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Crítica

Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros | Crítica

Filme de ação com o freio de mão puxado aumenta a mítica do presidente

17.10.2014, às 14H44.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H24

Seth Grahame-Smith é o principal nome dos mashups históricos, desde que popularizou esse subgênero literário ao escrever Orgulho e Preconceito e Zumbis. O inglês foi para Hollywood trabalhar com Tim Burton, produzir seus próprios filmes - fazer o caminho dos bem sucedidos, enfim. Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros (Abraham Lincoln: Vampire Hunter), porém, embora parta de uma excelente premissa pop, mostra as limitações do escritor. É um livro chato que leva os paralelos históricos a sério demais, reflexo da procura de Grahame-Smith por um status de autor.

abraham lincoln

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A primeira vantagem da adaptação ao cinema, que o próprio Grahame-Smith roteirizou e o russo Timur Bekmambetov (O Procurado) dirige, é poder simplificar as coisas. Sai o narrador que interrompia o fluxo de tempos em tempos (no livro, de ingênua ambição metalinguística, um escritor nos dias de hoje recebe os velhos diários de Abraham Lincoln com a missão de transcrevê-los) e permanece apenas o registro fantasioso de época, que transforma o décimo-sexto presidente dos EUA - famoso por ter vencido a Guerra Civil contra os estados escravocratas do Sul e conseguido manter a unidade do país - em um vigilante com um machado contra criaturas da noite.

A alegoria central, que aproxima os Confederados - fazendeiros rudes e senhores de escravos - aos vampiros vindos da Europa para pintar um retrato mais selvagem e maligno dos caipiras do Sul, torna a figura de Lincoln e a sua trajetória pessoal mais míticos do que já são. O filme se concentra na juventude do personagem; a partir do momento em que dá um salto no tempo para mostrar Lincoln barbudo e velho como presidente, porém, liderando a União na guerra contra fazendeiros e vampiros, é impossível não vibrar com a licença poética - mesmo porque o ator Benjamin Walker, debaixo de pesada maquiagem, fica igualzinho a Liam Neeson. E, como todos sabem, qualquer coisa fica melhor com Liam Neeson, nem que seja só um sósia.

(O fato de Neeson ter sido, por um bom tempo, o escolhido de Steven Spielberg para protagonizar o filme oficial, sem-vampiros, sobre Abraham Lincoln, antes de ser substituído por Daniel Day-Lewis, só torna mais surreal a semelhança.)

Esse terço final do filme, com Lincoln adulto, é mais empolgante, também, porque o roteiro já não precisa estabelecer cenários, apresentar personagens ou explicar relações - os pontos fracos de Grahame-Smith. O que compensa o lado prolixo do roteirista é a capacidade de síntese visual de Bekmambetov. Entre cada dois diálogos arrastados, o diretor encontra uma solução ligeira de imagens. A especialidade do russo, que já podia ser sentida em O Procurado (um filme com defeitos mas que não perdia tempo), é iniciar um plano com um zoom-out em um objeto que remete ao final do plano anterior, como uma cabeça decepada de vampiro numa cova depois de uma cena de ação, ou o menino que brinca com o forte militar depois de uma cena de batalha. Se Grahame-Smith é ruim de exposição, Bekmambetov é bom de raccord, de ligações, e talvez por isso Abraham Lincoln - Caçador de Vampiros pareça tanto um filme que desembesta com o freio de mão puxado.

A curiosa paleta de cores, que varia do sépia ao cinza de acordo com a situação (o filme só fica colorido de verdade quando chega a hora triunfal de mostrar a bandeira dos EUA), também torna a ação mais econômica; com menos tons distoantes, fica mais fácil identificar os elementos em cena e acompanhar os movimentos em 3D, tecnologia que Bekmambetov emprega bem (com exceção da perseguição no estouro dos cavalos, onde a computação gráfica pesada soa datada).

No fim, depois de um começo aborrecido e um desfecho decente, o filme consegue aumentar a mítica em torno do Lincoln real, em um momento pré-eleições em que retornam nos EUA os discursos de união, embora na realidade o país esteja mais do que nunca dividido por interesses de classes. Vamos ver o que o Lincoln de Spielberg, que só estreia depois das eleições, terá a acrescentar.

Nota do Crítico
Regular