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O roteirista e diretor japonês Takashi Shimizu, criador de seis filmes da série O Grito, sentou em cima da fama que a moda do terror oriental lhe deu. Inventou de virar cineasta sério em 2005 e o resultado é o suspense Almas reencarnadas (Rinne), com direito a metalinguagem e tudo.
Na trama, Nagisa Sugiura (Yuuka) é uma aspirante a atriz que emplaca um papel no filme Memory - adaptação da história verídica de uma chacina em um hotel de veraneio que ocorreu 35 anos atrás. Antes mesmo de ser contratada, Nagisa já tinha visões estranhas com uma criança e sua boneca (sempre tem uma boneca). Quando chega para o primeiro dia de filmagem, descobre que interpretará justamente a menina das suas visões, filha do assassino e última pessoa a morrer no hotel.
Se a sinopse pode parecer interessante, seus desdobramentos não fogem muito dos clichês do gênero - vultos passeando às costas das pessoas, crianças-fantasmas repetindo pragas do tipo juntos para sempre, a sobrevivente idosa que sabe todos os segredos, a fita misteriosa com imagens aterradoras... A novidade, potencializada pela ambientação de terror dentro do hotel, são as descaradas citações a O iluminado (1980).
Shimizu emula Stanley Kubrick (1928-1999) nos compassados planos-sequências pelos corredores e tenta reproduzir a claustrofobia do Overlook Hotel em seu filme. O problema é que as vítimas japonesas não são o espetáculo de uma Shelley Duvall. A atriz Yuuka debuta na telona com Almas reencarnadas. Shimizu deve tê-la escolhido pelo mesmo motivo que o diretor de Memory seleciona Nagisa: a cara de espanto, a franja caindo na cara, os olhos esbugalhados e o jeito de andar quase caindo quando está apavorada. Isso não é, necessariamente, interpretação - e os trejeitos de Yuuka não demoram a enervar. Custa correr direito? Se pelo menos ela gritasse a plenos pumões... Shelley Duvall também andava caindo, mas salvou-se porque tinha as pernas compridas.
Falando sério... Quem é Nagisa, além de aspirante a atriz? Que acontecimentos da sua vida explicam o fato dela ter sido a escolhida das almas penadas? Dá para argumentar, dizer que nada em específico motivou a insanidade de Jack Nicholson em O Iluminado. Mas havia um contexto - solidão, pressão por sucesso, ruína familiar. Aqui, como na maioria dos terrores japoneses, como no próprio O Grito, esse contexto é borrado: fantasmas escolhem vítimas a esmo e essas mesmas vítimas manifestam o poder de ver fantasmas por acaso.
Shimizu se ocupa de armar uma rede de ligações, mas faltou dizer por quê. O que sobra de Almas reencarnadas é uma mera piadinha interna: o diretor simula a produção de um terror gore, sangrento e visceral, o tal Memory, mas o seu próprio estilo de cinema é muito mais climático, contido e higiênico (com exceção do cabelo no ralo da banheira, que aqui ele dispensa).