Como começar a assistir Jane Campion?

Créditos da imagem: A diretora Jane Campion (Reprodução)

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Como começar a assistir Jane Campion?

Diretora deve ser destaque do Oscar 2022 com Ataque dos Cães, mas já tem longa e importante filmografia

01.12.2021, às 13H24.
Atualizada em 01.12.2021, ÀS 13H38

Quando Jane Campion foi indicada ao Oscar de melhor direção, em 1994, ela era apenas a segunda mulher da história a conseguir uma vaga na categoria. No ano anterior, ela também foi a primeira mulher a vencer a Palma de Ouro do Festival de Cannes - marcas históricas conseguidas com O Piano, uma mistura de drama de época e thriller psicossexual com uma das performances femininas mais hipnotizantes de todos os tempos, entregue pela protagonista Holly Hunter.

Em 2022, se Campion confirmar as expectativas e voltar ao páreo do Oscar com Ataque dos Cães, elogiado faroeste lançado hoje (1º) pela Netflix e estrelado por Benedict Cumberbatch, ela se tornará a oitava indicada feminina de melhor direção, e a primeira mulher a conseguir duas indicações na categoria. Número ainda inacreditavelmente baixo, é verdade, mas que demonstra um avanço que Campion foi em parte responsável por trazer à indústria.

Nascida em Wellington, Nova Zelândia, em 30 de abril de 1954, ela passou os anos 80 fazendo curtas-metragens premiados antes de estrear nos longas com Sweetie (1989). O filme, uma análise por vezes grotesca de disfunção familiar, provou que a cineasta não tinha medo de incomodar - e foi vaiado pela plateia de Cannes em consequência. De lá para cá, Campion se provou uma artista brilhante na sua mistura muito particular de poesia e provocação.

Abaixo, indicamos como mergulhar nessa filmografia tão importante:

Comece por: O Piano (1993)

Impossível recomendar outro ponto de entrada para a obra de Campion. Em O Piano, acompanhamos Ada (Hunter), uma mulher muda por escolha, que só se expressa através de seu instrumento musical favorito. Prometida em casamento pelo pai, ela viaja com a filha Flora (Anna Paquin) para uma parte ainda inexplorada da Nova Zelândia, onde conhece o novo marido Alisdair (Sam Neill) e o homem misterioso (Harvey Keitel) que serve como ligação entre os colonizadores e o povo nativo da ilha.

Ambientado em meados do século XIX, O Piano não é como um filme de época tradicional, no sentido que rejeita a exploração elegante de costumes aristocráticos e desvela o lado pulsantemente humano das pessoas que viviam naquele momento histórico. Seja em sua exploração cuidadosa de sexualidade, na desconstrução psicológica de seus protagonistas, ou no seu reconhecimento tácito da violência inerente do ato de colonizar, O Piano é um épico emocional como só Campion sabe fazer.

Disponível para streaming no Telecine e no Looke.

Gostou da ambientação de época? Vá para: Retratos de Uma Mulher (1996)

Curiosamente, foi ao elemento de época de O Piano que Hollywood se apegou ao tentar aproveitar o talento de Campion. O seu primeiro longa nos EUA foi essa adaptação do clássico livro de Henry James, que conta a história de Isabel Archer (Nicole Kidman), uma jovem belíssima, mas sem intenções de se casar, que é enganada por amigos ricos e entediados que pretendem “corrompê-la”.

Campion sendo Campion, ela não se contentou em criar mais um drama acadêmico. Ao invés disso, se juntou a sua antiga colaboradora, a roteirista Laura Jones (veja Um Anjo em Minha Mesa, mais abaixo nessa lista), para transformar a trama em um manifesto feminista provocador, e abusou de encenações coreografadas - em alguns momentos, é realmente como se os personagens se movessem em uma dança sem música pelos cenários - para zombar da rigidez do próprio subgênero e mostrar o lado perverso dele.

Nem todo mundo embarcou nesse Ligações Perigosas melodramático de Campion na época, e Retratos de Uma Mulher acabou incompreendido pela crítica e decepcionando no Oscar - embora Barbara Hershey, especialmente brilhante como a maliciosa Madame Merle, tenha sido (merecidamente) indicada.

Disponível para streaming no OiPlay.

Gostou da trama apimentada? Vá para: Fogo Sagrado! (1999)

Talvez incensada pela má recepção de Retratos, Campion decidiu abraçar a controvérsia e “chutar o pau da barraca” em seu filme seguinte. Escrito ao lado da irmã Anna Campion, Fogo Sagrado! acompanha Ruth (Kate Winslet, em uma de suas melhores - e mais subestimadas - performances), jovem que volta para casa após uma temporada na Índia, onde se envolveu em um culto religioso. Os pais dela, desesperados, contratam um homem (Keitel, reeditando a parceria com a diretora após O Piano) que promete “desfazer” a lavagem cerebral de Ruth, mas os dois logo se envolvem em um intenso jogo sexual.

Da diferença de idade entre os protagonistas aos fetiches e jogos de dominação que explora, tudo em Fogo Sagrado! parece feito com a intenção explícita de cutucar o espectador e o crítico revoltados com a visão única da diretora. Ao invés de se perderem em uma provocação vazia, no entanto, as irmãs Campion criam uma história que também reflete e examina com profundidade, coragem e bom humor temas que vão das dinâmicas entre os gêneros às várias concepções de fé que movem a humanidade

Gostou do lado romântico? Vá para: O Brilho de uma Paixão (2009)

Feito exatamente dez anos depois de Fogo Sagrado!, O Brilho de Uma Paixão é em muitos sentidos o seu completo oposto. Trata-se de um recorte biográfico do poeta John Keats (Ben Whishaw), especificamente dos anos que ele passou morando com um amigo, que por sua vez dividia a casa com a família de Fanny Brawne (Abbie Cornish). O caso de amor dos dois foi conturbado por dificuldades financeiras e, mais tarde, até pelos problemas de saúde de Keats, que morreu aos 25 anos de tuberculose.

Campion, que também escreveu o filme, trata essa história delicada e trágica com um cuidado e uma sutileza até pouco característicos de sua filmografia. Belamente fotografado em suas paisagens ensolaradas e cores leitosas, O Brilho de uma Paixão se concentra em como esses dois indivíduos sensíveis e talentosos (a vontade de Fanny de seguir carreira na moda é um foco do filme) alimentaram um ao outro durante o breve momento em que suas vidas se cruzaram.

Disponível para streaming no Amazon Prime Video e no Looke.

Aqui vão os outros 3 filmes dela: Sweetie (1989)

Esqueça a vaia do pessoal de Cannes: o primeiro longa-metragem de Campion é uma pérola perturbadora que observa as disfunções mais corriqueiras de uma relação familiar e as coloca sob uma lente de aumento reveladora. Geneviève Lemon vive a Sweetie do título, apelido da irmã mais nova da protagonista Kay (Karen Colston). A vida já desajustada da mais velha vira de cabeça para baixo quando a irmã chega para visitar após sair de uma instituição psiquiátrica.

O caos provocado por Sweetie se confunde com a fundamental doçura de sua persona no roteiro assinado por Campion e Gerard Lee (que retomou a parceria com a diretora décadas depois, na série Top of the Lake). A câmera da cineasta, obcecada por registrar partes diferentes do corpo de suas protagonistas e como elas se misturam desconfortavelmente com o mundo ao seu redor, completa esse conto cativante e inesquecível de sobrevivência humana em um ambiente hostil - o mundo civilizado.

Um Anjo em Minha Mesa (1990)

Épico em suas 2h38 (ele foi originalmente pensado como minissérie de TV), Um Anjo em Minha Mesa acompanha a história real da escritora neozelandesa Janet Frame, da infância em uma família pobre passando por seus anos internada em uma clínica psiquiátrica, e por fim encontrando a escrita quando adulta. Nas mãos de Campion, essa é a saga de uma mulher procurando por si mesma no mundo e sendo punida por isso, até enfim encontrar um espaço onde possa fazer a diferença que sempre esteve apta a fazer.

Inesquecível como a Janet adulta, Kerry Fox se tornou uma das maiores estrelas da Nova Zelândia e da Austrália após o lançamento do filme de Campion. Um Anjo em Minha Mesa ainda “redimiu” a diretora pelo fracasso de Sweetie aos olhos da crítica, e impressionou tanto o público do Festival de Veneza que sua vitória no Prêmio do Júri foi encarada com revolta (muitos esperavam que ele levasse o Leão de Ouro). Em suma: se O Piano existe, é por causa desse filme.

Disponível para streaming no Looke.

Em Carne Viva (2003)

Jane Campion dirigindo um thriller criminal contemporâneo? A ideia parecia pouco palatável em 2003, especialmente porque diretoras mulheres raramente recebem o mesmo espaço para serem versáteis que seus colegas homens, mas a cineasta neozelandesa foi adiante com essa história de uma professora (Meg Ryan) que se envolve com o detetive (Mark Ruffalo) que está investigando o caso de um corpo encontrado no jardim do seu prédio.

O envolvimento sexual gradativamente perturbador dos dois, a reflexão cruel sobre violência de gênero, os trechos de poesia declamados pela protagonista - apesar de estar em um gênero pouco visitado por Campion, Em Carne Viva é claramente um filme que não poderia ter sido feito por outra pessoa. E Ryan, escalada de última hora para substituir Nicole Kidman por causa de conflitos de agenda, entrega uma performance nervosa e hipnotizante, que trai o quão mal-aproveitada ela foi em seus anos em Hollywood.

Disponível para streaming na Netflix.

E tem também uma série: Top of the Lake (2013-2017)

Primeira e (até agora) única investida de Campion na televisão, essa série australiana que virou hit em todo o mundo mistura uma história de investigação à la Mare of Easttown com a sensibilidade própria da cineasta. A trama acompanha a detetive Robin Griffin (Elisabeth Moss antes de The Handmaid’s Tale) enquanto ela investiga o desaparecimento de uma menina de 12 anos, que foi encontrada em um lago congelante e, para o choque de todos na pequena cidade onde o crime aconteceu, está grávida.

Top of the Lake é uma boa pedida para quem não tem medo de um suspense dramático com aquele clima pesaroso - da fotografia severa às participações de habitués da filmografia de Campion, como Holly Hunter e Nicole Kidman, interpretando personagens excêntricos com segredos perturbadores a esconder, a série mostrou que a diretora está mais segura do que nunca do tom que quer imprimir e do discurso que quer fazer com sua arte. É um prelúdio bacana para quem for assistir a Ataque dos Cães.

Disponível para streaming na HBO Max.

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