A sensação nas proximidades do Centro de Convenções não era de esvaziamento. Ao menos, não para alguém que, como eu, não tinha outra referência além do que estava diante dos próprios olhos, isto é, as aglomerações no lobby do hotel, nas faixas de pedestre, na entrada das ativações e, claro, nas portas do espaço que há anos sedia a Comic-Con mais tradicional do mundo. Na verdade, se não tivessem me falado, diria que o evento estava lotado. Na ativação da série House of the Dragon, na qual o visitante tinha um gostinho da Westeros dos tempos áureos dos Targaryen e seus dragões, por exemplo, houve dia em que a espera para a experiência ultrapassava as seis horas. Mesmo para entrar no estande da Funko, onde a marca vendia bonecos exclusivos de produções como Ted Lasso, era praticamente impossível — e que não fique dúvidas: escrevo esse relato ainda decepcionada por não conseguir meu sonhado colecionável do treinador do Richmond F.C. Contudo, desde o primeiro dia, meus companheiros de viagem Marcelo Forlani e Thiago Romariz estranhavam a quantidade de pessoas participando do evento. “Deve ter gente ainda insegura por causa da COVID, né?”, apostavam. “No sábado deve encher mais”. E até encheu, mas não para os parâmetros dos dois veteranos de SDCC.
A exigência do uso de máscaras e da comprovação de vacinação (ou de teste negativo de COVID) deve, sim, ter afastado uma parcela do público. Mas descobrimos, por acaso, uma outra provável razão para a diminuição do movimento. Uma moça sentada atrás do Forlani no Hall H contou que comprara seu ingresso e do marido em 2020 — no caso, para a edição que foi eventualmente cancelada por causa da pandemia —, mas que apenas ela pode comparecer neste retorno do evento ao presencial. Sem a possibilidade de transferir a credencial do marido para outra pessoa, ela não teve outra escolha a não ser ir sozinha. Não sei dizer se ela morreu com aquela entrada — talvez o compromisso de trabalho dele tenha surgido de última hora e ele tenha perdido o prazo para pedir reembolso? —, mas a questão toda foi: quem tinha ingresso desde 2020, precisava da sorte de ter a agenda livre ou estar atento para não perder os prazos de devolução da organização; quem não tinha garantido a sua credencial anos atrás, ou se sujeitava a uma guerra de lances no eBay, em alguns casos com valores superiores a US$ 1.000, ou ficava mesmo de fora.
Ainda assim, como eu disse, a impressão que ficou não foi de um evento pequeno. Pelo contrário. Ver como as ruas do centro da cidade formam uma espécie de pavilhão expandido frisou como San Diego realmente não deixou de abraçar a Comic-Con. Para além das artes promocionais das séries e das ativações, todas externas ao Centro de Convenções, os bares ofereciam menus especiais para os visitantes, com drinks batizados em homenagem a heróis da DC e da Marvel; os cosplayers davam uma pausa no seu dia de compras e iam, com todos seus aparatos, comer um hot-dog rapidinho às margens da Baía; até os atendentes do meu hotel vestiram camisetas temáticas e ofereceram a troca da minha chave para um cartão mais geek. Mesmo depois da pausa, a SDCC ainda é parte da cidade, e isso garante uma experiência realmente única da celebração da cultura pop.
As particularidades da San Diego Comic-Con, porém, não se limitam a isso. Acostumada com a CCXP, qual não foi a minha surpresa ao perceber que o Artists’ Alley e as lojas se misturam no pavilhão? Pois é, os artistas estão espalhados por toda a extensão do Centro de Convenções e, no tumulto das promoções e filas, às vezes é fácil passar reto por eles — exceto pelo espaço dedicado às obras do Alex Ross. Este, sim, é prontamente encontrado dado seu tamanho, muito embora o autor mesmo seja ausência confirmada do evento há anos. Também não dá para dizer que esperava descobrir a existência de uma figura conhecida nos corredores como kitty man (“homem dos gatinhos”, em tradução livre), um cara misterioso que deixa pelúcia de gatos do seu lado e some antes de ser notado — a título de transparência é bom dizer que, infelizmente, esse causo não é meu, mas do nosso colaborador Diego Peres, de quem não tive coragem de roubar o presente fofo por mais que eu quisesse muito.
Mas talvez meu maior choque nessa primeira vez na Califórnia para a convenção tenha sido com a vida noturna pós-evento. Na taverna de Dungeons & Dragons, uma ativação especial para o filme estrelado por Chris Pine, eu e o Forlani fomos expulsos assim que o relógio marcou 21h — e expulsos não é figura de linguagem, não. Literalmente um homem veio nos escoltar para fora e, por sorte, naquele momento já tínhamos garantido nossas canecas, pôsteres e, diga-se de passagem, uma foto simulando a luta de espadas mais desengonçada que você pode imaginar. Os bares, por sua vez, pontualmente viravam as cadeiras sobre as mesas às 23h, e não tinha saideira nenhuma que pudesse adiar o fim da noite. Nem na sexta, nem no sábado. Chega a ser engraçado: você até encontrava uma fatia de pizza ou um milkshake na madrugada — aliás, obrigada pelas dicas, Azaghal e Jovem Nerd! —, mas achar uma cerveja depois da meia-noite exigia esforço.