Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças/Divulgação

Filmes

Crítica

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças

Charlie Kaufman e como esquecer um grande amor

22.07.2004, às 00H00.
Atualizada em 28.05.2020, ÀS 11H46

Joel entra na sala do Dr. Howard Mierzwiak e vê ele mesmo sentado na cadeira do paciente. A cena não é tão estranha como aquela em que John Malkovich entra num restaurante e é atendido pelo garçom John Malkovich, enquanto John Malkovich toca piano e John Malkovich canta, mas vem da mesma fonte: a cabeça do roteirista Charlie Kaufman. São dele os textos dos festejados Quero ser John Malkovich, Adaptação e Confissões de uma mente perigosa.

Em seu novo longa-metragem, Brilho eterno de uma mente sem lembrança (Eternal sunshine of the spotless mind - 2004), Kaufman refaz a dupla com o diretor Michel Gondry, com quem trabalhou em A natureza quase humana. O cineasta francês, conhecido pelos videoclipes que fez com a cantora Björk, consegue usar muito bem o roteiro do colega, e nas partes mais densas do filme faz ótimo proveito das fusões de cenário, como George Clooney em Confissões. Aqui, porém, elas têm um sentido além da mera estética, pois estamos dentro da cabeça do protagonista.

Joel Barish (Jim Carrey) está sendo submetido a um processo que apaga de seu cérebro todos os traços de memória de Clementine Kruczynski (Kate Winslet). Os dois eram namorados, mas depois de um tempo, veio aquele marasmo e os problemas ficaram mais freqüentes que os sorrisos. No universo imaginado por Kaufman, sofrer por amor não é mais preciso. Basta ir à Lacuna Inc. e ter todas as memórias sobre determinada pessoa, animal, ou fato, deletadas de sua mente para sempre.

O estrelado elenco, que soma alguns bilhões de dólares nas bilheterias e também excelentes filmes, aceitou trabalhar por quantias bem mais baixas que o seu normal. Este tipo de comprometimento só acontece quando há a possibilidade de trabalhar com diretores conceituados, roteiros diferenciados, ou papéis completamente opostos ao que geralmente lhes é oferecido, mas que podem render atuações fortes e sérias chances na temporada de prêmios. Jim Carrey prova mais uma vez que é um ótimo ator dramático, como já havia feito em O show de Truman e O Mundo de Andy. Sua mudança física vai do corte de cabelo até a sua voz, mais grave e que dá ao personagem uma característica mais introspectiva. Kate Winslet e seus cabelos coloridos não lembram em nada seu papel titânico. E entre os personagens secundários, todos têm igual importância e desempenho. Para os fãs de Kirsten MJ Dunst, vale um destaque para a cena em que ela aparece de calcinha e blusinha regata pulando na cama. Completam o elenco Tom Wilkinson (Moça com brinco de pérola), Mark Ruffalo (Em carne viva) e Elijah Wood (o Frodo de O senhor dos anéis).

História de amor

Para quem gosta de colocar rótulos nos filmes, Brilho eterno é uma comédia dramática com pitadas de ficção científica, mas, principalmente, é uma história de amor. Só assim para definir este roteiro que mistura diversas influências e que faz rir (com inteligência), se emocionar (sem lágrimas fáceis) e pensar (muito). Quando você acha que está entendendo onde tudo aquilo vai dar, há uma reviravolta e a história muda de direção e até de estilo.

Desta vez, além de mexer com o que é ou não real, Kaufman brinca também com a linha temporal de seu conto. Estamos no início de uma linha ou no meio de um ciclo? O que aconteceu realmente está no passado? Tudo isso é detalhe. É apenas um recurso que ele usa para fazer os espectadores pensarem. Segundo ele próprio gosta de dizer espero que cada pessoa saia do cinema com seu próprio filme na cabeça. Louco ou gênio, Kaufman é hoje sinônimo de cinema moderno, inteligente e de boa qualidade. Ou seja, cuidado com quem você vai convidar para assistir Brilho Eterno do seu lado, estamos falando de um filme que pode não ser a escolha ideal para quem não gosta de ser desafiado a pensar.

Nota do Crítico
Excelente!