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Entrevista

Cidade de Deus | Políticos podem ser tão sociopatas quanto Zé Pequeno, diz Fernando Meirelles

Diretor fala sobre o legado do filme

04.11.2015, às 09H57.

Já se passaram treze anos desde que os traficantes Zé Pequeno e Mané Galinha deram ao filme Cidade de Deus uma dimensão de popularidade, de relevância social e mesmo de experimentação narrativa única no cinema brasileiro, que ecoou mundo afora, com direito a quatro indicações ao Oscar. Parte dessa história, fruto da imersão do diretor Fernando Meirelles no livro homônimo de Paulo Lins, está contada pelo documentário Cidade de Deus – 10 Anos Depois, de Luciano Vidigal e Cavi Borges, uma produção de 2012 (daí a data no título) que entra em cartaz nesta quinta-feira, após uma carreira de aplausos e prêmios no Brasil e no exterior. O longa costura depoimentos de atores e técnicos envolvidos no longa-metragem que, ao longo da última década, foi considerado o filme brasileiro de maior retumbância internacional, sobretudo por ter celebrizado a estrutura estética chamada de favela movie. Mas o que aconteceu com Meirelles desde então? É essa a resposta dada pelo cineasta paulista – que não filma desde 360 (2012), envolvido só com séries de TV e projetos como produtor – na entrevista a seguir, concedida ao Omelete por e-mail:

Passados 13 anos da estreia de Cidade de Deus, como você vê a influência que aquele longa-metragem teve nas reflexões sobre exclusão e violência armada no cinema brasileiro?
FERNANDO MEIRELLES - CDD abriu um ciclo de filmes sobre exclusão urbana e as portas das favelas  para que a sociedade entendesse um pouco mais o que se passa nessas áreas.  Creio que, se não tivesse sido esse filme, algum outro teria feito a mesma coisa, pois o tema estava pulando na nossa cara. Cidade de Deus só teve a sorte de chegar antes.Hoje, a questão nas favelas do Rio são as milícias. Certamente outros filmes e séries de TV aparecerão para falar sobre isso.

O que personagens como Zé Pequeno, Mané Galinha e Buscapé ainda representam para você como arquétipos de Brasil?
MEIRELLES  Talvez os três personagens sejam mesmo atemporais e continuam andando por aí. Zé Pequeno era um sociopata, um tipo que não é  exclusividade das favelas. Creio que nosso presidente da Câmara [Eduardo Cunha], por exemplo, tenha um pouco do mesmo traço: ele arma, mente, forma quadrilha, mas age como se estivesse tudo tranquilo... parece não sentir.  É o mesmo distúrbio. Mané Galinha e Buscapé são exemplos do que pode acontecer com quem está mergulhado naquela situação. Ambos não têm relação o crime. Buscapé tenta achar uma brecha para se incluir na sociedade oficial, virar classe média, enquanto Galinha parte para o enfrentamento.  Este é o conflito e a questão colocada para milhares de jovens que vivem num mundo semi-oficial onde Estado e as oportunidades não estão presentes.

Sobre novos planos: como ficou o projeto Nêmesis, longa-metragem que você iria dirigir sobre o milionário grego Aristóteles Onassis e sobre a ex-Primeira Dama dos EUA Jacqueline Kennedy?
MEIRELLES - Está encruado. Nenhuma atriz quer fazer a nossa Jackie.

E como andam os seus demais projetos, como produtor e diretor?
MEIRELLES - Estou desenvolvendo duas séries para TV, uma com produtores ingleses e uma com canadenses. No momento estou dirigindo a abertura das Olimpíadas de 2016 com a Daniela Thomas e o Andrucha Waddington. Fora isso a O2 [produtora do cineasta] está tocando várias séries de TV e vamos lançar dois longas dos quais sou produtor: Zoom, do Pedro Morelli, e, depois, Malasartes, do Paulo Morelli.