Leia a primeira parte desta série aqui.
Existem inúmeras formas de se argumentar o óbvio: que os quadrinhos são uma forma legítima de arte. Mas até mesmo argumentações como as apresentadas na primeira parte deste texto não deixam de chover no molhado. A situação em si continua a mesma: quem gosta reconhece o valor, quem não lê continua ignorando os fatos. Esse é um problema do senso comum.
Tal senso dita que quadrinhos são leitura de crianças. Que os desenhos ajudam a entender mais facilmente a história...Enfim, algumas pessoas até aceitam a idéia de que as HQs abrem caminho no interesse pela leitura. É fato que realmente são apresentados a muitas crianças como uma primeira forma de leitura. Eles usam, sim, do desenho como facilitador, embora não como um simples complemento. Mas por que se encaram os quadrinhos como uma leitura restrita a apenas uma etapa no desenvolvimento intelectual das pessoas&qt;& Algo que deve ser superado&qt;& Deixado para trás&qt;&
Ora, se fossem mesmo restritos ao publico infantil, certamente não haveria a tamanha variedade de formas, temáticas e conteúdos em que as HQs se ramificaram. Elas apenas cumpririam uma função específica e permaneceriam imutáveis. Talvez até mesmo desaparecendo. Além do mais, essa teimosa associação ao universo infantil tornou-se um preconceito mais que arraigado em nossa cultura. E não é todo mundo que tem coragem de admitir que aprecia uma leitura infantil. Seria o mesmo que passar por imaturo diante de todos. Uma humilhação que ajuda a afastar as pessoas dos quadrinhos.
Talvez o problema esteja até mesmo na própria denominação dessa forma de arte. Nos EUA, são conhecidos como Comics, literalmente cômicos em bom português. Isso já restringe os quadrinhos ao humor e ao escapismo. De cara, a palavra já descarta gêneros como o terror, o suspense ou qualquer outro que se valha de temáticas mais sérias. Até mesmo o nosso termo Quadrinhos, já é um diminutivo. Associando imediatamente a idéia de coisas fofas, bonitinhas, inocentes... Mesmo o apelido Gibi, vem de uma expressão que quer dizer moleque. Enfim, talvez a raiz do problema venha mesmo do nome... Mas não basta usarmos termos mais pomposos como Nona Arte (Já a chamaram de oitava. Quem passou à frente&qt;&) ou mesmo Arte Seqüencial para denominá-la. Afinal é mais de um século de equívocos que os quadrinhos carregam nas costas. E para todos, quadrinhos sempre serão quadrinhos.
Alguns educadores não gostam de quadrinhos por acharem que o desenho simplificado e as cores primárias são na verdade estereótipos danosos à formação de seus alunos. Por outro lado, muitos ainda os usam para fazer bolinhas de papel para colar em cartolina ou mesmo bandeirinhas de São João. O que não são boas maneiras de fugir ao fantasma do estereótipo. Mas esse exemplo só reflete a hipocrisia da questão.
O estereótipo é criticado por criar uma visão simplificada e homogênea do mundo e dos elementos que o compõe. Desenhar toda personagem negra com um beiço gigantesco, tal qual uma boca de palhaço é um estereótipo. É uma visão massificada e vendida como regra. Como se toda a população negra fosse igual. Como se todo alemão se vestisse em roupas típicas da Oktoberfest ou todo chinês usasse chapeuzinho triangular. Como se no Brasil fosse carnaval o ano todo... Exemplos não faltam. E realmente o estereótipo é perigoso, pois vem associado a uma enorme carga de conceitos ralos e pré-estabelecidos. Ou seja: preconceitos. E eles estão intimamente ligados ao já citado senso comum.. Infelizmente é necessário admitir que muitas HQs se valem desses elementos. O que não deixa de ser um bom critério quando o assunto é definir o que é ou não uma boa HQ.
Mas quem disse que todos os quadrinhos são estereotipados&qt;& A linguagem dos desenhos das HQs é a linguagem dos ícones. O ícone é uma forma de abstração da imagem que tem como objeto a comunicação clara, objetiva, direta e, principalmente, universal. Graças a ícones os homens não entram no banheiro feminino por engano e vice-versa. Só para citar um exemplo corriqueiro de sua utilização.
Mas as placas de porta de banheiros públicos são extremamente frias e objetivas. O ícone de que os quadrinhos se valem tem a intenção de comunicar muito mais do que uma simples idéia. Eles buscam exprimir sensações, intenções e sentimentos. Tudo através do traço. Um traço sujo ou tremido que dá a idéia de medo, apreensão... Um traço direto e rápido, que dá a idéia de intensidade e movimento... As proporções do rosto alteradas no mangá, que remetem às de uma criança, buscando a identificação com o leitor...
Todos esses artifícios são como uma espécie de vocabulário. No qual cada artista acrescenta novos vocábulos à sua própria maneira, caracterizando uma linguagem dinâmica e em constante desenvolvimento. A linguagem típica dos quadrinhos.
Por mais que haja a produção em série de HQs, como no caso dos infantis, mangás ou mesmo super-heróis - nos quais seguem-se certas normas e cânones comuns aos gêneros, ainda assim é possível notar a individualidade de cada artista se sobressaindo às regras de mercado. Determinado artista extrapola este ou aquele elemento de maneira que outros não o fazem e a assim os quadrinhos, mesmo nesses casos continuam sua expansão.
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