Queridinho entre nichos da música eletrônica e cultuado por cinéfilos por seus Irreversível (2002) e Enter the Void (2009), o diretor franco-argentino Gaspar Noé conseguiu abalar os nervos do 68° Festival de Cannes com o afrodisíaco Love, filme de sexo explícito que atraiu uma multidão embora não esteja na competição oficial.
Exibido na madrugada de quarta-feira e comentado pelo cineasta num debate com a imprensa na tarde desta quinta, o longa-metragem é - em resumo - uma colagem de sequências de sexo, sendo algumas delas isentas de qualquer pudor, testando limites ginecológicos. De cara, isso fez do projeto, orçado em € 2,5 milhões e coproduzido pela brasileira RT Features,um acontecimento no balneário, sendo classificado por alguns como o primeiro filme pornô da história de Cannes.
"Um dia desses, peguei um avião para uma viagem longa, e entre os filmes que os passageiros podiam ver estava Emmanuelle, um clássico do erotismo que, durante muito tempo, passava apenas em alguns cinemas por ser chamado de pornô. Naquele voo, ele estava ali, ao alcance de todos. O tempo muda as percepções absolutas. Que o tempo mostre que Love não é pornografia, mas sim um filme de amor", diz Noé ao Omelete.
Em Love, os dois personagens centrais têm nomes cheios de simbolismo: ele (vivido pelo americano Karl Glusman) é Murphy em referência à Lei de Murphy; ela (interpretada pelo modelo suiça Aomi Muyock, eleita informalmente a musa da Croisette em 2015, ao lado de Shu Qi, atriz de The Assassin) se chama Electra em referência à personagem da tragédia grega. Na casa dos 20 e poucos anos, Murphy (um cineasta em formação) e Electra (aspirante a artista plástica) transam de todas as formas possíveis, a dois, a três e em grupo. A voracidade de ambos no filme, que foi projetado em 3D, vem de uma suposta incapacidade de amar que assolaria as novas gerações.
"Eu não acredito em personagens bons ou maus. Acredito sim em situações boas e ruins que levam as pessoas a agir de formas distintas, inclusive no sexo", explicou o diretor, que concorreu à Palma de Ouro em 2009 com Enter the Void. "Não criei aqui figuras para serem gostadas. Eu queria provocar a identificação com o publico apenas pelas obsessões de cada um, sobretudo a de Murphy por cartazes de filmes como Taxi Driver."
Uma fila quilométrica se formou em Cannes para ver Love e o filme é um dos mais disputados no mercado de filmes da Croisette, que atende a distribuidores internacionais. "Toda a juventude cinéfila que se forma hoje anda presa na internet. E na web o sexo rola solto como pornografia", diz Noé. As pessoas podem ver filmes pornô no celular. Love é fruto dessa banalização e sai dela ao falar sobre o querer.
O Festival de Cannes 2015 termina neste domingo - acompanhe a nossa cobertura.