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Artigo

Rudolph Dirks e <i>Os sobrinhos do capitão</i>

Rudolph Dirks e <i>Os sobrinhos do capitão</i>

15.04.2003, às 00H00.
Atualizada em 18.01.2017, ÀS 08H02

Histórias protagonizadas por garotos houve muitas na literatura em geral e nas histórias em quadrinhos em particular. Na primeira, grandes autores como Charles Dickens, Mark Twain, Ferenc Molnár, entre outros, são facilmente lembrados como grandes baluartes de narrativas em que garotos, normalmente de pouco privilegiadas condições sociais, situam-se no centro dos acontecimentos.

Nos quadrinhos, desde seu início como meio de comunicação de massa, as personagens infantis foram legião. A variedade de meninos, no entanto, sempre foi bastante diversificada. Em grande parte dos casos, são almas singelas e puras que se colocam como eternas vítimas perante as exigências de um mundo que não perdoa as limitações da inocência (como Charlie Brown) ou que se embrenham no mundo da aventura com tenacidade e garra superiores às de muitos adultos, buscando corrigir os malfeitos perpetrados pelas gerações anteriores às suas (como Terry, Cuto ou mesmo Tintin no início de suas aventuras).

Em geral, personagens como as acima assinaladas podem todas ser consideradas como meninos do bem. São garotos engraçadinhos e muitas vezes fascinantes. Mas não são, necessariamente, os mais interessantes dos quadrinhos. Sob muitos pontos de vista, essa primazia pertence àqueles meninos que fogem da visão estereotipada com a qual muitos autores buscaram rodear as crianças que idealizaram, delas fazendo verdadeiras travestis: no corpo e nas feições são crianças; mas, no fundo, reagem ao mundo e comportam-se como adultos em miniatura. Previsíveis e monótonos, muitas vezes. Modelares e inverossímeis, em muitas outras. Já não é o que acontece com o seu oposto, aqueles protagonistas que poderiam ser denominados como os meninos do mal...

A expressão, no caso, é apenas classificatória. Não chega a representar juízo de valores. Com ela, busca-se apenas categorizar todos aqueles meninos que, nos quadrinhos, foram criados sob o ponto de vista da oposição frontal ao mundo dos adultos e tudo o que estes representam. Eles existem, também, em grande número e variedade. No entanto, contrariamente aos bonzinhos, para os quais seria difícil encontrar uma fonte de inspiração única, no caso dos meninos maus é possível afirmar que todos eles buscaram sua inspiração na mesma fonte, aquela que pode ser considerada como a primeira produção a enquadrar - e a palavra aqui tem um duplo sentido... - os meninos da ficção como personagens que existem para trazer a balbúrdia ao mundo organizado dos mais velhos: os Katzenjammer Kids.

Diabretes na vanguarda dos quadrinhos

Este nome é hoje provavelmente irreconhecível para a maioria dos leitores de histórias em quadrinhos, mais familiarizada com título pelo qual, posteriormente, as personagens ficaram mundialmente conhecidas: Os sobrinhos do capitão (ou, no original, The captain and the kids). Essa mudança, porém, ocorreu bem mais tarde. Em seu início - e durante várias décadas -, foi sob a denominação germânica que eles surgiram nos jornais norte-americanos e em muitos periódicos estrangeiros. Isto se explicava por dois motivos: em primeiro lugar, por se destinarem às grandes massas de europeus que imigraram para a terra do Tio Sam, inclusive mantendo na fala das personagens um inglês em que o sotaque alemão era facilmente identificado, imitando o de seu público-leitor preferencial; em segundo, por se basearem em duas personagens muito populares na literatura infantil alemã do século 19, Max und Moritz (que, no Brasil, foram batizados como Juca e Chico pelo poeta Olavo Bilac), criação de Wilhelm Busch.

Quando surgiram, em 1897, originários da mente privilegiada de Rudolph Dirks, os Katzenjammer Kids buscavam ampliar os horizontes da ainda nascente indústria das comic strips, como ficaram conhecidas as histórias em quadrinhos publicadas em jornais.

Fazendo parte da vanguarda dos meios de comunicação de massa, as aventuras dos dois jovens endiabrados representaram, também, a incorporação, em termos regulares, daquele que é, talvez, o elemento mais característico da linguagem dos quadrinhos, o balão.

Nas histórias dos Katzenjammer Kids, a padronização dessa figura como elemento continente das falas e pensamentos das personagens tornou-se rapidamente uma constante, bem como constante também se tornou o ritmo alucinante das histórias, nas quais às gags cômicas sucediam-se momentos de intensa sensibilidade artística.

Rebelião infantil

Era um mundo fascinante para os leitores do final do século 19 e início do 20. De um lado, o pequeno universo em que habitavam os dois meninos foi, desde o seu início, despoticamente regido pela mãe de ambos, uma senhora gorda e enérgica, sempre pronta a lhes aplicar castigos físicos pelas faltas praticadas, a personificação mesma da matrona dominadora que viria a aparecer muitas outras vezes nos quadrinhos. De outro, frente à figura da mãe, os demais coadjuvantes adultos praticamente se eclipsavam: o Capitão (uma personagem indefinida, cuja relação de parentesco com os meninos jamais ficou suficientemente esclarecida); e o Inspetor, que inicialmente funcionava como uma espécie de mestre ou inspetor de ensino na escola das crianças e depois foi incorporado ao núcleo familiar como constante companheiro de comilanças e bebedeiras do Capitão.

No meio deles, pontificam os dois garotos, Hans e Fritz, em aberta rebelião contra todo tipo de autoridade e criando situações não apenas de embaraço como também de perigo físico para os adultos, sempre com um senso de humor ferino e cortante. São constantes os esquemas, por eles elaborados, para colocar os mais velhos em má situação, seja para obter alguma vantagem pessoal ou simplesmente como forma de se vingar de algum castigo recebido, muitas vezes injustamente.

Dois capitães e quatro sobrinhos

O sucesso das histórias dos Katzenjammer Kids logo gerou atritos com o grande magnata da imprensa jornalística norte-americana, Randolph Hearst.

Tendo sido originalmente publicado no periódico de Hearst, o New York Journal, Dirks abandonou-o em 1912, buscando maiores vantagens econômicas no New York World. Imediatamente, Hearst destacou outro desenhista para dar continuidade à tira, com o que Dirks não concordou. Seguiu-se uma disputa judicial, que, ao final, definiu o direito tanto de Hearst dar continuidade à tira Katzenjammer Kids com outro desenhista como o de Dirks para continuar à frente de sua obra, desde que não utilizasse o título original. Assim, os dois garotos terríveis prosseguiram com suas estripulias nos jornais da cadeia Hearst utilizando sua denominação tradicional, enquanto, sob a pena de seu autor original, faziam o mesmo no World, inicialmente adotando o título Hans and Fritz e, depois, adotando de forma definitiva a denominação The captain and the kids.

Na nova série de Dirks, as personagens permaneceram durante algum tempo com as mesmas características devastadoras de comportamento que as haviam consagrado junto ao público, mas, aos poucos, tornaram-se um pouco mais sociáveis, atrevendo-se, inclusive, a incursões por temáticas de ficção científica. Enquanto isso, nos jornais de Hearst, Hans e Fritz passaram, a partir de 1914, a ser desenhados por Harold Knerr, que não apenas manteve o mesmo ritmo e graça da obra de Dirks, mas, sob muitos aspectos, trouxe notáveis aprimoramentos à série, fazendo-a atingir um nível superior ao de autor original.

Knerr foi o responsável pela introdução de várias personagens no universo dos dois garotos, como a professora Miss Twiddle, seu filho Rollo, e a pedante e pretenciosa Lena, que rapidamente se transformaram nos alvos preferenciais das artimanhas de Hans e Fritz.

Recorde de longevidade

Rudolph Dirks, nascido na Alemanha em 1877, emigrou para os Estados Unidos em 1884. Dez anos depois de chegar ao país, já estava publicando seus primeiros desenhos nos periódicos ilustrados da época, em seguida passando a colaborar nas revistas Judge e Life.

Logo após sua entrada no New York Journal, lançou a série dos Katzenjammer Kids, sua grande obra nos quadrinhos, à frente da qual permaneceu por mais de cinqüenta anos, aposentando-se em 1958 (ainda que tenha se visto forçado, durante parte deste tempo, a elaborar suas histórias sob um título diferente daquele que tinha idealizado...). Foi sucedido por seu filho John Dirks.

Por seu uso sistemático dos elementos dos quadrinhos, colaborando para que estes se firmassem como uma linguagem própria, seu nome será sempre lembrado entre os grandes baluartes da nona Arte. Suas personagens detêm o recorde de maior longevidade de publicação em quadrinhos, tendo sido publicadas em jornais, álbuns e revistas regulares, bem como tendo sido transpostas para animação, teatro e livros ilustrados. Em mais de um século de publicação ininterrupta, foram ilustradas por vários artistas diferentes, como Oscar Hitt, Doc Winner, Joe Musial e Mike Senich. Atualmente são ilustradas por Hy Eisman, para o King Features Syndicate.

Rudolph Dirks faleceu em 1968.

 

Leituras recomendadas

COMA, Javier. The katzenjammer Kids. In: --------. Del gato Felix al gato Fritz: historia de los comics. Barcelona : Gustavo Gili, 1979. p. 21-28.

GAUMER, Patrick; MOLITERNI, Claude. Katzenjammer Kids. In: --------. Dictionnaire mondial de la bande dessinée. Paris : Larousse, c1997.

GOULART, Ron. Rudolph Dirks (1877-1968) In: --------. America’s great comic-strip artists: from the Yellow Kid to Peanuts. New York : Stewart, Tabori & Chang, 1997. p. 41-57.

THE KATZENJAMMER KIDS. http://www.geocities.com/~jimlowe/katzies/katzdex.html

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