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Onde está o Rock?

Talvez o movimento de sair do mainstream não seja tão ruim para o gênero

13.07.2018, às 16H47.
Atualizada em 13.07.2018, ÀS 23H00

O dia mundial do Rock, 13 de julho, se tornou o dia anual em que a pergunta mais ouvida é “o rock morreu?”. A questão, que já passou do ponto de virar clichê, tem duas bases por trás; a primeira está relacionada à qualidade do rock feito hoje em dia. A segunda, mais relevante e menos subjetiva, vem de um lugar mais explícito, que diz respeito à ausência do gênero no mainstream. Onde está o bom rock novo? E por que ele não chega às rádios?

Uma rápida olhada nas paradas de fim de ano da Billboard nos últimos 30 anos comprova claramente o sumiço. Em 87, a Top Billboard 200 Albuns era completamente diferente do que é hoje. No ano, o primeiro lugar ficou com Slippery When Wet, do Bon Jovi, e entre os dez primeiros também estavam Graceland, do Paul Simon, The Joshua Tree, do U2, além de Huey Lewis, Cinderella e Genesis. Dez anos depois, em 97, o lugar do rock já diminuiu drasticamente: o segundo lugar ficava com Tragic Kingdom,do No Doubt, o sétimo com Bringing Down The Horse, do Wallflowers e o décimo com Bush. Em 2007, Daughtry ficou em primeiro e a lista ainda trazia Nickelback e Linkin Park.

Em 2017, as coisas já não são mais as mesmas. Entre os top 10, nenhum álbum poderia ser classificado, nem de longe, como rock. O mais próximo que o som pesado chegou foi ao 12º lugar, com Hardwired... To Self-Destruct do Metallica. Nos últimos anos a tendência foi clara: a última vez que o gênero ficou entre os 10 primeiros aconteceu em 2013, quando Imagine Dragons e Mumford & Sons figuraram na lista (e as duas bandas são contestáveis dentro do estilo, frequentemente categorizadas como pop e folk, respectivamente).

Hoje mesmo o Spotify revelou a lista das músicas de rock mais ouvidas no mundo. A maioria das listadas – Imagine Dragons, The Chainsmokers, Panic! At The Disco – estão mais próximas do electrorock e do pop do que do gênero de guitarras pesadas e refrões rasgados. Na parada de mais ouvidas no Brasil, três faixas se destacam claramente: "Wonderwall", do Oasis, "Californication", do Red Hot Chili Peppers, e "In The End", do Linkin Park. Entre elas, a mais recentemente lançada foi a última, do álbum de estreia do Linkin Park, de 2000. Além de comprovar a transição do interesse ao rock eletrônico, a lista expressa também um saudosismo dos fãs de rock; realmente, quem é fã do gênero, ou é fã do rock mais novo e mesclado ao eletrônico, ou está preso ao passado.

Max Martin, o produtor com o maior número de #1 das paradas atuais, explica o movimento atual em termos de sua sonoridade: “Hoje, o foco se deslocou de melodia e letra para ganchos. O som, a produção, se tornou tão importante que virou parte integral da composição” [via Di Weekend]. A predominância de sons mais recheados de produção faz sentido com o eletrorock ter se tornado o braço do rock que continua conquistando seu espaço.

O rock mais tradicional, no sentido mais restrito de guitarras, letras questionadoras e riffs agressivos, continua nas bandas mais antigas, por incrível que pareça. Em entrevista à Kaaos TV em 2016, o guitarrista do Twisted Sister falou muito bem: “Aonde estão os rockstars de 25 anos? Alguém diz Muse, não, eles são bem mais velhos. Avenged Sevenfold, não tem 25 anos. Slipknot. Muitos mais velhos. A nova geração não parece estar aqui”. E quando se fala do mainstream isto realmente parece ser verdade. Não é a toa que os últimos festivais de rock que passaram pelo Brasil foram o Monsters of Rock – cujos headliners foram Ozzy Osbourne, Judas Priest e Kiss – e o SP Trip, com um line-up de The Who, Aerosmith e Bon Jovi. Os nomes podem acelerar o coração dos fãs, eles são, literalmente, nada de novo.

Quando o rock surgiu e cresceu, grande parte disso veio por seu fator contestador. E enquanto os novos atos do rock não fazem mais isso – pelo menos os que são razoavelmente grandes – um outro gênero tomou o lugar de modo muito claro. As músicas protestadoras de hoje estão nas mãos do rap e do hip hop, que já há algum tempo, crescem nas paradas; em 2017, a lista de fim de ano que não trouxe nenhum álbum de rock tem sua metade compilada por hip hop: Kendrick Lamar, Drake, Post Malone, Migos e J. Cole (isso sem mencionar a trilha sonora de Hamilton, musical baseado principalmente no rap). Em 2016, Roger Daltrey, o líder do The Who, falou sobre a ausência do rock, citando exatamente isto: “O rock chegou a um beco sem saída. As únicas pessoas que cantam letras que realmente importam hoje são rappers” [via London Times].

Em 2016, Bill Flanagan explicou a vantagem da transição no New York Times: “O público do hip-hop ainda recompensa inovação. O hip hop aprendeu muito com o rock, mas não tem os problemas dos limites auto-impostos pelo rock. As músicas tem diversos compositores e não glorificam instrumentistas. Artistas não fingem estar desinteressados no sucesso comercial”. Enquanto este movimento pode entristecer os fãs do bom e velho rock, no final das contas, a transição do foco para o hip-hop pode ser muito bem vinda quando se enxerga o contexto da indústria como um todo. O rock teve sua origem na música negra do blues e do country, mas sua evolução se deu, principalmente, por artistas brancos. Artistas negros em bandas de rock do mainstream são poucos. E no sentido de representatividade, a expressão da música que protesta faz muito mais sentido saindo de vozes de ascendência negra. Na medida em que a sociedade evolui e passa a dar maior voz às minorias, faz sentido que este público procure uma musicalidade que as represente.

Em seu aspecto mais subjetivo, a questão do sumiço do rock em relação a sua qualidade só parece falha. Pode ser que quem faça esta pergunta esteja esperando o novo Black Sabbath ou o novo Metallica, ou o Green Day. Mas cada uma destas bandas criou um marco para sua geração e foi responsável por uma onda de inovação no gênero, que talvez atualmente realmente tenha se esgotado neste sentido. O movimento que deu ao hip-hop o lugar central aconteceu simultaneamente ao estabelecimento do rock em sua forma mais estável: "o rock agora está onde o jazz estava no começo dos anos 80. A sua forma está feita (...) ele assumiu o seu lugar como música americana clássica e não mais precisou mais evoluir ou ser controverso, pelo menos em nenhuma maneira popular", Flanagan concluiu. 

Fora do mainstream, é difícil que o movimento de evolução ganhe evidência. Por outro lado, não se pode dizer que o rock parou no tempo; se a pergunta procura o nome que carregue o som das guitarras para frente, o rock como nicho ainda cresce, por exemplo, no frutífero solo do metal. Fora dele, bandas diversificadas ainda surgem todos os dias, como Royal Blood e Alabama Shakes.  

"O rock morreu?" é uma pergunta dramática. Ele está aqui ainda, apenas mais discreto do que antes. A questão é que isto não deveria ser tão drástico, porque o modo de se ouvir música mudou. Os fãs não precisam mais da curadoria das gravadoras e das rádios para entrarem em contato com novas bandas. Talvez seja o caso, hoje, de celebrar o fato de que os avós do rock continuam aqui e aproveitar a era do streaming para fazer jus ao acesso que ela permite. E enquanto o gênero respira longe dos holofotes, um pensamento pode ser tranquilizador: o rock nasceu na transgressão e busca por novos sons que simbolizassem um “soco na sociedade”. Talvez ele precise da força de querer sair das sombras para se tornar central de novo. 

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