Wagner Moura está empolgado. Aos 45 anos de idade, o ator baiano, amplamente celebrado como um dos mais talentosos de sua geração, finalmente verá seu primeiro trabalho como diretor de cinema entrar em cartaz no circuito brasileiro. Em Marighella, Moura se fez cineasta por meio da árdua missão de criar “um filme popular, que atingisse muita gente, que muita gente pudesse ver e que devolvesse ao imaginário brasileiro essa figura de resistência à ditadura”. Para isso, teve de enfrentar velhos e novos desafios, impostos não só pela estrutura precarizada da produção audiovisual nacional, como também pelo momento político altamente conservador do país – em cenário que, diante de uma cinebiografia sobre um histórico revolucionário de esquerda, corroborou até a imposição do que ele afirma ter sido censura contra o projeto.
Inspirado na biografia Marighella - O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo, escrita pelo jornalista Mário Magalhães, o filme de Moura recria e amarra dois momentos na vida de Carlos Marighella: quando o político, escritor e guerrilheiro comunista marxista-leninista brasileiro foi baleado e preso pelo regime militar, em 1964, e suas atividades à frente do grupo armado de oposição à ditadura Ação Libertadora Nacional (ALN), de 1968 até seu assassinato, em 1969. Mais do que discutir implicações morais e legais das ações de Marighella e de seus aliados contra os militares – o que seria até contraproducente, uma vez que a ele já foi conferida anistia póstuma, em 2012 –, o interesse do diretor é devolver ao guerrilheiro, publicamente chamado de “terrorista” e de “inimigo número um do Brasil”, a humanidade que lhe foi negada; representá-lo como uma pessoa tridimensional: pai, marido, amigo, líder, patriota. Indivíduo complexo que, sim, optou por recorrer à violência frente à violência, ecoando um debate antigo que o próprio filme traz à tona para ilustrar as diferentes perspectivas que compõem a militância revolucionária.
Em conversa com o Omelete, Moura resgatou a primeira memória ligada ao filme, datada do final de 2012. Foi quando recebeu das mãos da vereadora Maria Marighella, neta de Carlos, o exemplar da biografia redigida por Magalhães. “Maria me deu o livro e disse: ‘A gente tem que fazer um filme’. E eu queria fazer isso acontecer, porque eu queria ver um filme sobre Marighella”, lembrou. Então só ator, ele se deu conta por meio de um processo de exclusão que era o melhor nome para dirigir a cinebiografia. “A gente começou a falar: ‘Quem vai dirigir o filme? Tem que ser alguém que se conecte ideologicamente com o Marighella, que seja progressista. Era bom que fosse alguém baiano’... Aí, eu comecei a ver que eu mesmo estava ali, pingando na área”, explicou.
O roteiro veio da parceria com Felipe Braga (Sintonia) e começou a ser escrito em novembro de 2013. Às custas de muitas noites de sono – “Nas minhas insônias antes da filmagem, pensava por que eu não fiz um filme sobre o último dia da vida do Marighella”, disse Moura –, a dupla selecionou os dois momentos da vida do guerrilheiro que iriam compor o retrato proposto na trama, além de um segundo foco narrativo. “Eu queria falar dessa geração que resistiu à ditadura militar, que é uma geração muito próxima à minha; que tinha 20 ou 30 anos a mais que eu”, explicou o diretor. “E também da minha insatisfação com a maneira como essas histórias de revolta foram contadas pela narrativa oficial, sempre do ponto de vista do dominador, desde a época da colonização”.
De lá até esta quinta-feira (4), quando Marighella chegou oficialmente às salas de cinema brasileiras, passaram-se praticamente oito anos. Nesse período, a expectativa pela chegada do filme ao seu país de origem só aumentou com a estreia mundial no 69° Festival Internacional de Cinema de Berlim, em 2019. Sob críticas positivas de Devika Girish, do The New York Times, de Stephen Dalton, do The Hollywood Reporter, e de Jonathan Romney, do Screen International, o longa se anunciou como uma intensa celebração à resistência, bem como um manifesto contra a onda conservadora propagada no Brasil e no mundo. Até a análise negativa de Jay Weissberg, da Variety, ainda exaltou a competência técnica das câmeras comandadas por Moura. Em uníssono, entretanto, ecoou a exaltação a um dos grandes acertos do filme: a escalação do músico e ator Seu Jorge no papel-título.