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HQ: Seis mãos bobas

HQ: Seis mãos bobas

04.05.2006, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H20
Seis mãos bobas

ANGELI, LAERTE, GLAUCO
Devir Livraria
5 ovos!

Sentados no centro de um picadeiro, um ao lado do outro, estão Angeli, Glauco e Laerte. A ocasião é a do lançamento do livro Seis Mãos Bobas, obra que reune, ao todo, 17 histórias e cartuns criados pelos três camaradas em parcerias dos anos 80. Foram publicadas originalmente nas revistas Chiclete com Banana e Geraldão, por sua vez editadas pela extinta Circo Editorial.

A contribuição da trinca de amigos ao cartum e ao meio cultural brasileiro é de latente importância, individualmente. Juntos, registraram uma produção estupenda, ácida, inventiva, dona de humor e veia crítica apurada, que se eleva diante da unicidade atingida por eles. Equação química do mais puro viés, dessas que só a mais cristalina fatalidade do destino é capaz de explicar. Com o perdão do clichê, aconteceu com Lennon e McCartney, aconteceu com os Stones, aconteceu com os criadores de Los Três Amigos. Opostos que se entrelaçam e se completam.

Foi a revista Balão, uma iniciativa não muito bem-sucedida de alunos da USP (foram lançadas apenas dez edições), a responsável por revelar, entre outros, esses três sujeitos hoje consagrados. Mais tarde, já na Circo Editorial, Angeli, Glauco e Laerte deram cara ao quadrinho underground brasileiro durante a década de 80. Underground, na época, significava mais do que simples nomenclatura para a arte que atingia uma parcela ínfima da cena cultural. O termo servia para rotular tudo aquilo que ia na contramão do que vinha sendo feito até então, e que, de certa forma, incomodava a muitos.

Na semana passada, no lançamento da compilação, rodeado por uma fila de pessoas que esperavam mais de duas horas em pé para colher uma dedicatória, Angeli disse a este repórter: Quando um pai ou professor tirava das mãos de um jovem uma ‘Chiclete com Banana’, então era porque meu objetivo tinha sido alcançado.

Angeli começou a editar a Chiclete em 1985; dois anos mais tarde, Glauco surgiu com Geraldão; Laerte colaborava com ambos os títulos até criar a Piratas do Tietê em 1990. Tudo aconteceu em meio à tensão do primeiro governo pós-ditadura - José Sarney tomava as rédeas do Estado e a repressão militar já começava a diluir-se. Entretanto, a censura ainda existia e o moralismo pregado pelos religiosos cerceava muito da criação artística no país. Mas alguém tinha que dar o primeiro passo, e os autores em questão fizeram parte do núcleo de jornalistas, músicos, escritores e artistas que deram a cara para bater. Sexo, deboche, ironias, críticas ao governo e palavrões ganhavam páginas e páginas das revistas.

Bobagens

Todas as histórias clássicas, que se impregnaram no imaginário de quem colecionava as revistas, estão ali. Uma folheada aleatória já revela passagens que ecoam na memória. Para quem não acompanhou de perto nem mesmo as reedições da Chiclete nos anos 90, o livro é uma excelente introdução ao trabalho dos cartunistas.

Logo de início, somos recebidos com a famosa Who’s that Landão?. Nas gibitecas da cidade, todo mundo ficava se perguntando quem era o tal personagem que nunca se revelava. Era simples fruto da imaginação fértil de seus criadores, ou a figura intrigante realmente existia? Mais de uma década depois, a resposta: Landão era um cara que, segundo Glauco, morava ali na região da Barão de Limeira, num prédio próximo à redação da Folha de S. Paulo. Depois do fechamento da Ilustrada, a trupe encerrava o expediente num boteco próximo, e, no caminho, faziam brincadeiras de todo tipo sobre essa figura ilustre do Centro, que vivia recluso e nem mesmo abria a janela de seu apartamento. Landão foi eternizado nesse esquete que se tornou um clássico, quase virou filme de Artur Fontes, da Conspiração Filmes, e que teve argumento encenado num teatro em Ouro Preto.

Paranóias sexuais e de auto-afirmação foram muito exploradas por eles. Em Swing, surge uma redundante troca de casais que desemboca no inevitável trauma. Deu a Louca no Dirceu, narra a história de dois casais de amigos em que as mulheres se pegam sem culpa e os maridos dão um breque em cima da hora. Tem também aquela do machão que morre atropelado vestindo a calcinha da mulher porque não achou uma cueca limpa e acaba virando a vergonha da comunidade. Já a ótima O Garoto da Capa, mostra o cara que perde a chance de um ménage com Malu Mader e Luma de Oliveira no desespero em registrar o momento para mostrar aos amigos.

Outro tema recorrente é a crítica social, que, na obra, foge brilhantemente do discurso panfletário, sem fatalismos nem pregações. É muito mais um cáustico recorte do jeitinho brasileiro de se fazer política e dos traços bovinos de um povo que acha que esta se encerra na delegação de funções. Da reunião do Conselho de Censura, faz explodir o descontentamento que havia sido engolido durante os pesados anos da ditadura. Embora a censura estivesse com seus dias contados, resquícios da opressão ainda ecoavam no meio cultural. A resposta de Glauco e Laerte às revoadas da tesoura dilata-se na desconstrução aguda das figuras religiosas e militares que a defendiam.

A série História do Brasil, também assinada pela dupla, aparece no livro representada pelos dois primeiros capítulos: O Descobrimento e A Catequese. Essas duas passagens assinalam, de forma irônica e contundente, uma abjeta caricatura de nossas origens, que se faz ver claramente nos dias de hoje. É rir para não chorar, como diz o ditado.

O conjunto, mesmo diante das diferenças de estilo e abordagem de Angeli, Glauco e Laerte, é absolutamente harmônico, indicativo da insólita química que há entre eles. Interessante notar como os traços longilíneos de Laerte casam-se perfeitamente à eloqüência e ao sombreado de Angeli. E como a pegada precisa de Glauco oferece cenário licencioso para que dali brotem as mais capsulares crônicas acerca das bobagens humanas.

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