Hanna é “guerreira da geração-Z politizada”, diz criador da série

Créditos da imagem: Esmé Creed-Miles em cena da 3ª temporada de Hanna (Reprodução)

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Hanna é “guerreira da geração-Z politizada”, diz criador da série

Heroína, no entanto, “precisa mesmo é de uma terapia”, brinca Esmé Creed-Miles

Omelete
7 min de leitura
22.11.2021, às 06H00.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H47

David Farr ama Hanna, o filme de 2011 que conta a história de uma jovem (Saoirse Ronan) treinada desde o nascimento pelo pai (Eric Bana) para ser uma assassina impiedosa. Em entrevista ao Omelete, o roteirista define o trabalho do diretor Joe Wright em cima do seu script como vívido, ousado, e excitante”, e elogia a forma como ele colocou o foco narrativo na relação entre a personagem título e Marissa Wiegler (Cate Blanchett), agente governamental que a persegue pelo mundo durante a trama.

Ao mesmo tempo, o longa não era a história que Farr queria contar. Toda uma parte da trama, pela qual eu era fascinado, ficou de fora - a parte que mostrava de onde Hanna realmente veio, quem a criou, por que, e como ela foi parar naquela floresta do início”, conta, explicando porque acabou decidindo revisitar a trama em Hanna, série de TV do Amazon Prime Video, que lança sua terceira e última temporada no próximo dia 24 de novembro.

Tentei usar as vantagens do formato televisivo, que nos dá mais tempo de tela, para mostrar o amadurecimento dessa jovem mulher”, comenta Farr. “Ela começa na floresta, como uma garota, passa pela adolescência na segunda temporada, e finalmente alcança a vida adulta na terceira. [...] A minha grande alegria é que conseguimos contar a história completa nesses três anos, como planejamos, transformando Hanna nessa narrativa de três atos muito bonita”.

Hanna ou Greta?

Com seis episódios - dois a menos do que ambas as temporadas anteriores -, o último ato de Hanna também explicita as entrelinhas políticas e geracionais que sempre estiveram no coração da série. Conforme o programa governamental Utrax, que criou Hanna, revela a sua infame lista de alvos para assassinato, fica claro que eles são todos ativistas da geração-Z engajados em tópicos cruciais para o futuro do planeta, como aquecimento global e resistência ao autoritarismo.

Farr conta que os paralelos com a realidade são bastante intencionais: “Obviamente, me inspirei muito em Greta Thunberg, por exemplo. Há uma personagem nessa temporada que é diretamente baseada nela, no jeito que ela usa a sua juventude como arma, da melhor forma possível. Para mim, é esse elemento político que faz com que a terceira temporada tenha algo de diferente das outras. A própria Hanna surge, nesse contexto, como uma guerreira que luta em nome desses jovens”.

Dedicar-se tão integralmente a esse tipo de conflito, no entanto, não é fácil. Conforme tenta fechar a sua narrativa, a temporada encara de frente os impactos psicológicos que uma vida marcada por violência deixa em todos os seus personagens, particularmente a protagonista - em um momento de quebrar o coração, Hanna até admite que não saberia o que fazer com uma vida “normal”: “Tudo o que eu sei é lutar”.

Cena da 3ª temporada de Hanna (Reprodução)

Ela precisa de terapia, é disso que ela precisa”, brinca Esmé Creed-Miles, intérprete da heroína na série,ao Omelete. “As coisas que aprendemos e vivemos quando crianças se tornam parte do nosso DNA, e todos os padrões e patologias que seguimos enquanto adultos são ditados por isso. Para mudar a forma como interagimos com o mundo e as pessoas, é preciso muita introspecção, e muita ajuda externa também”.

Atriz e personagem compartilham uma disposição reflexiva, além de um olhar fugidio e nervoso que, em tela, fazem de Hanna uma protagonista hipnotizante. “Para mim, essa série representou ter muita responsabilidade muito cedo na minha vida. Isso foi um desafio, mas também me ensinou muita coisa”, diz Miles, que começou a gravar o projeto aos 18 anos. “Eu tinha uma comunidade de pessoas para a qual podia voltar todos os anos, e isso me deu uma boa fundação, uma boa direção, no meu próprio processo de amadurecimento”.

A ascensão de Hanna como esse avatar de um conflito geracional, aponta Farr, coincide com uma das demonstrações mais radicais dele na vida real: os protestos do lado de fora do COP26, em que líderes mundiais se reuniram para discutir o que fazer em relação ao aquecimento global. Ativistas, incluindo a própria Greta Thunberg, criticaram os compromissos assinados pelos países participantes como insuficientes diante da dimensão do problema.

Os cartazes de protesto basicamente diziam: ‘Nós não acreditamos em vocês’, ‘nós não confiamos em vocês’, ‘é a minha vida que está em risco, e não a sua’. Hoje em dia, existe uma cisão catastrófica entre as pessoas jovens e as pessoas mais velhas”, reflete o roteirista. “Os jovens não confiam nos mais velhos, e pedem mudanças radicais, enquanto os mais velhos se sentem aterrorizados pela forma como acham que os jovens podem votar ou agir. Hanna é uma tentativa consciente de abordar esse problema”.

Perguntas respondidas

Mireille Enos como Marissa em Hanna (Reprodução)

Além da história da protagonista, o terceiro ano de Hanna ainda precisa fechar os conflitos dos misteriosos personagens que gravitam ao redor dela e do programa Utrax. Entre eles, a versão televisiva de Marissa, vivida por Mireille Enos, que durante os três anos da série passou de algoz a aliada (ainda que inicialmente hesitante) de Hanna, mas continuou sendo uma figura de passado envolto em sombras - isto é, até agora.

Parte do que eu amava sobre a 1ª temporada é que tínhamos a Marissa agente, mas também a Marissa da vida doméstica. Era fascinante vê-la navegando essas duas coisas. Na 2ª temporada, isso se perdeu um pouco porque, na trama, ela precisava ficar focada no trabalho”, lembra Enos em conversa com o Omelete. “Voltar a isso agora, desvendar seu histórico e as coisas realmente complicadas da vida dela, foi muito excitante”.

O cuidado para não revelar demais na resposta é devido - nesta terceira temporada, os detalhes que descobrimos sobre o histórico de Marissa se conectam profundamente com a própria resolução do conflito dela e de Hanna contra o projeto Utrax. A atriz jura, inclusive, que ela mesma foi deixada no escuro até o último momento possível, assim como o colega de elenco Dermot Mulroney, que vive o impiedoso Carmichael, apresentado na 2ª temporada como o grande vilão por trás do projeto que deu vida a Hanna.

Dermot Mulroney como Carmichael em Hanna (Reprodução)

Eu também não sabia de nada!”, proclama o ator. “Na 3ª temporada, eles mostram o quadro maior do Utrax, e você percebe que Carmichael não é o chefão, que há pessoas acima dele. Se antes você achava que eu era o vilão nº 1, agora você percebe que estou sob o controle de alguém ainda maior, e minhas próprias criações estão vindo atrás de mim. É uma situação complicada, o que só faz com que ele seja mais violento, porque ativa o instinto de sobrevivência dele”.

Para Mulroney, levar essa mudança de perspectiva sobre o personagem para a tela foi o processo mais interessante da última temporada. “O que decidi antes das filmagens foi mostrar o menos possível em cena. Quando entra em modo de autoproteção, Carmichael se torna mais reservado, e revela menos ainda sobre si. No começo da 3ª temporada, é muito difícil ler o meu personagem, e isso é muito divertido para um ator, porque você vai experimentando as revelações junto com ele”, diz.

Essencialmente, os episódios finais de Hanna são, como o último ato de qualquer história de espião que se preze, sobre desembaraçar os fios complicados da identidade de seus agentes secretos. Nas palavras de Mulroney: “Amamos esse tipo de mistério em histórias como essas, e é sempre bom deixar o espectador em dúvida sobre quem está do lado de quem, mas quando chegamos à última temporada, temos que responder a essas perguntas. [...] As jornadas de Marissa e Carmichael se cruzam de forma profunda… Mas eu não quero entregar demais”.

Descanso merecido

Esmé Creed-Miles em cena de Hanna (Reprodução)

Hanna vive na mente de David Farr desde 2009, quando ele começou a trabalhar no primeiro rascunho do roteiro do longa-metragem. Nesses 12 anos, a personagem e seu universo se tornaram uma obsessão insistente para o escritor, mas também um espelho inesperado de sua própria vida.

Hanna foi um pedaço gigante da minha vida por muito tempo, e um pedaço muito bonito também. A coisa mais estranha para mim é que tenho duas filhas, então essa história meio que seguiu o amadurecimento delas”, conta, ao ser perguntado sobre a possibilidade de um spin-off no futuro dessa improvável franquia. “Daqui a um tempo, é difícil saber… Às vezes você volta a uma história, anos depois, e fica curioso para descobrir o que ela significa para você naquele momento”.

Para ser honesto, no entanto, antes preciso dar um tempo e fazer outra coisa. Chegamos em um momento em que talvez seja bom deixar Hanna descansar um pouco”, completa. A incansável guerreira que representa toda uma geração agradece - talvez até dê tempo de ela procurar uma terapia.

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