Filmes

Crítica

Benzinho

Drama de maternidade ecoa forte o Brasil que normalizou a crise

23.08.2018, às 17H41.
Atualizada em 23.08.2018, ÀS 17H52

A diáspora foi um tema recorrente do cinema brasileiro, quando os filmes da Retomada começaram a se multiplicar e permitir a radiografia desses olhares que tinham em comum. Benzinho retoma, nestes anos de incerteza pós-Dilma, um espírito desesperançado de fuga que é similar ao que se via na nossa produção audiovisual na segunda metade dos anos 1990. No filme de Gustavo PizziKarine Teles, porém, as sonhadas saídas parecem mais dramáticas, neuróticas, inviáveis - e o que vemos é um tipo de fuga que se dá em permanência.

Karine Teles incorpora essa crise e a transmite com fisicalidade e propriedade, no papel de uma mãe de família que se desarticula ao ver o mais velho de seus quatro filhos se emancipando precocemente, depois que ele recebe um convite para estudar na Alemanha. Teles e Pizzi trazem seus próprios filhos para o elenco do filme, que ela corroteiriza e ele dirige, refazendo a parceria que os dois estabeleceram em Riscado (um longa que também se organiza todo em torno da figura da atriz e depende da performance dela para funcionar).

De forma mais imediata, Benzinho é uma história sobre maternidade e solidão; Teles nos coloca muito rapidamente no lugar dessa mãe de família que assume para si não apenas todas as responsabilidades da família como também canaliza todas as dores. O caráter de autoficção (os gêmeos grudam em Teles como só filhos mesmo são capazes) contribui para a força da atuação da protagonista, que no mais sustenta bem toda a série de close-ups que Pizzi realiza para isolar mais a personagem de qualquer empatia que poderia vir dos familiares ao seu redor.

A partir dessa escolha de isolar Teles, Benzinho se desenrola numa variação de cenas de bate-e-assopra. Cada momento de tumulto emocional (cujos ruídos ambientes são ampliados no design de som) é encenado com a urgência que se via nos dramas íntimos feitos de caos no cinema de John Cassavetes (Teles até se parece com Gena Rowlands, musa e esposa de Cassavetes, na forma como atrai para si a espiral de olhares e acidentes); esse é o bate, que sufoca o espectador no drama personalizado para a mãe de família. O sopro são os instantes de respiro trazidos pela música; Pizzi usa as montagens musicais como nos filmes indies dos anos 2000 marcados pela fuga de um fone de ouvido, com seus personagens anestesiados por canções não-agressivas. Nesse vaivém, Benzinho encontra momentos de epifania (como a banda ao fim), embora a dinâmica bate-e-assopra nunca deixe de soar mecanizada (a cena da briga no ginásio é mais funcional do que "verdadeira" de fato).

No meio dessa estrutura meio engessada, porém, há um olhar bem interessante sobre o momento que vivemos no Brasil em 2018 - um olhar que já começa a normalizar a crise, que não se espanta tanto com o comércio que faliu, nem se comove com as estruturas de concreto erguidas e abandonadas nos nosso cartões-postais. Pizzi faz questão de mostrar sempre que um terreno traz a placa de "vende-se" (isso sempre acaba sendo um mote para um diálogos dos personagens, e a crise deixa o subtexto para se fixar no texto), e o roteiro localiza historicamente a trajetória dos personagens, que ascenderam nos anos do lulismo (a cena da visita à casa da ex-patroa demarca a mudança de classe social, "quando o filho Fernando ainda era pequeno").

Durante os bons anos da chamada globochanchada, das comédias mais populares de Ingrid Guimarães e Leandro Hassum, essa ascenção social virou premissa de filmes que rapidamente radiografaram a nossa nova classe média nas telas. Em 2018, que classe média vemos na família de Benzinho? Uma paralisada pela crise, melancólica diante de oportunidades frustradas - e que não deixa também de ter um caráter tragicômico, que o filme demarca nas imagens exageradas da tuba, da casa caindo, das DRs na chuva. De alguma forma, a exemplo do que acontece nos filmes de Anna Muylaert, o nosso cinema "de autor" representado em Benzinho tenta se apropriar da chave cômica das comédias populares porque só assim é possível lidar com o absurdo que é viver em crises que se instalam sem nosso controle e que não têm previsão para acabar.

Nota do Crítico
Bom