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Entrevista

Charlie Kaufman: “Nolan pode filmar em película, mas eu não tenho dinheiro”

Diretor veio à Mostra de SP, com Eva H.D., apresentar curta Como Fotografar um Fantasma

9 min de leitura
18.10.2025, às 07H00.

Créditos da imagem: Charlie Kaufman (Reprodução)

Charlie Kaufman e Eva H.D. têm uma dinâmica curiosa. Naturalmente tímido e dado a falar baixinho, exatamente como os protagonistas de muitos de seus filmes, o roteirista e diretor de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, Sinédoque, Nova York e outros clássicos poderia se tornar um entrevistado difícil – mas não quando a poetisa e roteirista, com quem Kaufman tem uma parceria criativa de anos, está sentada logo ao lado.

Curiosa e dona de humor sardônico, que muitas vezes se cruza com a autodepreciação típica de Kaufman, Eva faz a conversa fluir e dá um “empurrãozinho” em Kaufman quando ele perde o entusiasmo. Por sorte (ou cálculo), a poetisa veio ao Brasil com o cineasta para apresentar Como Fotografar um Fantasma, curta metragem que eles fizeram juntos, na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

O Omelete, é claro, não perdeu a oportunidade de falar com os dois sobre esta obra única, em que Jessie Buckley (A Filha Perdida) vive um fantasma passeando pelas ruas de Atenas, capital da Grécia, e se misturando à história do lugar. Confira o papo a seguir, que também tocou em cinema brasileiro, o embate película vs. digital, e muito mais.

OMELETE: Olá, pessoal, bem-vindos ao Brasil!

KAUFMAN: Obrigado.

EVA: [Apontando para a camiseta do repórter] Você é fã de Duran Duran!

OMELETE: Sim, eu sou! [Risos] Acompanhei a exibição do filme ontem à noite [na Cinemateca Brasileira] - e Charlie, você comentou sobre o tamanho da multidão reunida para ver seu filme. Como é exibir Como Fotografar um Fantasma aqui no Brasil? Você ficou surpreso com a forma como as pessoas se conectaram com o filme?

KAUFMAN: Para ser sincero, eu não sei como as pessoas se conectaram com ele. Nós não ficamos para assistir, mas parecia que gostaram. Eles gostaram? 

EVA: Alguém escreveu uma carta muito legal para mim, dizendo que tinha uma tatuagem de um dos meus poemas e outra de um filme de Charlie no braço. Parece que as pessoas estão gostando.

OMELETE: Com certeza. Todo mundo com quem conversei adorou o filme.

KAUFMAN: Bom, isso é reconfortante. Então, estou feliz.

OMELETE: Eva, eu fiquei impressionado com o seu português ontem à noite. [A poetisa e roteirista fez um discurso em português explicando a trama do filme em detalhes, antes da exibição na Cinemateca]

EVA: Ah, sério? Que bom! Eu estava preocupado que parecesse muito "computadorizado".

OMELETE: De forma alguma. Eu quero te perguntar, como você aprendeu aquilo? Foi algo que você preparou para a ocasião?

Cena de Como Fotografar um Fantasma (Reprodução)

EVA: Eu perguntei à assessora do festival antes: “Como eu digo isso em português?”. E ela me disse. Eu só pensei que seria legal, e estou tentando aprender o máximo possível de português enquanto estivermos por aqui. Estou feliz que você conseguiu entender o que eu falei!

OMELETE: Sim, acho que todos entenderam. Queria dizer uma coisa também: há um filme brasileiro recente, não sei se vocês conhecem, chamado A Paixão Segundo G.H. É baseado em um livro de Clarice Lispector.

KAUFMAN: Sim! Quer dizer, eu conheço o livro, mas não sabia que tinham feito um filme.

OMELETE: Pois é, e eu acho que esse filme faz algo um pouco semelhante a Como Fotografar um Fantasma. Tipo, imagens e poesia combinadas em uma estrutura pouco convencional.

KAUFMAN: Ah, sério? Eu quero ver isso.

OMELETE: Na época, muitas pessoas compararam aquele filme com um álbum visual ou um audiolivro visual. Eu me pergunto, vocês definiriam Como Fotografar um Fantasma dessa forma?

KAUFMAN: Hmmm, não sei. Um audiolivro visual? Eu não sei exatamente o que isso significa. Acho que nosso filme é um filme, acima de tudo.

EVA: Mas um filme é um audiolivro visual, de certa forma, certo? Porque tem áudio e tem imagens. É uma boa descrição, e eu sei que você está se referindo à narração [onipresente em Como Fotografar um Fantasma e A Paixão Segundo G.H.]. Nos últimos tempos eu tenho ouvido peças de rádio que encontro na internet – porque o rádio em si não as transmite mais, não sei por que –, e me apaixonei por uma que talvez seja dos anos 60, um registro de uma peça de rádio grega, baseada em um famoso romance. É interessante o formato, porque as pessoas não estão mais acostumadas a ouvir esse tipo de coisa, com atores encenando algo no formato do áudio. Não sei se isso responde à sua pergunta, mas acho que talvez o público tenha mudado suas expectativas, e por isso haja essa tentativa de definir o nosso filme, ou este filme brasileiro que você mencionou, com esses termos diferentes.

OMELETE: Eu quero me aprofundar um pouco mais no processo criativo deste filme, porque me parece fascinante. Quanto de roteiro vocês tinham, além da narração? As cenas foram muito detalhadas no papel, ou houve mais improviso?

EVA: Não, estava tudo lá no roteiro. A fotografia de rua que queríamos foi o que eu deixei em aberto – eu descrevia coisas vagas, como “um mercado de rua”, “dois velhos discutindo”, “um padre ortodoxo atravessando a estrada”, o que quer que seja, esperando que pudéssemos capturar algo semelhante em Atenas, porque são coisas que eu via por lá o tempo todo. Então havia essa parte mais solta do texto, que preenchemos durante as filmagens, mas as coisas que os atores fizeram diante da câmera foram todas roteirizadas.

OMELETE: Bem, a locação desempenha um grande papel neste filme, claro – a cidade de Atenas é fundamental. Eva, de onde veio essa decisão? Você estava pesquisando sobre Atenas, morou lá?

Cena de Como Fotografar um Fantasma (Reprodução)

EVA: Eu morei lá. Tenho família lá, morei lá quando criança. Mais recentemente, passei um tempo em Atenas durante uma residência de arte queer, durante a qual escrevi este roteiro. E foi proposital, também: eu estava lá porque queria escrever sobre a cidade, e escrevi sobre a cidade porque estava lá.

OMELETE: Também quero falar sobre o elenco, é claro, porque Jessie Buckley e Josef Akiki entregam performances excepcionais num formato muito pouco convencional. O quanto eles contribuíram para o produto final? Os insights deles mudaram muito a aparência do filme?

KAUFMAN: Sim! Posso falar sobre o cabelo da Jessie, por exemplo. Logo no início do processo, antes de fazermos o filme, ela disse que queria usar uma peruca azul. Então, ela mesma procurou uma online e comprou por 10 libras [cerca de R$ 70], estilizou sozinha antes do nosso primeiro dia de filmagens. Ela veio para Atenas já com o look da personagem em mente – então, como você pode perceber, estivemos muito abertos às contribuições e insights deles. E, na verdade, eu sempre estou, porque acho que o ator habita o personagem de sua própria forma. Sem eles, são palavras em uma página

EVA: Outro exemplo é a cena em que Jessie olha para uma vitrine de loja e coloca maquiagem em seu rosto, bem naquele estilo EDM [eletronic dance music], maquiagem de balada. No roteiro, só estava escrito que a personagem se preparava para uma festa, dizendo que o visual tinha que ser um pouco estranho, fugir do convencional. Quando ela adicionou a peruca e a sua própria interpretação da maquiagem, achei muito legal.

KAUFMAN: E a peruca foi boa porque também, porque delineou a cronologia do filme. Entendemos quais cenas são antes de ela ir para a rave, e quais são depois, porque ela está com a peruca ou sem a peruca.

OMELETE: Charlie, alguns anos atrás você lançou outro curta metragem, Jackals & Fireflies, que foi filmado em um smartphone, não diferente deste que estou usando agora. Não consegui encontrar informações técnicas sobre Como Fotografar Um Fantasma, foi um processo parecido?

KAUFMAN: Não. Nós filmamos digitalmente, mas em câmeras de verdade. [Risos] E a Eva também escreveu Jackals & Fireflies, ou pelo menos foi baseado em um poema que ela escreveu. 

EVA: Certo. E o seu diretor de fotografia meio que construiu a câmera.

KAUFMAN: Isso mesmo. É um pouco de trapaça dizer que filmamos tudo num smartphone, porque também tínhamos um exoesqueleto ao redor dele, com lentes e apetrechos que o seu telefone, por exemplo, não tem.

OMELETE: Certo, mas eu me pergunto… há muita conversa hoje em dia, na comunidade cinematográfica, sobre película e digital, sobre o uso de smartphones e iPhones na produção de filmes. Muitos diretores são muito radicais em relação a tomar um lado nessa briga, mas você se considera um pouco mais maleável?

KAUFMAN: Filmar em película não é algo alcançável para mim. Não está disponível. Christopher Nolan pode dizer que quer fazer isso, porque ele consegue. Eu não posso dizer a mesma coisa. Quer dizer, posso dizer, mas não vai acontecer. [Risos]

EVA: Talvez você devesse dizer de qualquer forma, colocar isso no mundo.

Cena de Como Fotografar um Fantasma (Reprodução)

KAUFMAN: Sim, talvez. Por outro lado, eu filmei Estou Pensando em Acabar com Tudo, que foi o último longa que fiz, digitalmente – e estou muito feliz com a aparência dele. Então, não é algo tão forte para mim. Eu filmei [Jackals & Fireflies] no telefone, mas não porque eu queria filmar no telefone… as pessoas que fizeram o telefone pagaram pelo filme. Sabe, é a maneira como conseguimos financiamento.

OMELETE: Certo. É claro, essa parceria criativa de vocês já dura anos. Por que vocês acham que seus estilos funcionam tão bem juntos? E já estão pensando na próxima coisa?

KAUFMAN: Eu não sei se funcionam tão bem juntos. Quer dizer, espero que sim.

OMELETE: Eu acho que funcionam!

EVA: Oh, é mesmo? Que gentil da sua parte. Gosto de você.

KAUFMAN: Sim, é bom ouvir isso. Eu tenho um longa para o qual estou tentando conseguir financiamento, e ele inclui muitos trechos de um romance poético que Eva escreveu. Um personagem recita esses textos do livro de Eva, e acho isso interessante porque, caso se concretize, esse longa será realmente uma síntese dos nossos tons. Quanto estou fazendo esses curtas metragens, sinto que estou tentando servir às palavras da Eva, mas o longa ajuda a combiná-las com as minhas. Em Estou Pensando em Acabar com Tudo, é claro, há um poema da Eva, e acho que ele funciona muito bem com as coisas que eu escrevi.  Este próximo projeto seria ainda mais disso, e estou ansioso para concretizá-lo.

EVA: Eu acho que algumas pessoas que gostam das coisas do Charlie ficam desapontadas com as nossas colaborações, porque estão acostumados com os primeiros filmes que ele fez, que eram mais cômicos ou ácidos. Eles ficam pensando: ‘Que m*rda deprimente é essa?’.

OMELETE: Bom, eu gosto dos seus filmes mais recentes. Realmente amo Sinédoque, Nova York e Anomalisa, e acho que esta parceria é uma boa evolução deles.

KAUFMAN: Sim, quer dizer, eu estou feliz com isso. Estou feliz em tentar descobrir o que fazer com as coisas que a Eva escreve. Acho que faz bem para a minha alma.

EVA: Agora quero te perguntar - qual é sua música favorita do Duran Duran?

KAUFMAN: Sim, vamos colocar o microfone em você um pouquinho.

OMELETE: Oh, meu Deus, isso é tão difícil. “Hungry Like the Wolf” é um clássico, e eu adoro “A View to a Kill”, do filme de James Bond. Os álbuns mais recentes deles também são ótimos!

EVA: Eu gosto de “Come Undone”.

OMELETE: Excelente escolha! [Risos] Bom, muito obrigado, pessoal, e parabéns pelo filme!

EVA: Obrigada, Caio.

KAUFMAN: Obrigado, tchau tchau.

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