Com sete capítulos que não passam - nenhum deles - de 50 minutos de duração (com créditos incluídos!), Sem Piedade vai se provar trabalho rápido para o público mais experiente em k-dramas… mas isso, eu ouso dizer, faz parte do grande plano da Netflix. Enquanto a maioria das produções televisivas sul-coreanas se estende por 12, 16 ou 20 capítulos de mais de 1h de duração, lançados aos pares em uma agenda semanal, a plataforma de streaming provou o gostinho de um grande sucesso inesperado com Classe dos Heróis Fracos, um k-drama de ação servido em porções modestas, mas disponibilizado no catálogo da plataforma todo de uma vez.
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As duas temporadas da série (uma comprada pela Netflix para distribuição no Brasil, e a outra produzida pelo próprio serviço) ganharam elogios por abordar temas pesados sem recorrer ao teatro protelado que caracteriza (para o bem e para o mal) muitas produções sul-coreanas. Sem Piedade segue o mesmo molde, como fica claro com o seu primeiro capítulo brutalmente eficiente - em menos de 40 minutos, ele nos apresenta os irmãos Gi-jun (So Ji-sub) e Gi-seok (Lee Jun-hyuk), desenha a hierarquia do mundo mafioso em que eles caminham, explica os motivos pelos quais Gi-seok pode ter sido caçado e assassinado pelos próprios chefes, e coloca Gi-jun no caminho de uma vingança violenta.
Diante desse mandado de manter as engrenagens girando em um formato mais econômico, o diretor Choi Sung-eun (Little Sister) mostra-se singularmente interessado nas imagens que caracterizam as histórias de máfia. A melhor cena do primeiro episódio de Sem Piedade é o funeral de Gi-seok, em que uma multidão de rapazes e senhores engravatados se aglomeram em torno da foto memorial e das coroas de flores da cerimônia - todos eles parecem se vestir e pentear os cabelos do mesmo jeito, e há também algo de ritualístico em seus movimentos, sempre realizados em conjunto, que os transformam em uma massa indistinguível na qual Gi-jun se enfia com toda a naturalidade de um peixe fora d’água.
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É uma maneira esperta, de certa forma até bem-humorada, de traduzir para o visual uma minúcia da trama para a qual o roteiro de Kim Kyun-tae (Cheburashka) presta pouca atenção. Gi-jun, afinal, não pertence mais ao mundo em que precisa se infiltrar para efetuar sua vingança - anos antes do começo da série, ele fez alguma besteira homérica no trabalho e foi sumariamente expulso do negócio pelos chefes das duas famílias mafiosas mais poderosas do país, com um tendão de Aquiles despedaçado e um mandado de “viver como se não existisse de verdade”. Daí que caia tão bem a performance sisuda, caladona e internalizada de So Ji-sub, um astro da primeira prateleira na Coreia do Sul desde meados dos anos 2000 (vide k-dramas clássicos como Me Desculpe, Eu Amo Você e Caim e Abel).
Como o seu personagem e a série em que ele está inserido, Ji-sub parece ir direto na jugular, e conquistar o público pela própria virtude de não enrolá-lo muito. A história de vingança é soletrada sem muita demora, Sem Piedade se limita a pincelar os poucos mistérios que permanecem em sua linha do tempo - até para nos empurrar na direção do botão do play para o próximo episódio -, e as cenas de ação são competentes de uma forma que será bastante familiar para os fãs de entretenimento asiático. Uma coisa é certa: as maratonas vão rolar soltas no fim de semana, e não vai dar nem para culpar quem for absorvido por essa nova toca de coelho da Netflix.
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