Revisitar a história da socialite Ângela Diniz é se chocar com um Brasil machista, capaz de inverter os papéis de vítima e réu. Imagine que no julgamento do seu namorado Doca Street, que a assassinou com três tiros no rosto e um na nuca, o crime ficou em segundo plano para deliberar sobre a reputação e o caráter dela — linha de argumentação aceita, na época, pela validade da tese da legítima defesa da honra, que garantiu a Street uma primeira sentença desproporcional ao crime que cometeu: dois anos de prisão. Hoje, o absurdo é evidente — mas, nos anos 1970, foi necessário pressão dos movimentos feministas para que o réu passasse por um novo julgamento.
Depois do ótimo podcast Praia dos Ossos, o caso volta à pauta pelas mãos do diretor Hugo Prata. No filme Angela, que chega aos cinemas nesta quinta (7), a atriz Isis Valverde interpreta a personagem-título e, ao lado de Gabriel Braga Nunes, representa em tela o relacionamento abusivo, da aparente lua de mel ao seu final trágico.
“Foi um processo doloroso, que mexeu muito comigo emocionalmente”, descreveu Valverde, em entrevista ao Omelete. “Todas essas dores e violências que nós sofremos por sermos mulheres eu levei comigo para a preparação. Saber da história já mexe com a gente, mas viver isso durante a preparação e depois, nas filmagens, foi muito intenso.”
De fato, em pleno 2023, as dores e violências que a atriz menciona não são tão diferentes das de 1976. Na realidade, ainda que existam avanços consideráveis — como a Lei Maria da Penha e a decisão recente do STF de tornar inconstitucional a “legítima defesa da honra” —, pouco mudou dos anos 1970 para cá. De acordo com um levantamento do Monitor da Violência, do G1, o país teve um caso de feminicídio a cada seis horas em 2022. Em outras palavras, pelo menos 1,4 mil mulheres foram mortas no ano passado, um número 5% superior ao de 2021.
Por isso, a atriz acredita que Angela pode jogar luz à gravidade do feminicídio no Brasil. “Torço para que mulheres que estejam vivendo situações de violência vejam e pensem que podem sair disso, que podem ir embora e reconstruir suas vidas, que entendam que não precisam manter uma relação falida, que casamento não é isso, que amor não é isso”, afirmou. “A arte, quando fala sobre esses temas sociais tão importantes, tem a capacidade de acender uma fagulha que pode crescer e ajudar a mudar a nossa realidade. Meu papel como artista é esse: acreditar que as mudanças são possíveis.”
A roteirista Duda de Almeida compartilha de uma visão semelhante. “É inocência pensar que apenas um filme muda alguma coisa por si só. Mas os filmes nos ajudam a tomar consciência de alguns temas, especialmente se nos identificamos com os personagens. Espero que o filme possa trazer visibilidade para essas questões e potencializar o trabalho de pessoas que estão ativamente combatendo essa realidade.”
Angela chega aos cinemas em 7 de setembro.