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Entenda a Mitologia de American Horror Story

A temporada 1984 finalmente revelou parte de sua conexão com os anos anteriores, mas como funcionam as regras que envolvem os aspectos sobrenaturais da série?

22.10.2019, às 16H12.

A nona temporada de American Horror Story não começou misteriosa, mas escondia claramente um segredo, uma grande virada que se conectaria com a estrutura da série de alguns anos para cá. No episódio 5, "Red Dawn", o roteiro revelou essa conexão através da recuperação de algumas regras sobrenaturais estabelecidas lá no primeiro ano. O cenário da temporada é o sangrento Acampamento Redwood, onde uma série de crimes aconteceram em diferentes épocas. Não foi surpreendente, então, que parte da grande revelação tivesse a ver com como esses personagens mortos acabaram ficando presos na propriedade. 

Quando American Horror Story estreou, nove anos atrás, pegou todos os espectadores de surpresa ao criar uma base mitológica para sua dramaturgia que era bastante sólida. Ao falarmos de horror, geralmente isso se conecta principalmente a monstros, criaturas, choques visuais, distorções e alegorias. Uma das outras formas de elegantização do resultado final de AHS foi estabelecer para a narrativa essa mitologia; e é sobre ela que vamos falar a seguir.

Assombrados

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Nunca houve um nome oficial para a primeira temporada de AHS, um que aparecesse nos créditos, por exemplo. Mas, desde o começo a chamamos de Murder House porque era sobre isso que ela tratava: uma casa assombrada por espíritos das dezenas de pessoas mortas lá dentro. Esse é um clássico das histórias de terror, cercado de exemplos e que tem origens e diretrizes bastante confusas e misturadas. O que Ryan Murphy e Brad Falchuk fizeram foi pegar várias dessas referências, construir sua base e não se deixar seduzir pelo impulso de abordar outras milhões no decorrer dos episódios.

Historicamente, lugares onde mortes violentas ocorreram retém em seus interiores as energias de trauma que foram geradas por esses eventos. Stephen King escreveu várias histórias sobre isso, há dezenas de filmes sobre isso e também, se você acredita, exemplos reais. Os criadores de AHS escolheram alguns desses exemplos e os reuniram dentro da casa, dando a ela um histórico extremamente violento. A começar por sua construção, ligada a uma família em que um médico fazia centenas de abortos ilegais dentro da propriedade. Esse foi o começo de uma grande onda de tragédias que foi se tornando a identidade da casa. É aí, então, que como resultado desses eventos, chegamos ao segundo ponto dessa construção mitológica.

Ligação de Alma

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Tudo que envolve espiritismo tem a ver com carma, com conexões. O conceito de reencarnação parte especificamente da ideia de que tudo que você faz gera efeitos no seu processo de evolução. Consequentemente, como em tudo no campo da existência, as esferas negativas desse processo são parte consistente da construção da cultura dos fantasmas, demônios e aparições. Existe algo que alguns chamam de “ligação de alma” (soul-binding, em inglês) que é a conexão intensa entre um espírito e a circunstância de sua morte, o que pode envolver outra pessoa ou um lugar. São traumas muito grandes para um espírito que geram a ligação de alma. 

O que acontece é que – segundo a teoria – o trauma atrai uma entidade extradimensional ou desencarnada que está vibrando negativamente. Essa energia age como um entrave na evolução e na compreensão daquele espírito e ele fica impedido de evoluir energicamente, mesmo que seu corpo terreno continue envelhecendo. A energia dentro de lugares como a casa de American Horror Story é cem vezes mais poderosa do que a de um evento pessoal particular, como um abuso, por exemplo. Quando alguém morre dentro da casa, essas energias estão tão latentes que o espírito não tem a menor chance e é sugado por elas, atrofiado, impedido de continuar seu processo de evolução. Está feita a ligação e por isso ele não sai, já que ele é causa e alimento para que as energias continuem agindo.

Fantasmas

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Em tudo que diz respeito ao que a série propõe sobre mitologia, talvez o que mais intrigue e até incomode o público seja o fato dos espíritos da trama ganharem um corpo físico quando se materializam, podendo até mesmo transar se quiserem. Na série, os fantasmas, quando são conscientes, podem controlar aspectos da própria aparência. Por isso alguns personagens fantasmas mudam para versões mais chocantes ou disfarçam causas de morte de acordo com a conveniência. Eles têm essa escolha. Já fantasmas que não sabem que estão mortos geralmente só aparecem do mesmo jeito que estavam quando morreram.

Billie Dean Howard (Sarah Paulson) explicou algumas dessas regras nas temporadas 1 e 5, afirmando que os fantasmas não são afetados pelo tempo e pelas nossas leis físicas. A quantidade imensa de energia extradimensional presente na casa (e em outras propriedades com muita descarga traumática e violenta), pode, contudo, oferecer aos espíritos mais capacidade de concretizarem uma aparência terrena palpável. É isso que acontece na série e por isso eles conseguem tocar, transar e até reproduzir visualidades no próprio corpo, como sangue, vísceras e fluídos. Uma vez dotados dessas capacidades e sofrendo de uma intensa obsessão, acabam provocando mais mortes nos locais onde estão presos, fortalecendo progressivamente essa camada de força psíquica.

Halloween

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O último aspecto da mitologia defendida pela série tem a ver com o Halloween, única data em que os espíritos presos nesses locais hiper energizados podem sair. A festa do Halloween surgiu entre os Celtas, no Século V, A.C. Começou como uma tentativa de proteger as próprias casas de espíritos negativos, que os celtas acreditavam vagar livremente pela Terra na passagem entre o outono e o inverno (que correspondia exatamente aos dias 31 de outubro e 1 e 2 de novembro). Eles penduravam coisas assustadoras nas casas para tentarem intimidar os espíritos e com o passar dos anos a prática foi sendo adotada por outros povos. 

Na Idade Média a igreja católica tentou acabar com a tradição, dando aos dias 1 e 2 de novembro um caráter santificado. O dia 2 virou o Dia de Finados e o “dia de todos os santos” passou do dia 13 de maio para 1º de novembro, numa tentativa de cristianizar as festividades que correspondiam aos tais três dias de portal aberto. O dia 31 de outubro, contudo, foi ignorado pela igreja e passou a ser conhecido como “All Hallow’s Eve” (Véspera de Todos os Santos). Com o tempo, esse nome foi se encurtando e virou Halloween, um dia esquecido pela santificação do credo e instaurado como aquele único em que os espíritos ainda poderiam andar livremente pelo mundo. American Horror Story, então, deu a seus fantasmas essa mesma oportunidade.

1984

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A mitologia foi estabelecida na primeira temporada e a reencontramos em Hotel, já que fazia sentido recuperar a ideia para lidar com um edifício tomado de morte. Parte do conceito também foi explorado na temporada Roanoke e em Apocalypse. Agora, em 1984, o episódio 5 mostrou o processo que coloca o Acampamento Redwood nessa mesma lista de locais amaldiçoados. Considerando que ninguém viu os fantasmas da primeira onda de assassinatos, foram os crimes que estamos assistindo agora que fizeram o lugar alcançar o estágio necessário para se tornar um “ligador de almas”.

Depois de tantos anos acompanhando a série e lidando com essas regras, pode ser muito interessante acompanhar o processo de criação delas, o momento em que elas foram percebidas, catalogadas.