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Nick Cave faz exorcismo rock n’ roll com show em forma de culto

Vocalista se diverte com fãs e faz jus à relação íntima com a cidade

15.10.2018, às 00H28.
Atualizada em 15.10.2018, ÀS 00H47

Nick Cave retornou à São Paulo em 2018 quase 30 anos depois de sua residência na cidade, em um show que encerra a turnê latino-americana do último álbum, Skeleton Tree. Com reputação de entregar uma catarse emocional aos fãs, Cave não fez por menos em São Paulo, e apresentou um show que fluiu perfeitamente, e funcionou como um exorcismo rock n’ roll.

Instagram/Reprodução

Os fãs que aguardavam pela chegada do australiano se aglomeravam ao redor do palco do Espaço das Américas, sabendo que o vocalista costuma passear pela plateia e interagir com os que guardaram lugares próximos à grade. Quando a banda subiu ao palco, e a figura de Cave surgiu, seguidores se apertaram mais ainda, e a apresentação começou com "Jesus Alone", do álbum da turnê. Não demorou nem duas músicas e Cave já estava agarrado pelas mãos dos fãs da grade em “Magneto”,”, e logo depois fez fãs sentirem seu coração em “Higgs Boson Blues”. O mais impressionante de Cave é sua capacidade de reger tanto público quanto banda; a (excepcional) equipe de músicos parece acompanhar seus movimentos a todo momento, e não demora para que Cave demonstre seu poder messiânico na apresentação.

Cave é a estrela do show, do começo ao fim, mas são os Bad Seeds que tornam o espetáculo tão grandioso, com uma bateria monstruosa e uma percussão impecável, que constroem todo o peso de canções como “Tupelo” e “Jubilee Street”. À frente de todos, e o único a roubar o holofote de Cave de vez em quando, é Ellis Warren, parceiro de composições do músico, que faz malabarismos com o violino, além de tocar guitarra, flauta, e ajudar nos vocais. Não é à toa que, quando apresentado por Cave, Ellis recebeu um coro da plateia que gritava seu nome.

Cave sobe ao piano e desce para a grade diversas vezes, toca novamente, volta aos fãs, passeia, e dança de um lado para o outro, liderando os olhares e se mantendo o foco de uma apresentação muito bem construída. O show começa complexo, com “Jesus Alone” e “Magneto” e vai ganhando densidade aos poucos, com “From Her To Eternity” até “Red Right Hand”, quando o palco inteiro escurece e só se vê Cave iluminado com um foco vermelho. Passados os trechos explosivos, o setlist emenda uma série de músicas melancólicas e emocionantes, iniciadas por “The Ship Song”. “Esta próxima música é uma reza para o Brasil”, disse Cave, introduzindo “Into My Arms”. A canção, a mais emocionante do show, rendeu um coro bem bonito, e a plateia tomou conta dos vocais e encerrou a faixa sozinha.

Mas é o trecho final do show que rende como um exorcismo. Depois de “Shoot Me Down” e “The Girl In Amber”, Cave se mostra humano e pede desculpas por estar enferrujado no português. O set melancólico, então, é quebrado por uma tempestade em “Tupelo”, e a partir daí, Cave não sai mais da plateia. Ele deita em cima de fãs e conecta com cada um com faixas mais rock n’ roll como “Jubilee Street” e “The Weeping Song”. A sequência é interrompida por um momento de conversa, quando Cave vai quase ao meio do público falando sobre sua moradia em São Paulo e seu amor pela cidade: “Esta cidade é excepcional. Este país é excepcional, e nós precisamos rezar por ele”, e a frase foi rapidamente interpretada pelo público que vibrou com coros de “Ele não”. Respondendo aos fãs, Cave foi tímido e só soltou um breve “ele não” no microfone antes de voltar ao palco, mas desta vez, acompanhado de dezenas de fãs, que ficaram com a banda até o fim da apresentação, com a bombástica “Stagger Lee” e um fim digno de culto com “Push The Sky Away”.

Antes de ir embora de vez, Cave volta rapidamente para um bis tradicional, mas com um extra dedicado a São Paulo. Depois de “City Of Refugee”, o vocalista começou um discurso: “eu escrevi muitas músicas quando eu morava aqui”, e um fã gritou “Mercy Seat”. “Não, essa não. Mas vocês querem ouvir essa?”. Com um aceno claro da plateia, Cave tocou um último exorcismo, que fez o Espaço das Américas tremer e depois retomou a ideia: “Agora, essa eu escrevi em uma pequena casa da Vila Madalena”. Marcando a primeira apresentação desde junho de 2017, Nick Cave and the Bad Seeds deu “Jack The Ripper” de presente para a cidade antes de fechar com “Rings Of Saturn”.

A banda de Nick Cave e seu frontman não deixam nada a desejar, e a experiência única deixa um sentimento de purificação completa como só Cave é capaz de fazer. Agora é esperar para que o pastor não demore mais 30 anos para voltar ao Brasil.  

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