Tom Holland em cena de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa

Créditos da imagem: Marvel Studios/Divulgação

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Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa admite erros da Marvel e da Sony com o herói

Fraquezas da versão de Tom Holland são escancaradas por dependência a passado renegado

10.01.2022, às 18H15.
Atualizada em 11.01.2022, ÀS 16H24

[O texto traz spoilers de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa]

“Quando você pode fazer o que eu posso, mas não faz, e então as coisas ruins acontecem, elas acontecem por causa de você". É isso que Peter Parker (Tom Holland) diz a Tony Stark (Robert Downey Jr.) para explicar por que ele se tornou o Homem-Aranha, em Capitão América: Guerra Civil (2016). Sem fazer menção direta a “poder” ou “responsabilidade”, o maior herói da Marvel Comics foi introduzido ao Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) com o conceito por trás da famosa frase pensada por Stan Lee já internalizado. Fugindo da repetição do que foi visto em Homem-Aranha (2002) e parafraseado em O Espetacular Homem-Aranha (2012), a Sony Pictures Entertainment e a Marvel Studios prometeram ali, naquela breve participação, desenhar nas telonas uma jornada emocional inédita para o Teioso — um ineditismo que a parceria entre os estúdios falhou em cumprir nas demais aparições do personagem desde então, em erros que saltam aos olhos de maneira flagrante em Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa.

Por mais divertidas que possam ser as muitas homenagens ao legado cinematográfico do Amigão da Vizinhança contidas no encerramento da primeira trilogia de Holland, o filme é uma grande admissão de culpa fantasiada de celebração. Ao convidar para a festa as versões do herói vividas por Tobey Maguire e Andrew Garfield — e colocá-los ao lado de Tia May (Marisa Tomei) para ensinarem ao Peter Parker do MCU o que ele aparentemente já sabia em 2016 — Sem Volta Para Casa admite o desenvolvimento de personagem capenga que foi feito ao longo de outros dois filmes-solo e duas participações em tramas dos Vingadores. Um desenvolvimento que se dividiu apenas na repetição de um dilema que foi erroneamente apresentado como já resolvido e na instrumentalização do personagem em prol da narrativa maior desse universo cinematográfico em eterna expansão.

Começando por Homem-Aranha: De Volta ao Lar, onde o MCU começa esse desserviço ao posicionar Parker como peça-chave do desenvolvimento de quem realmente interessava à sua narrativa: Tony Stark. Se, em Guerra Civil, Parker falava com propriedade sobre ajudar “os peixes pequenos” como tipicamente faz o herói urbano que o Cabeça de Teia é, nesse primeiro longa dirigido por Jon Watts a grande preocupação do personagem é se provar para Stark e se tornar parte efetiva dos Vingadores. Esquecido do conceito de responsabilidade que parecia movê-lo um filme atrás, o personagem só retoma a maturidade que tinha alguns meses antes ao compreender que não é a aprovação de seu mentor que o faz um herói. Recusando a tão sonhada vaga na superequipe para ficar ao lado daqueles que não podem recorrer a um bilionário genial, um deus nórdico ou um supersoldado para ajudá-los, ele aprende (de novo) que “quando você pode fazer o que eu posso, mas não faz, e então as coisas ruins acontecem, elas acontecem por causa de você".

Mas eis que Thanos ataca a terra e, em Vingadores: Guerra Infinita (2018), lá está o Parker de Holland como membro dos Maiores Heróis da Terra, paramentado com uma armadura Stark capaz de rivalizar com a do próprio Homem de Ferro e visitando a Lua para enfrentar a maior ameaça a já recair sobre a Terra. Atropelando o arco do filme anterior mais rapidamente do que o Titã Louco pode nocautear o Hulk, a participação do herói nessa aventura conversa de forma fluida em apenas um ponto com o primeiro longa solo dele no MCU: por meio de sua relação com o personagem de Downey Jr. Presente no filme apenas para ser morto, o Homem-Aranha se consolida entre esse longa e Vingadores: Ultimato (2019) como artifício narrativo para a redenção de Stark e nada mais. Em três aparições diferentes desde Guerra Civil, Sony e Marvel não entregam absolutamente nada de novo, nem de melhor do que foi feito com o personagem nas duas versões que o precederam.

Só que, a essa altura, Tony Stark está morto, o que oferece ao Teioso o tão sonhado espaço para alçar novos voos. Entretanto, o que acontece em Homem-Aranha: Longe de Casa (2019)? Sobrecarregado pelo trauma da morte de seu mentor, Peter recusa a grande responsabilidade deixada por esse legado e, por omissão, dá espaço para que o vilão Mysterio (Jake Gyllenhaal) o engane e ameace a paz mundial. É só quando entende que “quando você pode fazer o que eu posso, mas não faz, e então as coisas ruins acontecem, elas acontecem por causa de você", que Peter se levanta e salva o dia. Mas parece que já vimos essa história antes, não?

Na tentativa de não repetir o passado, Sony e Marvel descaracterizaram o Homem-Aranha a ponto de colocá-lo em um ciclo constante de repetições vazias que fez com que a relação emocional entre a versão de Tom Holland e o público padecesse em comparação justamente com tudo aquele passado de onde fugia. Sem o MCU para emprestar a ele uma razão de ser, o personagem chegou ao seu terceiro filme solo sem pernas fortes o bastante para sustentá-lo sozinho, e Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa recorre justamente a quem fez isso melhor anteriormente para tomar emprestado alguma relevância e redefiní-lo, antes que qualquer discordância entre Marvel e Sony deixe essa versão de Parker orfã por uma segunda vez — desta vez, de propósito.

Não é à toa que os momentos de maior emoção do filme vêm na forma do encontro do Parker de Maguire com Otto Octavius (Alfred Molina), ou na redenção do Parker de Garfield ao salvar MJ (Zendaya) da forma que não conseguiu fazer com sua amada Gwen Stacy (Emma Stone). Tanto a celebrada trilogia de Sam Raimi quanto a problemática duologia de Mark Webb entenderam muito melhor que o MCU que a repetição do tema da responsabilidade pode ser feita, sim, mas contanto que não impeça o progresso. É humano o confronto constante com esse sentimento de peso que aumenta conforme envelhecemos, mas é a evolução dessa relação conflituosa que faz com que o Teioso seja o mais humano dos heróis da Casa das Ideias, com o personagem sendo confrontado por diferentes formas de encarar e absorvê-la, e não revivendo sempre a mesma história, inerte. Assim, por mais satisfatório que seja ver três versões do Homem-Aranha repetindo entre si que “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”, essa é uma lição que o Parker de Holland já havia aprendido outras três vezes, e que estamos sendo forçados a engolir novamente graças ao auxílio de duas versões superiores da mesma história. Não há meia-palavra: isso é storytelling ruim; é cinema mal feito.

Com o novo filme se encerrando a partir de um feitiço do Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) que basicamente apaga a existência do Peter Parker de Holland da história do MCU (para todos, menos ele mesmo), a sensação que fica é de tempo perdido. Após seis anos, é como se o personagem estivesse no mesmo lugar em que estavam Maguire e Garfield em seus primeiros filmes. É claro que esse tempo a mais permitiu que a versão de Holland habitasse mais uma realidade infanto-juvenil que não havíamos visto a fundo nas telonas, mas quando isso não repercute em nada de relevante no seu desenvolvimento — como a grande correção de curso em Sem Volta Para Casa deixa claro, ao se apoiar mais em filmes de outras sagas do que naqueles de sua própria trilogia — há de se reconhecer que essa narrativa falhou. Resta torcer para que a relação entre passado, presente e futuro do personagem seja melhor conduzida na próxima trilogia do herói, para que possamos enfim entender quem ele é por si só e para que ele possa, finalmente, aprender alguma nova lição.

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