Eleito melhor filme do Festival do Rio de 2011 e, até hoje, inédito em circuito – numa demora encarada como um enigma indecifrável pela classe cinematográfica, frente a um trabalho estético de tamanhas qualidades -, A Hora e a Vez de Augusto Matraga, um épico com ecos de faroeste pilotado por Vinícius Coimbra, enfim tem data de estreia confirmada (e inadiável). No dia 24 de setembro, entra em cartaz em todo o país a produção de 2,7 milhões, adaptada da novela homônima integrante de Sagarana, coletânea publicada pelo mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967) em 1946.
Ocupado com o seu lançamento, Coimbra tem já um longa-metragem novo (baseado em Macbeth, de Shakespeare) para exibir: A Floresta Que Se Move, apresentado por ele no recém-encerrado Festival de Monteral, no Canadá. Mas o diretor divide seu tampo entre esta releitura shakespeariana e o esforço para dar a visibilidade merecida a seu Matraga, estrelado pelo baiano João Miguel, laureado com o troféu Redentor de melhor ator pelo papel no Rio, há quatro anos.
Com ritmo (e agilidade) de bangue-bangue hollywoodiano, sem abrir mão da dimensão trágica com a força poética inerente à prosa de Guimarães Rosa, este épico foi rodado em Diamantina (MG), em quatro semanas, com fotografia de Lula Carvalho, o mesmo de As Tartarugas Ninja (2014), da franquia Tropa de Elite e da série Narcos. Na trama, o protagonista (vivido por João Miguel) é um fazendeiro das Minas Gerais dos anos 1930, que, com ares de coronel, amealha uma legião de inimigos. Traído por sua própria família, ele cai em desgraça, é ferido quase até a morte e se reinventa como um beato fiel a Deus. Mas a chegada de um bando de jagunços liderado por Joãosinho Bem-Bem (José Wilker, numa atuação primorosa, que lhe rendeu o Redentor de melhor coadjuvante) vai despertar todos os demônios da alma de Matraga. Chico Anysio (1931-2012) e Irandhir Santos integram o elenco.
O longa de Coimbra traz um olhar sobre a prosa de Guimarães Rosa e seu personagem bem distinta da versão de timbres neorrealistas de A Hora e Vez de Augusto Matraga filmada por Roberto Santos (1928-1987) em 1965, com Leonardo Villar no papel central. Nesta entrevista ao Omelete, o cineasta nascido em Niterói (RJ), há 44 anos explica suas visão sobre esse antiherói sertanejo e fala de A Floresta Que Se Move, filmado com Gabriel Braga Nunes e Ana Paula Arósio, e escalado para concorrer na Première Brasil do Festival do Rio de 2015 (1 a 14 de outubro).
Visto (ou revisto) hoje por você, quatro anos após a vitória no Festival do Rio, o que Matraga traz de mais contundente em relação ao estudo do coronelismo sobre o mundo rural brasileiro? Quem é o seu Matraga e o quanto ele dialoga com a figura criada por Guimarães Rosa?
Acho que, de fato, existem vários Matragas. Cada um pode enxergar este personagem por um ponto de vista, por uma face com que mais se sensibiliza. Eu acho que investi menos no Matraga como fenômeno social. Procurei iluminar mais o homem fragmentado, conflituado que o personagem me mostrou. Ele é este homem com fendas emocionais, existenciais, que pode viver no sertão de Minas ou na cidade de São Paulo. Acho que tentei universalizar o Matraga, enxergar o ser humano dentro do coronel. E, de alguma forma, acho que esta era também a intenção do Guimarães Rosa.
Que fascínio a figura de Matraga na obra literária de Guimarães Rosa te exercia (e exerce) e como foi lidar com o experimentalismo de linguagem dele?
Eu acho que o Matraga é um personagem muito masculino, com dilemas que lidam com a honra, coragem, dever, com o peso do patriarcalismo. É um personagem que transita também pelos conflitos morais de um guerreiro, que se relaciona com a morte e com a religião. Como é matar alguém? Como é carregar esse ônus? Quanto à linguagem, o Guimarães Rosa só me ajudou. As melhores cenas do filme são aquelas em que eu mantive na íntegra seus diálogos.
A que você atribui a demora na estreia do filme? O que retardou tanto seu lançamento, de 2011 para cá?
A demora na estréia é resultado de inúmeros fatores, não de um só. Basicamente, foi por falta de verba. Ao mesmo tempo, eu não atribuo aos players do mercado a falta de investimento no filme. Estes estão conectados com as demandas do público e o público talvez não acredite, a priori, que saibamos fazer este tipo de filme. Eu acredito em Matraga, acho que quem resolver sair de casa, comprar o ingresso e sentar na sala de cinema vai ter uma grande surpresa, vai ver um filme dinâmico, esteticamente belo, poético, brasileiro e vai voltar para casa muito satisfeito. Mas o público brasileiro não confia muito que possamos fazer filmes de gênero. Ele acredita que sabemos fazer comédias. Essa conquista virá, mas ainda não chegou.
Qual a sua expectativa para a primeira exibição brasileira de A Floresta Que Se Move, no Festival do Rio? Como andam os ecos de Montreal?
Montreal recebeu muitíssimo bem as projeções, ambas com salas cheias, que aplaudiram bastante o filme. Um especialista em Shakespeare chegou a dizer que tinha sido a melhor adaptação que ele tinha visto. Não sei exatamente o que esperar no Festival do Rio (onde o longa disputará o troféu Redentor de melhor filme contra trabalhos novos de diretores do porte de Ruy Guerra, Sergio Machado e Marcos Jorge). Fiz este longa com a mesma intenção do Matraga, de mostrar que filmes com conteúdo artístico podem se comunicar com o grande público. Tomara que o público concorde comigo.