Filmes

Entrevista

“Acho que o filme vai abrir portas e é isso que eu quero”, diz diretor de Lino

Rafael Ribas conta como foi desenvolver a animação, feita totalmente em território nacional

05.09.2017, às 16H36.
Atualizada em 05.09.2017, ÀS 17H01

Contar histórias através de animações é uma das coisas mais incríveis do cinema, já que essa linguagem permite que os cineastas falem de temas profundos com personagens coloridos e situações cômicas. Estúdios como Pixar, DreamWorks, Disney e, nos últimos anos, Illumination, são sinônimos de qualidade e boas tramas. Agora, o Brasil tem uma chance de se aproximar dessa lista com Lino, animação feita totalmente em território nacional, que chega aos cinemas em 7 de setembro.

Localizado na Vila Mariana (SP), o estúdio Startanima é o responsável pelo projeto, que conta a história do personagem-título: um jovem sem muita sorte, que trabalha como animador de festas infantis e detesta seu trabalho. Com o intuito de mudar essa realidade, ele faz um encantamento que o transforma em sua fantasia de um gato vermelho e amarelo. Em entrevista ao Omelete, o diretor Rafael Ribas revela de onde tirou inspiração para a história: “Desde 2009, 2010 eu sonhava em fazer meu próprio projeto e me reuni com algumas pessoas bem criativas que já trabalhavam aqui no estúdio para desenvolver uma ideia. No começo, pensamos em um personagem que se transformaria em um desenho animado. Talvez um personagem de quadrinhos, algo como ‘um cara que virou um Simpson’. Só que não estávamos conseguindo encaixar isso muito bem”.

A mudança na estratégia veio com a história de um amigo de Ribas, que se vestiu de Pantera Cor-de-Rosa para animar uma festa: “Ele me contou que foi chutado, pisado, as crianças puxavam o rabo, uma coisa absurda. E eu fiquei com isso na cabeça por muito tempo, então, quando essa dificuldade surgiu, pensei em fazer o personagem se transformar em sua fantasia”.

O passo seguinte foi começar a pesquisa para definir qual seria o animal, as cores, os traços, e a personalidade do Lino. Nessa fase, o diretor revela que se inspirou em uma animação muito querida pelo público: “Quando comecei a pensar no Lino, tinha acabado de lançar o Ratatouille (2007), que eu considero um dos melhores filmes do mundo. E eu imaginava muito um personagem daquele jeito do Linguini, meio tímido. Acabei me baseando um pouquinho, não vou negar. E ele muda também durante o filme, porque ele percebe que precisa ter mais atitude na vida”.

Falta de investimento

“Demorei mais tempo para conseguir o dinheiro do que para fazer o filme”, é assim que o diretor define a busca por investimentos para finalizar Lino. Mesmo com o envolvimento forte de Selton Mello e da Fox, Ribas revela que muitas empresas não queriam arriscar o investimento em um projeto que terminaria 2 anos e meio depois: “Foi difícil conseguir aquele primeiro dinheiro, no final foi mais fácil. E se não fosse pela Fox, acho que não teríamos conseguido nada”.

Existem ainda duas questões em pauta quando se trata de conseguir parceiros: a primeira é a falta de glamour da animação em comparação com filmes em live-action. Enquanto essas produções passam por filmagens em sets e locações, o trabalho do animador é basicamente no computador. “Para quem não gosta de animação, nós não somos nada”, diz Ribas.

Porém, o sucesso de Lino também pode representar outro momento importante do cinema nacional, embora o diretor seja mais cauteloso: “Ainda existe muito receio, até mesmo da distribuidora. Não sobre a qualidade do produto, mas sim de como o público vai receber isso. Por mais que esteja bem feito, alguém pode deixar de assistir se souber que é um filme brasileiro, essa é a verdade (...). Sinceramente, não acho que o Lino será um sucesso de público, mas acho que ele vai abrir portas para muita gente e é o que eu quero”.

Selton Mello de volta às animações

Como toda boa animação, Lino tem na dublagem um de seus pontos fortes e parte disso é responsabilidade de Selton Mello, que esteve envolvido no projeto desde o começo e dá voz ao personagem principal. Rafael Ribas revela que sempre pensou em trabalhar com o ator, após conferir sua dublagem em A Nova Onda do Imperador (2000). “Liguei para ele em 2010, ele gostou da história, disse que estava cheio de projetos, mas que conseguia fazer a voz. Na época eu precisava de um teaser para apresentar para a Fox e vender a ideia. Então ele pediu que eu fosse até o Rio de Janeiro para gravar esse pedaço. Nos encontramos e em cinco minutos ele fez a voz de uma forma incrível. Tanto que essa fala gravada em 2010 é a mesma do teaser que lançamos para promover o longa esse ano”.

Além de conseguir entender o personagem rapidamente, Mello contribuiu com o roteiro, dando ideias que acabaram no texto final. Já nas gravações, ele criou trejeitos engraçados para Lino: “Para quem não participou de todo o processo, parecia algo até agressivo, porque ele virava pra mim várias vezes e dizia ‘não, não vou fazer isso, não vai ficar legal, vou fazer assim ó’. Ele é um gênio, mesmo. É impressionante e eu não estou exagerando. É até estranho, porque ele está muito além. Ao mesmo tempo em que está dublando, você percebe que a cabeça dele já está imaginando a cena e algo além daquilo”.

O software que mudou tudo

Outra coisa que faz de Lino um filme pioneiro em sua área é o Renderman, software utilizado pela Pixar em suas produções, que nunca foi utilizado antes em um longa animado no Brasil. Rafael Ribas conta que conheceu o programa em 2010, quando precisou fazer um teaser de apresentação do projeto para a Fox. O resultado foi incrível e viabilizou o longa, mas ele precisou lidar com outra questão: a falta de profissionais habilitados no país.

“Poucas pessoas no Brasil sabiam usar o Renderman, porque é um software que ninguém consegue piratear, então os profissionais sabiam usar vários outros programas pelas versões paralelas, mas isso não é possível com esse”.

Com o sinal verde para fazer Lino e o desejo de inovar, o diretor estudou as funcionalidades da ferramenta a fundo e ensinou o que descobriu para sua equipe, que logo conseguiu trabalhar sozinha nas cenas. Porém, apesar dessa “ajudinha” do software, Ribas se orgulha ao dizer que nada foi feito fora do país. “Fizemos tudo aqui, nesse sobrado da Vila Mariana. É uma vitória”