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Cultura Pop do Brasil | O horror de Rodrigo Aragão, Anima Mundi e Tartarugas Ninja 2

Coluna de Rodrigo Fonseca mistura notícias, entrevistas e curiosidades sobre o mundo pop brasileiro

10.06.2015, às 22H16.

Zumbis já não mexem mais com os nervos de Rodrigo Aragão, cineasta capixaba de 38 anos que assombrou mais de 30 festivais pelo mundo afora com Mangue Negro (2008), A noite do Chupacabras (2011) e Mar Negro (2013), que chega às telas americanas na próximas semanas após ter arrebanhado fãs em salas de cinema no México, na Alemanha e no Japão. Agora, fantasmas e diabinhos com feições de galinha são os novos fetiches criativos do diretor, que se prepara para escrever um novo – e, quiçá, definitivo (pelo exotismo) – tomo da história do terror no Brasil, ao tirar do papel seu novo longa-metragem: Mata Negra. A novidade: pela primeira vez, Aragão vai contar com verba de editais de fomento à produção cinematográfica brasileira. É um fato inédito para um realizador acostumado a filmar com baixíssimo orçamento, num esquema artesanal de filmagem com amigos do Perocão, no litoral do Espírito Santo, capaz de filmar, finalizar e lançar quatro longas com recursos estimados em R$ 700 mil e muita criatividade. Agora, com uma estrutura mais arrojada, ele pode amplificar seus conhecimentos sobre efeitos especiais para criar almas penadas num padrão para filme B de Hollywood nenhum botar defeito.

"Espírito é mais limpinho do que zumbi... e pode ser ainda mais assustador", disse Aragão, que concebeu Mata Negra como um projeto de R$ 1 milhão a ser rodado no Espírito Santo. "Minha meta é criar um universo a partir da percepção de um Brasil mágico, atemporal. A mística nacional é muito rica, mas pouquíssimo explorada pelo cinema, que ainda insiste em fórmulas que vem das referências do terror de Hollywood. Quero explorar as forças malignas da nossa cultura".

Em fase de captação, previsto para ser filmado em 2016, o filme acompanha os passos da albina Clara, jovem de 16 anos vivida pela filha do diretor, Carol Aragão. Ela herda do Albino (personagem de filmes anteriores de Rodrigo) o "Livro de São Cipriano", uma obra profana, temida pela Igreja. Ao mexer dos saberes de Cipriano, Clara, que foi criada por uma Preta Velha, acaba liberando seres sombrios, incluindo espectros de pessoas amaldiçoadas e um demônio da garrafa, cujo aspecto lembra uma ave. "As criaturas do folclore sobrenatural brasileiro foram infantilizadas pela literatura de Monteiro Lobato. Eu admiro Monteiro, mas ele mudou a visão que as pessoas tinham sobre seres místicos típicos de nosso país. Como monstrólogo que sou, meu objetivo é resgatar a roupagem mais assustadora de seres como o Caipora, o Corpo-Seco e o Velho do Saco”, diz Aragão, que desenvolve, em paralelo, duas sequências de seu filme mais recente: "Fábulas negras" (2015), rodado a oito mãos por ele, Joel Caetano, Petter Baiestorf e o mestre José Mojica Marins, o Zé do Caixão.     

Para o volume dois de suas "Fábulas...", Aragão promete ressuscitar uma lenda sobre licantropia (transformação de seres humanos em animais) 100% verde e amarela: a história da Pata. "Existe uma lenda de que numa família de seis crianças, todas mulheres, a sétima, se nascer homem, vai virar lobisomem. Mas existe um outro lado: numa família de seis meninos, o sétimo bebê, se nascer mulher, vai se transformar numa pata. Esta é a história que quer contar, mas de modo aterrorizante", diz o diretor que prepara uma graphic novel, com arte de Eduardo Cardenas, baseado em seu ambiente assombrado: "As fábulas da decomposição". "É a odisseia do Albino parar devolver a vida à mulher que ama, e que se encontra em um barril de banha". 

Sobre a tarefa de ser hoje um dos mais prolíficos diretores do Espírito Santo, o cineasta diz se tratar de uma missão de arrepiar os cabelos. "Filmei uma trilogia explorando a diversidade geográfica do meu estado, mostrando mangue, floresta e praia. Tenho muito orgulho de ser de onde venho, mas, em geral, o povo capixaba tem complexo de vira-lata. Quero mudar isso, pelo menos no cinema", ambiciona Aragão. "Da mesma maneira como os pernambucanos conseguiram construir uma cultura cinematográfica incrível, ao retratar, com orgulho, sua realidade, eu quero mostrar o que o Espírito Santo tem de melhor. Tenho fé no estado. Tenho fé no terror. É hora agora de levar adiante um terror brasileiro legítimo. ‘Mata Negra” está aí pra isso”.  

Anima Mundi à vista

Maior festival de animação da na América Latina, o Anima Mundi abre sua 23ª edição no dia 10 de julho no Rio (onde fica até o dia 15), com produções inéditas de alguns dos mais consagrados diretores do setor no país: “Giz", de César Cabral, "Castillo y el Armado" de Pedro Harres, e "Até a China", de Marão, que ganhou o prêmio de melhor curta no Cine PE, em maio.  O festival promove um Papo Animado com o Estúdio Birdo, dos animadores Luciana Eguti e Paulo Muppet,  responsáveis por criar e desenvolver as mascotes das Olimpíadas do Rio 2016. Também está previsto um debate com o mexicano Jorge Gutierrez, diretor do filme Festa no Céu (2014), o americano Steve Hickner, realizador de Bee Movie: A história de uma abelha (2007), e o francês Bastien Dubois, indicado ao Oscar em 2011 pelo curta Madagascar, carnet de Voyage. O Anima Mundi se muda para São Paulo de 17 a 22 de julho.    

Cowabunga! no Brasil

Fotografado pelo carioca Lula Carvalho, As Tartarugas Ninja 2 terá cenas filmadas no Brasil. Em julho, a equipe de segunda unidade (responsável por sequências de ação) do filme de Dave Green vai rodar cenas de um desastre aéreo em Foz do Iguaçu, sob a supervisão da produtora Tambellini Filmes, que rodou, no mesmo local, cenas de Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008). Lula segue como fotógrafo da produção, prevista para estrear em junho de 2016, com a modelo gaúcha Alessandra Ambrósio em seu elenco. 

Anistia nas telas

Diretora do premiado documentário Diário de uma busca (2010), Flávia Castro vai reconstruir um dos períodos de maior instabilidade política do país – os últimos anos da ditadura militar, a partir da anistia – na ficção Joana ou A memória é um músculo da imaginação, cuja filmagem começa no verão. Em janeiro, a cineasta põe a atriz Simone Spoladore (“Magnífica 70”) para interpretar a mãe da Joana do título. No enredo, a menina, que vive em Paris, precisa voltar ao Brasil, em 1979, e ver o que sobrou da dignidade nacional depois de uma década e meia sob o jugo da farda.  

Espinosa na TV

Respeitado como diretor fora do Brasil pela excelência na direção de Um homem bom (2008), com Viggo Mortensen, o carioca Vicente Amorim vai trabalhar com o cineasta José Henrique Fonseca (Heleno) numa adaptação para a TV, em forma de série, do romance policial “Uma janela para Copacabana”, de Luiz Alfredo Garcia-Roza. O escritor virou cult na literatura ao criar o delegado Espinosa, que será interpretado pelo ator Domingos Montagner. O projeto é para o GNT. A trama segue os passos de Espinosa para desvendar o mistério por trás do assassinato de dois policiais de segundo escalão, cuja morte pode estar ligado a um caso de corrupção.

CURTA ESSA:

“O tempo que leva” 

Em meio a discussões sobre a viabilidade ou não de filmes de gênero (ação, terror, mistério etc.) no cinema brasileiro, o curta-metragem nacional tem dialogado com cartilhas narrativas mais comuns ao povo de Hollywood do que a seus conterrâneos de Brasil, como é o caso da ficção científica. Um bom exemplo veio de Florianópolis (SC) falando, com sotaque manézinho, a língua do sci-fi: O tempo que leva (2013), de Cíntia Domit Bittar, que terá exibição neste domingo, às 23h30m, no Canal Brasil. Programa-se! Na trama, uma Floripa futurista entra em caos depois que os eletrodomésticos e parafernálias eletrônicas afins deixam de funcionar, prenunciando o fim do mundo. É nesse contexto de desolação que uma jovem, Jamila (Mayana Neiva), tentará consertar seu  ventilador (e entender a realidade ao seu redor). Lembra o cult Brazil – O filme (1985), de Terry Gilliam. Curta de gente grande.

*Com DNA luso-pop-suburbano carioca, Rodrigo Fonseca é crítico de cinema, roteirista e professor de história das narrativas audiovisuais, com dupla cidadania na Terra-Média de Tolkien, e nos rincões da Atlântida de Aquaman. Michel Gondry é o seu Godard e a pornochanchada, a sua alegria nas horas de solidão