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Entrevista

Omelete Entrevista: Francis Lawrence, o diretor de Eu Sou a Lenda

Conversas incluíram o novo filme, Alice Braga, a indústria da música e até Tropa de Elite!

17.01.2008, às 00H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 13H00

Em 2005 participei de minha primeira junket internacional e tive a sorte de começar entrevistando Francis Lawrence, na época debutando como cineasta em Constantine. Três anos se passaram e o cineasta, agora com um sucesso descomunal nas mãos, Eu Sou a Lenda, continua tão atencioso e tranqüilo quanto em nosso primeiro encontro.

Desta vez o papo foi dividido em três momentos. Primeiro, numa mesa redonda ao lado de colegas jornalistas de revistas e jornais. Depois, numa entrevista individual exclusiva e, finalmente, numa caótica e rapidíssima, mas não menos atenciosa, conversa no tapete vermelho do filme, na entrada do cine Odeon no Rio de Janeiro. Ao todo foram quase 30 minutos, algo raríssimo de acontecer neste nosso meio, com o diretor - ao que só posso agradecer ao pessoal da Warner Bros. que foi extremamente solícito com o Omelete e nossos leitores. Confira abaixo todas as conversas, que incluíram o novo projeto, Alice Braga, Shrek, a indústria da música e até Tropa de Elite! Excluímos apenas as notícias sobre próximos projetos do cineasta, que você lerá numa artigo exclusivo à parte. Divirta-se!

eu sou a lenda

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Francis Lawrence

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Francis Lawrence

francis lawrence e will smith

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Lawrence no set com Will Smith

Esta é a terceira adaptação de Eu Sou a Lenda para o cinema. Por que você decidiu fazê-la?

É curioso, mas minha primeira experiência com a história foi através do roteiro. Não havia assistido aos filmes ou lido o livro. Tive acesso ao roteiro antes mesmo de dirigir Constantine. Pra mim a idéia era nova, a coisa toda da sobrevivência naquele ambiente... então li o romance e assisti ao filme de Vincent Price (Mortos que Matam) e o de Charlton Heston (A Última Esperança Sobre a Terra) e tive a certeza de que existem gerações que nunca tiveram qualquer contato com a história. Sem falar que a obra de Matheson tem idéias muito modernas, mesmo tendo sido feita na década de 1950: o tom, a sobrevivência urbana, a ameaça médica que transforma as pessoas... é tudo muito atual e interessante. Essas idéias sobreviveram a gerações.

Você não acha estranho que dois filmes tão diferentes como Mortos que matam (The Last Man on Earth, 1964) e A Última Esperança Sobre a Terra (The Omega Man, 1971) tenham sido feitos com apenas 5 anos de diferença? Agora já se passaram 37 anos... será que teremos outro Eu Sou a Lenda em mais 20, 30 anos?

Não sei porque eles fizeram os dois filmes tão próximos... mas são tão distintos... o de Vincent Price é o mais parecido com o romance. Mas eu jamais teria escolhido ele como Robert Neville. O ritmo daquele filme é uhhhhhhhh... e A Última Esperança Sobre a Terra é tão avant-era, tão setentista, parece um filme ruim de TV... o legal de fazer este filme agora, 37 anos depois, é a questão da tecnologia. Talvez tenhamos outro no futuro. A idéia transcende gerações. Desde pequeno você pensa em como seria viver numa cidade vazia, em tomar todo o sorvete do mundo...

E como foi fazer aquela cena gigantesca, a da ponte, logo no início do filme? É verdade que custou 5 milhões de dólares?

Foi uma trabalheira aquela evacuação de Nova York. Criamos o nosso próprio pier sob a ponte do Brooklyn, tínhamos milhares de figurantes, helicópteros, barcos, transportes militares, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Levamos cinco noites pra filmar. Era o final de janeiro, estava muito frio, coisa de 13º negativos. Só a preparação para aquela cena levou cerca de quatro meses. Foi uma das seqüências mais complexas de todo o filme. Quanto ao custo, não tenho a menor idéia. Ouvi falar 13 milhões de dólares, mas acho que é exagero.

Qual foi a maior dificuldade da produção?

As maiores dificuldades foram duas. A primeira é narrativa: como contar uma história quase toda com apenas um personagem e pouquíssimo diálogo. Isso foi um desafio empolgante para todos nós, especialmente para Will [Smith]. Mas foi muito bom para mim também, que tive que me concentrar no valor emocional de cada quadro e como contar uma história em silêncio. Acredito que o cinema é uma mídia visual, não uma mídia sobre pessoas conversando. Então isso foi muito divertido e pertinente.

O outro desafio foi rodar em Nova York, fechar as ruas da cidade. Nova York é sempre lotada, caótica, e bloquear as vias, segurar as pessoas, transformou cenas que em qualquer filme seriam facílimas de filmar, levariam 5 minutos, em um trabalho extremamente complexo. Filmávamos durante o dia todo... porque, se você analisar filmes como Extermínio, verá que eles têm "a" cena de cidade vazia. Uma só. E nosso filme tem cena depois de cena, depois de cena, depois de cena nas ruas... então não era uma questão de pegar duas manhãs bem cedo e filmar. Tínhamos diálogos nas ruas vazias, carros em alta velocidade, caçadas... assim filmamos basicamente nos fins de semana nos locais mais cheios, mas isso levou vários meses, pois era cenas demais. A cena em que Robert é capturado na frente da Estação Grand Central levou seis dias para ser concluida, por exemplo. Então tivemos que fechar aquele acesso à estação durante todo esse tempo.

Como vocês colocaram todos aqueles carros nas laterais das ruas vazias?

Usamos carros de figurantes. Normalmente os figurantes aparecem em cena, mas aqui foram contratados apenas para dirigirem seus carros até as ruas que queríamos e estacionar. Aí envelhecíamos eles e colocávamos mato, etc. Para as ruas lotadas de carros engavetados colocamos apenas as primeiras três ou quatro fileiras e as demais foram inseridas por computação gráfica.

Por que não filmar em estúdio?

Decidimos não filmar em estúdio porque perderia todo o realismo. Filmamos apenas uma cena em estúdio, que é a de Times Square. Filmar tudo lá deixaria tudo muito perfeito e soaria falso.

Há muitas explicações que não entraram no filme, mas que são subentendidas. Vocês filmaram algumas delas? O que teremos como extras no DVD?

Temos algumas cenas que não estarão no primeiro lançamento, mas no segundo. E teremos um final alternativo já no primeiro DVD. É muito diferente. O outro final é mais sobre uma idéia, não é tão satisfatório para o grande público. É mais filosófico enquanto este é mais emocionante. Mas o outro é muito interessante... eu e Akiva [Goldman] o criamos.

Também existem versões do final criadas por Mark Protosevich, não?

Mark escreveu 10 anos de versões do roteiro... temos uma caixa com 16 versões diferentes dele. Há finais em que Robert morre, outros em que ele vive, alguns em que ele descobre que as criaturas estão se multiplicando - ele vê bebês -, todos os tipos de finais possíveis.

No seu filme não há bebês-monstro, mas há amor. Depois da captura da fêmea, quando o macho alfa olha para Robert aquilo é puro ódio...

É sim. Isso é bastante explorado no final alternativo.

Falando em monstros, Alice Braga me disse que achou muito divertido atuar com pessoas vestidas como Teletubbies. Por que você quis fazer os monstros como personagens CGI e não com o uso de maquiagem ou prostéticos?

Por algumas razões. Originalmente tentamos usar maquiagem e atores. Contratamos coreógrafos de movimento, 40 atores e fizemos testes de maquiagem. Chegamos a filmar uma vez com eles. Mas era à noite na Praça Washington em Nova York e estava muito frio - o que não combina com 40 pessoas semi-nuas, correndo descalças e tentando parecer selvagens. O resultado é que as pessoas não conseguiram ficar tão exageradas quanto precisávamos, não conseguiram o abandono que necessitávamos. E aí percebi também que não sou um fã de maquiagem prostética. Ela parece de borracha, falsa e balançante. Outra coisa é que a tendência dessa técnica é aumentar as pessoas que a estão usando. Afinal você adiciona camadas - e o mais interessante na criação de criaturas como essa são justamente os espaços negativos. Geralmente contratamos pessoas muito magras para obter esse efeito, mas mesmo elas não chegam ao que eu queria. Assim decidimos manter as pessoas mas colocá-las em macacões de captura de movimentos - as "roupas de Teletubbie" que a Alice comentou. Assim mantivemos as performances, mas as deixamos confortáveis e as substituímos por criaturas por computação gráfica. Isso abriu as possibilidades criativas. Os maxilares deles podiam abrir exageradamente, eles podiam hiperventilar o tempo todo e a pele podia ser translúcida. Podíamos exagerar.

E como foi trabalhar com Alice?

Alice é ótima. Ela é uma atriz ótima e uma pessoa perfeita para o papel. Na trama, sua personagem representa a esperança e a fé. E o fato de ela ser brasileira só amplia a abrangência do problema da história, torna a infecção global e não um problema localizado. É ótimo trabalhar com ela. Ela é calorosa, bondosa, autêntica, bondosa e muito dedicada, afinal ela teve que perder algum peso, pois eles são sobreviventes e não há tanta comida. Ela fez dieta e manteve aquele peso por nove meses.

E aquela cena que mostra o Shrek, como foi pensada?

Não lembro de quem foi a idéia, mas estávamos eu, Akiva e Will sentados analisando tudo o que gostávamos do livro, dos roteiros de Protosevich e dos filmes anteriores quando pensamos em incluir aquela cena e alguém sugeriu que fosse o Shrek. A cena foi ganhando importância e serviu para emendar um flashback. E tem um significado importante também, já que fica implícito que aquele filme era da filha dele e dá uma idéia de tempo também, já que ele memorizou tudo. Eu adoro aquela cena.

São três anos de solidão, certo? É tempo suficiente para que a natureza avance daquela maneira?

Sem dúvida. Pesquisamos muito tudo isso. Há um estudo científico que fizeram para a revista Scientific American que chegou a esses resultados. Eles têm uma linha do tempo que vai de zero a um milhão de anos e conta o que aconteceria em Nova York sem humanos ao longo desse período. E estamos praticamente perfeitos na linha dos três anos. Aos cinco, os prédios começam a cair, sem manutenção. Ar condicionado e calefação não funciona, o metrô inunda, animais fogem do zoológico, começam a migrar...

Mudando um pouco de assunto, como você começou sua carreira dirigindo videoclipes, gostaria de ouvir sua opinião sobre o que está acontecendo com o mercado da música e as mudanças promovidas pelo Radiohead.

Eu ainda adoro fazer videoclipes, mas está muito difícil hoje. Quando eu estava no auge da minha carreira de diretor de clipes o mercado ainda estava muito bom, havia dinheiro pra investir em coisas legais. A indústria estava feliz. Mas mais ou menos na época de Constantine a indústria começou a sofrer mais com a Internet. E tudo começou a minguar. Assim, entre Constantine e Eu Sou a Lenda fiz muito poucos clipes, uns cinco. Gwen Stefani, Black Eyed Peas, Janet Jackson... dei alguma sorte pois são artistas que ainda têm algum dinheiro... mas está cada vez mais difícil.

Sobre o que o Radiohead está fazendo, acho que esse é o modelo de negócio que a indústria tem que investigar com carinho, pois mesmo eles tendo lançado o álbum pelo preço que as pessoas quiseram pagar, ainda assim foi o CD mais vendido na época de lançamento... É tudo uma questão de pensar de maneira criativa e deixar para trás os velhos modelos que não funcionam mais.

E isso se relaciona de alguma maneira com a indústria do cinema?

Ainda é complicado porque os filmes ainda são muito mais pesados. É mais difícil de baixar e muita gente não tem paciência pra ficar horas baixando um filme. Sem falar que a qualidade deixa muito a desejar - não que isso importe para algumas pessoas. Mas eu acho que vai levar uns 5 minutos pra isso mudar e espero que a indústria do cinema seja mais esperta, tenha mais cuidado e não termine como a de música.

Nós tivemos uma situação muito polêmica, com um filme nacional que vazou...

Ouvi falar a respeito, um filme brasileiro, Tropa de Elite. 11 milhões de pessoas o viram, certo?

Sim, mas curiosamente, agora algumas dessas pessoas querem pagar pelo filme e a produtora criou uma conta que manda o dinheiro para a caridade.

Isso é muito legal. É meio Radiohead. Essa é minha primeira vez aqui no Brasil e ontem mesmo alguém estava falando com um amigo pelo telefone e essa pessoa disse que já tinha visto Eu Sou a Lenda, que havia baixado o filme. Quando o problema é localizado, não é algo tão dramático para o nosso filme, que depende muito mais das bilheterias dos EUA e é exportado para o mundo todo, mas consigo imaginar o que a pirataria faz com filmes brasileiros, que dependem exclusivamente do mercado local e não conseguem distribuição externa. É complicado.

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