto generoso o bastante para deixar que outras (as corretas, ao menos) adicionem a ela.

*California Schemin' foi exibido na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ainda não há previsão de estreia para o filme no circuito comercial brasileiro.