Filmes

Entrevista

A Lenda de Beowulf: Omelete Entrevista Sir Anthony Hopkins

Rei Hrothgar fala sobre seu trabalho e o estado do mundo

29.11.2007, às 19H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H31

Não é sempre que se entrevista um ator que adquiriu status de ícone do cinema - e alguém que tem uma daquelas estatuetas de um careca dourado em casa. Assim, senti uma certa apreensão com a proximidade da minha entrevista com Sir Anthony Hopkins - ainda mais sabendo que ele é desses entrevistados que costuma lamentar se as perguntas não são suficientemente boas. Felizmente, meu papo com o ator foi bastante tranqüilo. Lento, concentrado, intenso e, veja só, verborrágico, Hopkins ficou muito mais à vontade falando sobre o estado do mundo e seus hobbies que sobre A Lenda de Beowulf, filme no qual ele interpreta o fanfarrão e amaldiçoado Rei Hrothgar. Confira abaixo a conversa. Se ele gostou eu não sei, mas eu aproveitei cada minuto.

Beowulf e Hrothgar

Beowulf e Hrothgar

Seu personagem domina a primeira parte do filme. Corre nu, fala baixarias, bebe, agita...

Oh meu Deus. Faço tudo isso? Faz tanto tempo que nem me lembro. Parece bom. Ahahahahaha. Deve ter sido bem estranho. Não vi o filme ainda, mas acho que sou um galês bem selvagem nele, não?

Como um ator tão experimentado e respeitado, você se dedica a estudar o personagem, prepará-lo? E como é não ter qualquer referência para se apoiar, atuar com telas azuis por todos os lados.

Não me preparo. Nada. Quanto à atuação, é muito fácil. Chego lá e faço. Não li Beowulf, nem coisa alguma. Eu já fui assim, mas acho que a experiência me ensinou coisas diferentes que [o método] Stanislawski... mas não é cirurgia de cérebro. Chamem-me de superficial... não importa. Não é difícil.

Você rejeita o Método Stanislawski, então?

A análise de personagens e essa coisa toda pode funcionar para os mais jovens, mas mesmo a eles eu recomendo que não se levem a sério demais. Há 50 anos, sei lá porque, virei ator. Eu queria ser músico. E aqui estou, cinquenta e tantos anos depois, falando de um filme que eu fiz. Nada disso faz o menor sentido. Eu devia estar na padaria do meu pai no País de Gales. Não temos o menor controle sobre as nossas vidas. Ficar pensando na carreira é bobagem. Você não vai conseguir mudar nada. Você pode morrer amanhã. Você não tem o menor controle de nada. Relaxe e aproveite o passeio.

Você sai da padaria e, subitamente, está ganhando um Oscar...

É. Eu tenho um... Experiência estranha essa. Ficavam me dizendo "você vai ganhar" e eu "naaaaa". Até que, sentado ali, olhando Kathy Bates no palco com o envelope, subitamente tive a certeza que, sim, era eu o vencedor. E ganhei. Foi um momento, eu juro por Deus, tão estranho... foi uma premonição. Ao subir ao palco, de repente me lembrei de meu pai, que havia morrido há exatos onze anos naquela noite. Foi tão estranho. Era como se ele estivesse ali comigo, me batendo no ombro e dizendo "tá vendo?". Ele sempre me considerou um caso perdido.

Você não estuda o personagem, mas como é seu processo com o roteiro?

O roteiro eu leio a exaustão. Quando você conhece tão bem suas falas elas saem mais naturais. E assim eu consigo identificar certas sutilezas do texto e trabalhá-las. Deixo as palavras me informarem tudo o que tenho que saber sobre o personagem. A partir daí simplesmente relaxo. Ao chegar no set estou num estado tão bom, conhecendo tão bem minhas linhas de diálogo, que coisas começam a acontecer... como improvisações.

Por exemplo, eu toco piano. E às vezes eu, por compulsão, toco rápido demais às vezes. E eu sempre tento me controlar. Uso o mesmo método que uso para atuar. Repito a mesma obra de Bach exaustivamente, até que meus dedos tenham uma memória muscular [Hopkins tamborila com os dedos enquanto explica]. E respiro, não me deixo levar por aquilo. Não é um concerto, afinal. É algo que o budismo me ensinou. A me acalmar. Relaxar. Respirar. Faço aquilo para meu próprio prazer. Relaxar os ombros, respirar. E com o tempo meu cérebro sabe exatamente o que fazer. É só eu não me colocar no caminho dele que tudo dá certo. Somos criaturas inteligentes, nós humanos. Não sei se é uma benção ou uma maldição, mas somos. Temos uma tendência a superanalisar as coisas. Somos obcecados por detalhes. A internet... vocês se preocupam demais. Quem se importa?

As coisas eram melhores então no tempo de Beowulf...

Eles cantavam. Contavam histórias. Não ficavam analisando o Grendel. Somos doentes por análises. Se você liga a TV e vê uma reportagem sobre uma praga de sardas em Chicago, não tarda até que o apresentador pergunte"quão preocupado você deve ficar? MUITO preocupado!" Que bela mensagem estamos passando o tempo todo para a sociedade. "Temos que ficar MUITO preocupados". "Vamos todos morrer na semana que vem". Quanta merda...

Leia tudo sobre o filme no ESPECIAL A Lenda de Beowulf