X-MEN:
The Animated
Series

Trinta anos depois de estrear,
animação dos mutantes da Marvel
segue atual e comovendo fãs ao tratar
dos “diferentes” da sociedade

CAIO DELCOLLI Colaborador

Ao fundo do palco, grande e erguido ao céu, está um imenso emblema com uma águia. Nela, está gravada a sigla “FOH”. Abaixo da figura, no púlpito, um homem furioso traz o mesmo símbolo em uma faixa no braço e fala à plateia.

“O amanhã pertence à humanidade! Uma humanidade limpa, sem essa doença mutante nojenta!”, ele esbraveja.

Uma garota asiática de jaqueta amarela e mãos amarradas é acompanhada palco adentro por dois brucutus armados. “Por que você nos odeia?”, ela questiona. “O que fizemos para você?”

“Vocês nasceram”, responde o sujeito. A plateia explode em euforia.

A cena da segunda temporada de X-Men: The Animated Series, exibida originalmente quase trinta anos atrás pelo Fox Kids, o canal de programação infantojuvenil da Fox, ainda traz paralelos com o noticiário atual. Algo semelhante ao nazifascismo ameaça Jubileu, a mutante de jaqueta amarela, e uma simples ordem de Graydon Creed Jr., o líder dos “Amigos da Humanidade” (“Friends of Humanity”), pode tirar a vida dela.

O grande lance dos X-Men é que os humanos pensam que mutantes são diferentes e assustadores”, diz o criador e roteirista, Eric Lewald, 66, em entrevista ao Omelete, de Los Angeles.

Segundo ele, aí está a chave para entender por que a série, disponível no Disney+ — com a cronologia dos episódios quase toda embaralhada, vale avisar —, continua a reverberar depois de todo esse tempo, a ponto de o streaming anunciar um revival para 2023.

Quando adolescentes, as pessoas se sentem afastadas da cultura dominante, o que acontece em qualquer lugar do mundo — seja por uma questão de raça, sexualidade, religião ou até mesmo classe”, analisa.

Para a roteirista Julia Lewald, 64, isto sinaliza que o conceito de TAS é bem-sucedido.

Embora fosse para crianças assistirem ao programa no sábado de manhã, escrevemos os episódios como dramas exibidos no horário nobre”, conta ela, esposa de Eric.

A ideia de que a Vampira, talvez a mais poderosa de todos os X-Men, não pode tocar outras pessoas, a deixa desolada, embora isso seja parte do superpoder dela. Se Vampira e Wolverine pudessem trocar de habilidades, ele se isolaria na floresta e ficaria feliz sem tocar em ninguém, e ela usaria as garras quando precisasse.

A série é o trabalho de que o casal Lewald mais se orgulha de ter feito, eles dizem. Seguir conversando com as pessoas sobre o seriado, seja nas redes sociais, entrevistas ou encontros com os fãs em convenções, é uma alegria, pois os cinco anos em que fizeram a animação são alguns dos mais alegres da vida deles.

No que depender dos Lewald, a conversa vai continuar. Eles servirão de consultores na nova série, e ainda são autores do livro X-Men: The Art and Making of the Animated Series (Abrams Books, 2020), que traz storyboards, rascunhos de designs e outros materiais de bastidores.

Eric, por sua vez, assina Previously on X-Men: The Making of an Animated Series (Jacobs Brown Press, 2017), para o qual ele entrevistou mais de trinta pessoas ligadas à série para fazer uma crônica da mesma.

Em ambos os livros, eles exploram em detalhes a produção — feita com meticulosidade, orçamentos e prazos apertados — e a repercussão de TAS. E tirar a série do papel, vale notar, exigiu muito dos superpoderes dos Lewald e da equipe.

PRIMEIRO GENES

Em 1986, Margaret Loesch já trabalhava na Marvel Productions há dois anos como executiva. Era uma nova fase para a empresa, que havia sido assumida pela New World Pictures, a compradora da Marvel. Loesch atuava para fazer com que uma série animada dos mutantes finalmente acontecesse. O resultado do esforço, em 1989, foi Pryde of the X-Men — mas o projeto não passou do episódio piloto.

Embora a animação tenha sido de alta qualidade, os fãs não aprovaram o conteúdo leve e caricato, que deixava de lado os dramas íntimos e o comentário social dos gibis.

No entanto, Loesch não desistiu da ideia, e a levou consigo quando foi contratada, no ano seguinte, para presidir o recém-fundado Fox Kids. Entre as propriedades dela estavam X-Men, Homem-Aranha, Surfista Prateado e Batman.

O chefe da executiva, Jamie Kellner, havia lido os quadrinhos dos mutantes e os considerava “sombrios” e “adultos” demais para render um programa para a grade infantil. Loesch insistiu até negociar com Kellner o próprio emprego. Se uma nova tentativa não desse certo, a executiva seria demitida. Ela contava com o apoio de Stan Lee, de quem era amiga, para a adaptação acontecer.

Tratava-se da primeira vez em muitos anos que Hollywood prestava atenção às propriedades da Marvel, pois os precedentes da editora com animações não ajudavam.

Nos anos 1960, houve The Marvel Super Heroes e Spider-Man, e nos 1980, Homem-Aranha e seus Incríveis Amigos. Entretanto, não foram produções bem-sucedidas a ponto de convencer executivos, no início dos anos 1990, a desenvolver novos projetos. O filme de 1989 do Batman, dirigido por Tim Burton, havia aberto espaço para a série do Homem-Morcego, mas os X-Men não contavam com um caso de sucesso nesses moldes.

Não foi fácil chegar a uma abordagem que fizesse sentido. Em uma das propostas feitas ao canal, Professor Xavier, Ciclope e um cachorro de estimação — elemento importante para os desenhos animados daquela época — iriam rodar pelos Estados Unidos em uma van, com o Cérebro no interior do veículo, em busca de mutantes.

No entanto, as coisas mudaram quando, às dez e quinze de uma noite de domingo, em fevereiro de 1992, o telefone de Eric Lewald tocou.

Do outro lado da linha, Sidney Iwanter, executivo da Fox, o recrutou para a empreitada. O roteirista deveria comparecer a uma reunião na manhã seguinte. Mais de vinte pessoas estariam nela, incluindo executivos, artistas da Marvel Comics e o próprio Stan Lee. Muitos voariam de Nova York a Los Angeles para o compromisso.

Os Lewald mal tinham ouvido falar dos mutantes, não havia lojas de quadrinhos abertas naquela hora e não existia internet para uma pesquisa ser feita. “Fique quieto e espere pelo melhor”, Julia disse a Eric naquela noite.

Iwanter explicou ao roteirista a mitologia dos mutantes em linhas gerais. Na reunião, ele seguiu o conselho de Julia. Todo mundo estava empolgado, enquanto Eric passou quase todo o encontro apenas sorrindo e acenando com a cabeça.

Quando lhe perguntavam algo, o showrunner respondia: “Estando a bordo desse projeto incrível há apenas doze horas, eu estou ansioso para em breve ter as minhas ideias para um projeto básico e um arco para a primeira temporada!

As produtoras Saban e Graz Entertainment foram contratadas e a estreia, programada para dali apenas dez meses, uma quantidade de tempo impensavelmente curta para os padrões da época, já que animações precisavam de longos períodos para serem feitas. Foram encomendados apenas treze episódios.

Por outro lado, Eric e Julia já tinham sólida experiência. Ele havia escrito para animações da Hanna Barbera na década anterior. Casados desde 1988, os dois haviam se conhecido na Disney, quando trabalharam juntos em Tico e Teco e os Defensores da Lei, Ursinho Pooh e Esquadrilha Parafuso, entre outros.

Depois daquela reunião, Eric ligou para Larry Houston — desenhista de storyboard, diretor e produtor de TAS — e conseguiu com ele uma fotocópia com várias anotações da enciclopédia Official Handbook of the Marvel Universe, para ele e Mark Edens, também roteirista da série, pesquisarem sobre os X-Men.

Ambos usaram também o jogo de tabuleiro Marvel Super Heroes: The Uncanny X-Men Special Campaign Set, que trazia um pôster com as diferentes formações da equipe e as plantas da Mansão X e da Ilha Muir.

Eles puderam contar ainda com a ajuda de Houston e outros dois fãs de longa data que estavam no departamento de arte, Rick Hoberg e Will Meugniot.

Além do uso incomum da estrutura de drama — assim como nos gibis, a molecada teria de ver episódio a episódio para acompanhar a continuidade das histórias —, Eric teve de escolher a dedo quais super-heróis iriam compor o time. Foi uma tarefa complicada, pois os gibis já existiam há trinta anos e estavam abarrotados de personagens.

O critério aplicado foi compor um grupo diverso. Os escolhidos foram Professor Xavier, Ciclope, Tempestade, Jean Grey, Vampira, Wolverine, Fera, Jubileu, Morfo e Gambit, que havia estreado nos quadrinhos há pouco tempo e precisava ser divulgado.

Morfo é uma adaptação do personagem apresentado nos quadrinhos como Farsante (“Changeling”). O nome foi alterado para evitar um processo por parte da DC, que também tem propriedades chamadas “Changeling”. Naquela época, era o nome usado por Mutano, dos Jovens Titãs.

Pássaro Trovejante foi considerado, mas, como nas HQs o índígena morre em combate, a equipe de TAS decidiu evitar que o único ameríndio da equipe tivesse o mesmo destino na série. Ele aparece como um dos mutantes escravizados em Genosha e na vinheta de abertura, junto à Irmandade liderada por Magneto, embora nunca tenha feito parte do grupo.

Outros rostos conhecidos que fazem pontas são Emma Frost, Frenético, Anjo, Apocalipse, Dentes-de-Sabre, Mística, Banshee, os Morlocks, Moira MacTaggert, Homem de Gelo, Estrela Polar, Destrutor, Lilandra Neramani, Polaris, Homem Múltiplo, Gladiador, Lasca e Psylocke.

Também aparecem Bishop, Forge, Feiticeira Escarlate, Mercúrio, Colossus, Noturno, Cristal, Míssil, Longshot e Cable, entre vários outros. Kitty Pryde, a Lince Negra, nunca apareceu por causa da má experiência com a personagem em Pryde of the X-Men.

A inspiração para os enredos veio principalmente das histórias assinadas pelo icônico roteirista Chris Claremont, que revitalizou os quadrinhos dos X-Men nos anos 1970 e 1980 apostando no potencial dramático deles. Ele escreveu as clássicas A Saga da Fênix, Deus Ama, o Homem Mata, e Dias de um Futuro Esquecido, entre outras, e criou dezenas de personagens amados pelos leitores, como Kitty Pryde, Gambit e Emma Frost.

O orçamento apertado forçou escolhas mais baratas. Os dubladores escalados eram majoritariamente do teatro de Toronto, o que ajudou a série a ter ótimas vozes. Os atores são Cedric Smith (Professor Xavier), Alyson Court (Jubileu), George Buza (Fera), Catherine Disher (Jean Grey), Cal Dodd (Wolverine), Lenore Zann (Vampira), David Hemblen (Magneto), Iona Morris (Tempestade, de 1992 a 1993), Alison Sealy-Smith (Tempestade de 1993 em diante), Chris Potter (Gambit de 1992 a 1996), Tony Daniels (Gambit em 1997), Norm Spencer (Ciclope) e Ron Rubin (Morfo).

As equipes em Toronto e Los Angeles tinham de trocar anotações por fax, enquanto enviavam as fitas de vídeo com os episódios por correio. Tudo era analógico e feito com muito capricho — os desenhos eram animados no estúdio AKOM, na Coreia do Sul, e a pintura, feita manualmente.

Outra solução arranjada para baratear o custo foi a escolha de fazer, no início de cada episódio, a recapitulação do que aconteceu nos anteriores, assim reaproveitando um minuto de filmagens já pagas.

Abertura X-Men: A série animada

A icônica vinheta de abertura, que apresenta cada um dos heróis, teve a música tema composta por Ron Wasserman (o mesmo de Power Rangers). O vídeo de um minuto é um dos emblemas da série, e teve alterações apenas na quinta e última temporada. Para as reprises aos domingos feitas pela emissora UPN, foi escolhida a versão japonesa da abertura.

EVOLUÇÃO

Toda a equipe de TAS foi demitida após a produção da temporada, pois a crença de que a série daria certo ainda não era unânime entre executivos e anunciantes.

Entretanto, no Dia das Bruxas de 1992, X-Men estreou e fez imenso sucesso. Com poucas das intervenções a que Eric resistia, como a de abandonar a estrutura de drama, o programa começou com uma história dividida em duas partes, “A Noite das Sentinelas”, em que Jubileu se junta aos heróis e um banco de dados sobre os mutantes alimenta o ódio contra eles.

Na fuga da instalação governamental, os robôs caça-mutantes assassinam Morfo. Foi um movimento arriscado, mas compatível com a proposta da série. Era importante mostrar que os X-Men assumiam sérios riscos nas missões. A princípio, Julia contestou a ideia, alegando ser sombria demais.

A cena da morte de Morfo foi aprovada por Avery Colbern, do departamento de “Broadcast Standards” — basicamente, ela era a censora, a quem os Lewald creditam como importante para TAS ter ido ao ar com integridade por todos aqueles cinco anos.

Nós precisamos de um tempo para convencer a Avery, mas conseguimos. A cena se tornou incisiva e maravilhosa, em termos de contar a história de Morfo”, relata Julia

Sem abrir mão de espetáculo e bom humor, TAS tratou de assuntos como a histeria em torno do HIV/aids, racismo, identidade religiosa e orfandade. Fazer tanto comentário social exigiu cuidado. Eles tinham de seguir a diretriz de não tratar o governo americano como odioso — por isso, os Amigos da Humanidade são uma organização civil.

No episódio "Mojovisão", a indústria do entretenimento é objeto de uma sátira cáustica. "Um Mutante dos Diabos" retrata a dicotomia de Noturno: católico devoto, o teletransportador tem a aparência de um demônio e é exemplo vivo da evolução das espécies. "Dias de um Futuro Esquecido" faz referências ao Holocausto e a presidente dos EUA — sim, uma mulher — é deposta pelas Sentinelas em um golpe de estado.

A mitologia dos X-Men remete ao pai do showrunner. Em 1936, Herald Ernest Lewald teve de deixar a Alemanha quando o nazismo dava sinais de crescimento ininterrupto. Embora tivesse tido criação católica, Herald era judeu por descendência paterna, o que foi o suficiente para ser perseguido.

Então com 18 anos, ele se mudou para a América do Sul e viveu em diferentes países do continente até se mudar para os EUA aos 25, onde trabalhou como professor universitário de cultura e literatura latino-americanas. A mãe de Herald, por outro lado, não pôde abandonar a Alemanha.

Isso com certeza me ajudou a ter empatia com pessoas que estão à mercê da intolerância”, conta Eric.

Depois de seis semanas no ar, a aposta em dramas “adultos” e “sombrios” demais foi uma das razões para o sucesso ser alcançado.

Nos EUA, TAS chegou ao posto número um de audiência aos sábados de manhã e número dois entre adolescentes, segundo levantamento da Nielsen. A equipe, então, foi contratada novamente para continuar a fazer episódios.

Uma vez que fez sucesso, a pressão parou, todo mundo estava feliz”, conta o showrunner. “Não tivemos mais questionamentos e críticas, mas, durante quase todo o ano de 1992, tivemos de confiar que estávamos na direção correta e as críticas, não.

Para o Dia de Ação de Graças daquele ano, o Fox Kids convidou o público a escolher por voto qual programa deveria ser exibido no horário nobre daquela noite. TAS recebeu mais votos que todos os outros desenhos juntos — as crianças enviaram os votos por correio, lotando caixas e caixas de correspondência da emissora.

Nem uma bagunça na cronologia parecia incomodar os fãs. O produtor Haim Saban, sempre em busca de reduzir custos, mandou os episódios "Nenhum Mutante É uma Ilha" e "Longshot" serem produzidos na China, cujo mercado de animação dava os primeiros passos.

O resultado foi tão ruim que tiveram de refazê-los. Eles acabaram estreando dois anos depois do previsto. Deveriam ter sido os episódios 34 e 36, respectivamente, mas acabaram sendo 66 e 67.

Após Jean Grey se sacrificar no fim de "A Saga da Fênix", Ciclope, em "Nenhum Mutante É uma Ilha", demonstra esperança de que a telepata pode estar viva — mas, por causa da confusão, a lógica do retorno de Jean foi prejudicada.

O sucesso de TAS, somado ao de Batman: The Animated Series, que havia estreado em setembro daquele ano, e Beetlejuice, derivada do filme de Tim Burton, consolidou a Fox Kids como uma potência da programação para crianças de dois a onze anos.

O canal havia se tornado um concorrente de respeito da ABC, NBC e CBS, os três maiores dos EUA. A audiência do Fox Kids havia começado com 5% dos espectadores do país, e em seu segundo ano no ar, havia chegado a 50%, cita o livro X-Men: The Art and Making of the Animated Series. Formou-se um bom relacionamento entre a Fox e a Saban Entertainment, o que abriu as portas para Power Rangers acontecer no ano seguinte.

Não apenas as crianças estavam assistindo a X-Men, mas universitários e adultos também”, diz Julia. “Isso foi algo que nós não antecipamos, mas ao escrever a série, tentamos emplacar as melhores histórias e isso impactou muitas pessoas.

Um dos ensinamentos que os executivos e anunciantes puderam tirar disso, defende Eric, é não subestimar as crianças: “Elas são espertas e capazes. Não quisemos aliená-las ao mostrar algo mais simples e fácil.

Um teste de público mostrou que a criançada havia se apaixonado por Morfo, o que fez o mutante ser trazido de volta no segundo ano. O antagonista Sr. Sinistro faz uma lavagem cerebral nele e o usa como agente para realizar um plano de eugenia, o que traumatiza Morfo.

O sucesso de público afetou os gibis. Apocalipse, outro personagem acolhido pelos espectadores, encabeçou a A Era de Apocalipse, um dos grandes acontecimentos dos quadrinhos de super-heróis nos anos 1990.

Durante a exibição da série, a Marvel publicou X-Men Adventures (depois rebatizada como Adventures of the X-Men), que trazia adaptações dos episódios e histórias ambientadas na mesma continuidade do programa de TV.

Vários outros rostos conhecidos dos leitores dos quadrinhos fizeram pontas em TAS: Pantera Negra, Thor, Hulk, Ms. Marvel, Capitão América, Deadpool, Motoqueiro Fantasma, Homem-Aranha, Doutor Estranho e Justiceiro são alguns deles.

Falando nas revistinhas, a série honrou o material de origem ao adaptar sagas clássicas, como A Saga da Fênix e Dias de um Futuro Esquecido, dando a essas histórias o tempo necessário para serem exploradas em múltiplos episódios.

Segundo Nicholas E. Miller, doutor em filosofia pela Washington University, o seriado era uma alternativa aos quadrinhos daquela década, que eram “regressivos” ao retratar mulheres de maneira machista.

A arte era hiperssexualizada, embora não se limitasse a isso. Desde então, muitos editores e roteiristas daquele período têm refletido sobre o assunto e reconhecido essas preocupações”, comenta. “Para aqueles que há muito tempo enxergam os quadrinhos como uma forma com potencial progressista e transformador, os quadrinhos da Marvel certamente poderiam parecer ‘regressivos’.”

Em parceria com Jeremy Carnes, da University of Central Florida, e Margaret Galvan, da University of Florida, Miller está editando o livro de ensaios acadêmicos Futures of Cartoons Past: The Cultural Politics of X-Animated Series, que deve ser lançado em 2023 pela editora University of Mississippi Press.

Miller, que cresceu lendo os quadrinhos e se tornou fã de TAS na adolescência, conta que a ideia com o livro é dar à série, no meio acadêmico, a atenção de que ela é digna.

Talvez fosse a minha então crescente percepção das injustiças sociais, mas X-Men: The Animated Series sempre trazia algo importante sob a superfície, mesmo que a animação fosse, às vezes, desajeitada.

A quinta temporada traz alguns desses solavancos na arte. Inicialmente, o final da série aconteceria na temporada anterior, com "Acima do Bem e do Mal" — por razões que os Lewald dizem ainda não entender —, mas, em cima da hora, a Fox quis continuar. A Marvel estava na pindaíba e não conseguiria financiar mais episódios. A Saban, então, pagou por eles sozinha.

O orçamento foi péssimo, mas ainda acho que algumas das melhores histórias foram contadas na quinta temporada. O episódio final, 'Dia da Formatura', é um ótimo encerramento”, pondera Julia.

NOVAS ESPÉCIES

Tanto Eric quanto Julia acreditam que o sucesso de TAS foi importante para um filme dos X-Men finalmente acontecer. Desde os anos 1980, tentativas de adaptações circulavam por diferentes produtoras de Hollywood. Mas só em 2000 os mutantes conseguiram chegar às telonas, quando estreou X-Men: O Filme, dirigido por Bryan Singer.

Se não fosse por TAS, defende Julia, os super-heróis não estariam vivendo nas telas uma fase de ouro. “Eles poderiam ter escolhido vários X-Men, mas escolheram praticamente os mesmos da série”, conta.

Wolverine, Ciclope, Charles Xavier, Magneto, Jean Grey, Tempestade, Vampira, Mística, Dentes-de-Sabre, a trama do Holocausto, o registro civil dos mutantes — tudo isso está no filme de Singer.

O roteirista, David Hayter, que se tornou nosso amigo, diz que nenhum deles recorreu aos quadrinhos”, conta Eric. “Todo mundo envolvido apenas assistiu à nossa série várias vezes. Essa foi a pesquisa deles.

O showrunner celebra o fato de a opinião dele e de alguns membros da equipe de TAS ter sido solicitada. Eric chegou a ler o mítico script não filmado de Joss Whedon para opinar, e diz ter adorado.

Depois disso, eles se sentiram mais confiantes, mas quando fizeram a primeira versão, nos ligaram e disseram ‘por favor, diga-nos se estamos no caminho certo’. Foi bacana eles terem ligado.

Não foi diferente com X-Men ‘97, a sequência que vai retomar o seriado do mesmo ponto em que ele acabou. Além do retorno de muitas vozes do elenco original, os Lewald foram chamados pelo Marvel Studios para serem consultores. O showrunner da vez é Beau DeMayo, de Moon Knight (Disney+) e The Witcher (Netflix).

Desde que a Disney se tornou proprietária da 21st Century Fox, a Marvel tem aquecido as propriedades dos X-Men. A aclamada passagem do roteirista Jonathan Hickman, nos últimos anos, deu novo fôlego aos quadrinhos com House of X e Powers of X.

A editora anunciou para abril deste ano X-Men ‘92: House of XCII, inspirada em TAS. No enredo ambientado em um universo paralelo, os acontecimentos escritos por Hickman se desenrolaram décadas antes do início da série animada.

No que se refere ao MCU, os Lewald se dizem curiosos a respeito do futuro dos X-Men nele e admiram o controle do estúdio sobre a continuidade.

What If…? mostra as brincadeiras deles com o multiverso, o que me deixa empolgada em relação ao que podem fazer com os X-Men”, diz Julia.

Eric, por sua vez, quer acompanhar as revelações com o público. “Vai ser divertido! Enquanto um criador, fico tentando assimilar tudo. Eu provavelmente teria que fazer um mestrado de dois anos sobre o MCU para entender como tudo se encaixa”, ele ri. “Tenho certeza de que eles têm um exército de pessoas cuidando disso. É simplesmente maravilhoso.

[Atenção: há um SPOILER no parágrafo a seguir]

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, recém-chegado aos cinemas, contou com duas referências à animação clássica: Patrick Stewart, o Professor Xavier do cinema, voltou ao papel com a icônica cadeira amarela de TAS, e sua aparição veio acompanhada da tradicional guitarra da abertura da série, devidamente incorporada pela trilha sonora de Danny Elfman.

Com ou sem teses sobre o futuro dos mutantes no MCU, a certeza que temos é a de que são ótimos tempos para sermos fãs deles.

Publicado 17 de Maio de 2022
Reportagem Caio Delcolli | @caiodelcolli
Edição Beatriz Amendola | @bia_amendola
Direção de Arte / Ilustração Luiz Carlos Torreão | @luizcarlostc
Ilustração Kaique Vieira | @kaicovieira
Coordenação Jorge Corrêa (@jorgecorrea_)