O corpo nunca deixou de ser elemento crucial na música pop. Pode até ser que os tempos de estrelas pop de jeans cintura baixa e graxa espalhada pelo corpo tenham ficado para trás, mas as popstars da atualidade ainda jogam com o corpo como parte de sua arte: Billie Eilish fez de esconder e - eventualmente - expor o seu corpo momentos cruciais de sua existência como persona artística; Lady Gaga usou o corpo para incomodar e desafiar ideias do mainstream com próteses, bengalas, extensões e fluidos.
O pop ainda é corpóreo, enfim. Mas o corpo também é político, e - se colocado em determinados contextos - por isso mesmo controverso, então o escondemos por trás da pretensão de que ele não existe, ou vale menos do que a subjetividade do artista. Balela, é claro. Corpo molda cabeça, cabeça molda corpo. E voz, e coração, e garra, enfim. Por isso talvez seja tão fascinante assistir à turnê Stay Awake, do astro do k-pop WONHO, que fez uma parada em São Paulo (SP) na noite de hoje (15), em evento promovido pela Kin Stage.
A turnê em questão é, ou ao menos foi apresentada aqui, um empreendimento elemental: WONHO, 4 dançarinos, 3 figurinos, 1 telão. Nada de banda, nada de plataformas no palco. Luzes, sim, multicoloridas e dançando ao redor do artista para emoldurá-lo em poses estilosas e ditar o clima do momento. Azul e branco leves para canções de verão descompromissadas como "Blue" e a nova "Better Than Me"; vermelhos e roxos profundos para os sensuais números de pista de dança, levados por sintetizadores graves, como "Eye on You" e "Devil".
Inclusive, falemos de "Devil". De melodia arrastada e entrega vocal rouca, a canção é o momento em que a tara de WONHO como artista fica mais clara durante o show. E a tara dele está no corpo - não tão diferente da tara das fãs, que gritavam alto a cada revelação de abdômen bem definido ou sugestão sexual da coreografia. Desavergonhadamente exibicionista, WONHO está no palco (e ele repete, em vídeos pré-gravados que tocam nos intervalos do show, que "o palco é seu grande objetivo") para dar dar vida corpórea àquelas canções.
Em certa medida, é claro, o k-pop sempre foi sobre corpos sob olhares. Olhares objetificadores, olhares adoradores, olhares controladores. A eterna gangorra de ser uma marionete dos caprichos do público e tomar iniciativa sobre a corporeidade da arte curiosamente atlética que você faz. Daí as câmeras enviesadas que se aproximam dos artistas nos MVs, a simbologia brusca das coreografias que tantas vezes se aproximam da convulsão de um boneco puxado de um lado para o outro por fios invisíveis. Corpos, o que eles nos fazem sentir, o que eles significam.
Porque é claro que WONHO fica fabuloso quando iluminado de costas, silhueta contornada em luz prateada, no breve silêncio pré refrão de "Lose". Mas essa beleza também significa - atração, aspiração, idealização. O que somos, o que queremos, o que podemos e o que desejamos. Tudo que há de oblíquo e que cabe ao pop, em seu caráter insinuante de arte das entrelinhas, expressar tão bem. Reduzindo sua arte ao mínimo necessário para se fazê-la, parece que WONHO nos lembrou do que importa nela.
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