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Filmes
Crítica

Branco Sai Preto Fica | Crítica

Cyberpunk à brasileira

MH
19.03.2015, às 16H16.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H35

Embora o hip hop tradicionalmente se encerre em si mesmo, unindo música, dança e arte visual como um código de expressão da cultura negra passado de geração em geração, é com outra tradição que Branco Sai Preto Fica estabelece diálogo: a do cinema marginal brasileiro, cujo impulso cinefílico flertava nos anos 1970 com gêneros baratos, do western à ficção científica, para dar conta de absurdos tipicamente brasileiros.

O longa do diretor Adirley Queirós parte de um episódio real ocorrido em um baile de black music em Brasília em 1986 para falar de um desses absurdos: a polícia invadiu o baile com tiros, rendeu pessoas e deixou, entre feridos, dois homens marcados, um com uma perna amputada e outro paralisado da cintura abaixo. Ninguém foi responsabilizado. No filme, vem do futuro um detetive para investigar o que acontecera e determinar o culpado.

Queirós transforma nosso apartheid velado em trama de sci-fi distópico; o cyberpunk é o seu gênero de escolha - talvez o único possível numa Brasília que sempre almejou ser a capital definitiva do futuro. A cidade fechada ao trânsito de cidadãos de segunda classe e seus bairros satélites fadados à clandestinidade - com sua paisagem de desolação que não precisa de computação gráfica para servir de pós-apocalipse - hospedam uma trama meio Terminator, meio Repo Man - A Onda Punk, numa harmonia possível entre Spike Lee e Tsai Ming-liang.

Harmonia que é possível porque o filme de Queirós alia a tradição oral, de narrativas contadas - que com o rap forma um dos pilares da cultura hip hop - com um cinema visual de lacunas e espectros, em que terrenos baldios e casas adaptadas representam acúmulos de vivências em meio a ciclos de destruição que se repetem (a pilha de próteses de pernas, como um ferro-velho humano, é a imagem simbólica mais forte). Há nos filmes orais de Lee e nos evocativos de Tsai um mesmo senso de anseios reprimidos pelo tempo, e em Branco Sai Preto Fica não é diferente.

O conceito de dor fantasma - sentir impulsos nervosos em um membro que a pessoa já perdeu - é ideal para exprimir essa necessidade que existe, no filme de Queirós, de se manifestar. Para dar conta de uma perda, de uma ausência, há o ator em cena num tiroteio imaginário, há as fotografias do passado, há o rapper veterano avesso ao registro gravado, há o grupo de technobrega tocando com timidez. O protagonista rapper e DJ, meio alter-ego de Queirós, pede que as dançarinas do grupo participem mais porque o que conta na performance, mais do que tudo, é preencher o vazio.

Nessa procura por uma fabulação que represente a gente sem corpo e sem voz, por mais amadora e inconsequente que seja, como num bom exemplar de cinema marginal, Branco Sai Preto Fica encontra uma forma absolutamente brasileira de expurgar rancores e convocar ao movimento. Não é todo filme que se sustenta com imagens tão batidas de inflamação popular como colocar fogo no sofá da sala de estar.

Nota do Crítico

Ótimo
Marcelo Hessel

Branco Sai, Preto Fica

Branco Sai, Preto Fica

2015
19.03.2015
90 min
Drama
País: Brasil
Classificação: 12 anos
Direção: Adirley Queirós