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Crítica

Crítica: A janela secreta

A janela secreta

15.04.2004, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H16

Um dos maiores medos de um escritor é o tal do bloqueio criativo. Imagine o que é sentar na frente de uma máquina de escrever (ou computador) e não conseguir gostar de nada do que sai das pontas de seus dedos, ou, o que pode ser ainda pior, não sair nada. Esta neura toda já foi muito bem recriada em Adaptação (Adaptation, de Spike Jonze - 2002), filme em que o próprio roteirista Charlie Kauffman aparece como um personagem da história e cria uma trama que vai do drama ao policial.

Janela Secreta

Janela Secreta

Janela Secreta

Em A janela secreta (The Secret Window), o diretor e roteirista David Koepp adapta para a telona um texto do escritor Stephen King, Secret window, secret garden. O personagem principal é Mort Rainey, um escritor de suspense de certo renome, que está com problemas para bolar novas histórias. Koepp, que tem em seu currículo os roteiros de Homem-Aranha (Spider-man, de Sam Raimi - 2002) e O Quarto do pânico (Panic Room, de David Fincher - 2002), foi até o Caribe para conseguir o seu protagonista, o excelente Johnny Depp, que na época estava encarnando o divertidíssimo Capitão Jack Sparrow, em Piratas do Caribe (Pirates of the Caribbean, de Gore Verbinski - 2003).

Deu duplamente certo. Ele não apenas conseguiu o Mort Rainey que queria como, de bônus, ainda pegou Depp na sua fase mais festejada pela crítica - o que é uma injustiça, pois ele sempre soube escolher muito bem seus papéis, desde a época que participava da série de TV Anjos da Lei.

E o ator não decepciona. No papel do escritor solitário que sofre com um dolorido processo de separação de sua esposa (Maria Bello), o ator eleva o nível de um roteiro sem inovações, mas muito bem costurado e que vai deixar muita gente tensa até o seu desfecho.

De cabelos loiros e cuidadosamente despenteados, Depp dá o peso que todo bom thriller precisa, mas não sozinho. Quem o ajuda nesta tarefa é John Turturro (E aí, meu irmão, cadê você?, Quiz Show - A verdade dos bastidores), que interpreta um caipirão que aparece na vida de Mort acusando-o de ter plagiado uma de suas histórias. Mort, que tem segredos escondidos em seu passado, não sabe ao certo o que está acontecendo, mas uma coisa é inegável, os dois textos são realmente idênticos. Teria ele copiado aquela história? Ou aquele enigmático e soturno homem do interior está ali só para tentar tirar vantagem deste momento complicado de sua vida?

Acima da média

Se A Janela secreta até mesmo pode ser visto como um plágio de vários outros filmes de suspense, uma coisa é inegável: ele cumpre muito bem o seu papel de entreter o público ao longo de seus 97 minutos. A tensão criada é tão presente quanto a neblina que cerca a casa de Mort, à beira de um lago. Quer lugar mais propício para uma história sombria?

Com certeza o filme ganharia outros contornos se tivesse sido dirigido por Tim Burton (Peixe Grande) ou M. Night Shyamalan (Sinais, Corpo Fechado), respectivamente atuais reis do sombrio e do suspense, mas Koepp soube escolher muito bem a sua equipe técnica e conseguiu entregar um filme com características artísticas interessantes, movimentos de câmera muito bem planejadas (como a "invasão no espelho" que abre a fita e uma outra mais no seu final) e boa direção de atores. Diz ele que sua experiência como escritor ajudou. Por exemplo, o próprio cineasta fez questão de testar o sofá onde Mort passa boa parte de seu tempo tirando ali uma soneca. "Não conheço nenhum escritor que não tenha um bom sofá para cochilar", confessa Koepp.

Enquanto isso, Depp, que já interpretou o escritor Hunter S. Thompson em Medo e Delírio (Fear and Loathing in Las Vejas, de Terry Gilliam) e se prepara para fazer o autor de Peter Pan, J.M. Barrie, vai escrevendo a sua própria história nos livros de Hollywood.