Fundação falha em construir personagens que justifiquem a sua escala épica

Créditos da imagem: Jared Harris em cena de Fundação (Reprodução)

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Fundação falha em construir personagens que justifiquem a sua escala épica

Adaptação da Apple TV+ para o clássico de Isaac Asimov não convence em primeiros episódios

Omelete
3 min de leitura
23.09.2021, às 12H00.
Atualizada em 31.08.2023, ÀS 12H19

Os dois primeiros episódios de Fundação, versão da Apple TV+ para um dos maiores clássicos da ficção científica literária, de Isaac Asimov, têm pouco mais de uma hora cada um - mas parecem ter bem mais do que isso. O curioso é que não deveria ser assim, especialmente levando-se em conta o mundo rico que Fundação tem para nos apresentar, e a quantidade de dinheiro absurda que a Apple muito obviamente investiu na feitura da série.

Os efeitos especiais do piloto impressionam em alguns momentos chave - o trajeto da protagonista, Dornick (Lou Llobel), até a metrópole subterrânea de Trantor é especialmente marcante -, mas o diálogo expositivo do roteiro de David S. Goyer e Josh Friedman se coloca no caminho, insistentemente, do puro deleite visual que o primeiro episódio de Fundação poderia ser em outras mãos.

Aliás, essa parece ser a sina do diretor Rupert Sanders, que assina “The Emperor’s Peace”. Em seus dois longas-metragens anteriores, Branca de Neve e o Caçador e Ghost in the Shell, ele também criou mundos estéticos deslumbrantes, construídos com o melhor da tecnologia hollywoodiana, a serviço de roteiros medíocres que deixaram o seu trabalho à deriva.

Quando Sanders sai de cena, no segundo capítulo (dando espaço a Andrew Bernstein na direção), os defeitos de Fundação como narrativa ficam ainda mais óbvios. Há uma inconsistência fundamental na forma como ela molda seus personagens nesse início de narrativa, levantando e abandonando conflitos internos de cada um deles como quem troca de roupa.

Lou Llobel em cena de Fundação (Reprodução)

Sobre Dornick, por exemplo: no primeiro capítulo, a conhecemos como uma pária em seu próprio mundo, cuja cultura anti-científica fez com que ela, uma prodígio da matemática, se sentisse terrivelmente solitária. Eventualmente, ela foge de lá, com o apoio dos pais, que ficam para trás, fazendo antes um grande sacrifício - retirar as marcas no rosto que caracterizam sua religião - para se encaixar melhor em sua nova casa.

É fascinante que esta mulher, de uma etnia considerada inferior na galáxia onde habita, e que superou tanta adversidade, seja a grande heroína de Fundação. Seria fascinante vê-la lidar com suas cicatrizes (literais e metafóricas) e usar o seu status de outsider para o benefício de sua jornada, ou para transformar o mundo à sua volta - mas a série não está particularmente interessada em mostrar isso, e a origem de Dornick é largamente esquecida no segundo capítulo.

Lee Pace em cena de Fundação (Reprodução)

Daí que se torna difícil investir totalmente em fios interessantes de narrativa, como a luta de Brother Dusk (Terrence Mann, na melhor atuação da série) contra a própria obsolescência; ou as misteriosas (e possivelmente traumáticas) origens da relação entre o messiânico Dr. Seldon (Jared Harris) e seu ajudante/filho adotivo Raych (Alfred Enoch). Fundação já deixou claro que os arcos emocionais em sua trama são meros acessórios para a história cósmica que quer contar.

O problema é que, por mais ideias elevadas e complexas que tenha para apresentar em um nível filosófico, a série da Apple TV+ se esquece da regra cardinal da ficção científica: sem bons personagens fundando essas ideias na realidade, nós (espectadores) não estamos nem aí para elas.

Fundação terá 10 episódios em sua primeira temporada, com lançamento às sextas-feiras pela Apple TV+.

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