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120 Batimentos por Minuto | Crítica

Premiado em Cannes, filme narra de forma delicada como soropositivos usaram a militância para lutar pela sobrevivência

31.01.2018, às 19H00.
Atualizada em 02.02.2018, ÀS 11H45

Robin Campillo, em seu terceiro trabalho como diretor, traz dois novos pontos de vista extremamente interessantes e pouco explorados pelo cinema com o longa 120 Batimentos por Minuto. O primeiro é a descentralização da discussão sobre o movimento LGBT da cena norte-americana, dando visibilidade ao panorama político de outros países. O segundo é a introdução de uma discussão aprofundada sobre as relações entre a indústria farmacêutica e a comunidade de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais após o surto de AIDS nos anos 1980. O que fez, porém, o filme levar o Prêmio da Crítica em Cannes e liderar as indicações ao Cesar Awards foi a delicadeza ao balancear sensações como medo e coragem entre pessoas que estão travando uma luta pela própria sobrevivência.

A grande protagonista do longa é, na verdade, uma organização. A ACT UP, sigla para AIDS Coalition to Unleash Power, é um grupo que nasceu em 1987 em Nova York e se tornou uma organização internacional que trabalha em prol de melhorias na qualidade de vida de pessoas soropositivas, fazendo pressão em assuntos como legislação, pesquisa científica, novos tratamento e políticas públicas. Não é a primeira vez, é claro, que a atuação do ACT UP é fonte de material audiovisual - as ações do grupo já foram mostradas em documentários como How to Survive a Plague e United in Anger: A History of ACT UP -, mas, dessa vez, o foco está na célula francesa do grupo, sediada em Paris.

Ao contrário das narrativas tradicionais de longas sobre luta por direitos civis, 120 Batimentos por Minuto não segue a linha de mostrar a corrida até determinado avanço ou conquista de forma mais sólida, escolhendo transpor para a tela sob a forma de um recorte temporal as mobilizações, a ansiedade e as angústias dos anos 1990. Ao contrário do início dos anos 1980, onde tanto os pacientes quanto a comunidade médica ainda tentavam entender o que era e como se comportava o vírus HIV, a década seguinte carregava a sensação de um pós-guerra, onde várias pessoas se despediram de amigos e familiares sem poder fazer muito por eles. O filme mostra o grupo de sobreviventes que integram a organização lutando, através da militância, pela própria vida.

Essa luta, é claro, não é homogênea e há muita discordância dentro do próprio grupo do ACT UP. Tanto a organicidade das relações interpessoais do longa quanto o tom muitas vezes documental não são gratuitos: Campillo foi militante do ACT UP nos anos 1990, logo, muito do que é visto no filme é, de certa forma, inspirado em sua própria vivência - a cena em que Nathan (Arnaud Valois) veste o corpo morto de Sean (Nahuel Perez Biscayart), ponto alto dos dois atores no longa, é baseado em uma experiência semelhante pela qual o diretor passou na época. Cada personagem na trama representa algum tipo de pessoa afetada pelo HIV - desde o soropositivo que contraiu o vírus em sua primeira relação sexual até a mãe que luta pela vida do filho - e o filme mostra como, mesmo com as mais profundas divergências, a força da causa inevitavelmente os une em um elo de empatia e companheirismo.

Assim como no resto do mundo, o grupo enfrenta a insípida atenção governamental em relação aos soropositivos - há uma cena em que o ACT UP questiona através de um ato a precariedade da educação sexual nas escolas -, mas o foco do filme está no relacionamento com a indústria farmacêutica. O filme mostra que, passado o pânico dos anos 1980, os soropositivos aprenderam por conta própria tudo sobre o vírus do HIV e passaram a acompanhar os estudos sobre o tema. Assistindo de camarote à cômoda lentidão das pesquisas e da disponibilização de novos medicamentos enquanto viam seus companheiros morrendo à espera de um paliativo, os soropositivos se viram na necessidade de fazer pressão com as próprias mãos - o longa é, afinal, uma crítica certeira a um modelo econômico absolutamente discutível, que mistura saúde e dinheiro da forma mais desumana possível.

Do começo ao fim, 120 Batimentos por Minuto fala de tudo um pouco: dos momentos de luta contra as autoridades, dos confrontos internos causados tanto por divergência quanto por estafa mental e física, das demandas específicas dos soropositivos dentro da comunidade LGBT e, não menos importante, da fagulha de prazer em estar vivo que faz com que todos os personagens não desistam da luta. Não por menos, para abordar tanta coisa de forma delicada e sem pressa, o filme conta com 140 minutos - o que pode ser cansativo para grande parte do público. Porém, é impossível não se emocionar com a noção de urgência que permeia a relação entre vida e morte, direta ou indiretamente, para todos os personagens. 120 Batimentos por Minuto é uma aula não só de luta ideológica, mas um filme emocionante e necessário nos dias de hoje.

Nota do Crítico
Excelente!