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Biutiful | Crítica

Alejandro González Iñárritu deixa as tramas cruzadas mas sua visão de mundo segue a mesma

20.01.2011, às 19H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H14

"A beleza está nos olhos de quem vê" é uma expressão muito piegas, mas serve bem para os filmes do mexicano Alejandro González Iñárritu. Biutiful é o primeiro longa do diretor depois do seu rompimento com o roteirista de Amores Brutos, 21 Gramas e Babel, Guillermo Arriaga, mas a maneira de enxergar e diagnosticar as doenças do mundo não mudou.

biutiful

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Saem as tramas paralelas. A desgraceira agora cai de forma linear sobre um único protagonista, Uxbal (Javier Bardem), um médium que não conheceu o pai, tem uma ex-esposa bipolar e cuida sozinho dos filhos. Para se sustentar em Barcelona, ele explora imigrantes africanos como camelôs e agencia chineses na indústria têxtil e na construção civil. Quando descobre que sofre de um câncer terminal, Uxbal, que pelo visto está com carma ruim até a tampa, decide que é hora de realizar o Bem.

Fazer de Uxbal um médium (livrar-se do peso de consciência passa a significar paz no além) torna mais grandiloquente o esforço de Iñárritu de dar seu parecer sobre tudo o que há de errado entre o céu e a terra - e nisso sempre há o risco do ridículo. O espectador não demora a perceber que Biutiful é uma versão apocalíptica de My Name is Earl, e se o filme não deriva para o humor involuntário isso se deve muito à atuação sólida de Bardem.

Iñárritu, do seu lado, sempre leva a coisa com a maior gravidade. É aí que entra a questão do olhar. Tudo o que o mexicano filma, mesmo a imagem mais prosaica, vem carregado de mal estar. Não é a precariedade do mundo que impregna a película; é a câmera de Iñárritu que atribui, moralista, um valor negativo àquilo que vê. Até mesmo os planos de transição (como filmar a fachada de um prédio para demarcar que estamos indo para a próxima cena) têm essa carga: a revoada diante da pintura no muro, o quadro em movimento na parede, o peixe no azulejo. Não há descanso. Assim que entra em um ambiente novo Iñárritu já o "desloca", tendo sempre o mal estar como chave.

Esses maneirismos têm seu efeito, e ecoam melhor com quem compartilha a visão de mundo do diretor. Só não se deixe enganar: o que parece pessimismo é, na verdade, uma tendência reacionária. Melodramas se comportam assim o tempo todo, no limite da exploração, mas o diretor parece se comprazer com a tragédia: não basta filmar a ex-esposa mancando na rua, é preciso baixar a câmera e mostrar o tênis mal calçado.

As tramas cruzadas se foram, mas o sistema velado de castas de Babel (há os personagens-vítimas, como Brad Pitt, e os personagens-gatilhos, como os marroquinos que colocam a trama de acasos em movimento) continua em Biutiful. Uxbal tem, apesar de tudo, a sua chance de redenção. Já os "subpersonagens" não ganham autonomia. É o caso dos chineses de Barcelona, cujo infortúnio generalizado já dá pra prever na cena do banheiro. (A forma como Iñárritu os "castiga" mais adiante por seus atos naquela cena é a prova do sectarismo.)

Para Iñárritu, a metástase do terceiro mundo não só é inevitável como excludente - os Alpes italianos são privilégio de poucos.

Biutiful | Cinemas e horários

Nota do Crítico
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