Do lançamento de Super Mario Bros. até o de Wing Commander, nos anos 1990, a indústria de games atravessou apenas uma grande transição geracional em seus consoles: da quinta (1993-2006) para a sexta (1998-2013). Como fonte de inspiração para a sétima arte, até então, predominavam jogos de argumentos narrativos mais sucintos (quando não totalmente ausentes), que permitiam aos criativos de Hollywood uma quase total liberdade de estrutura adaptativa. PlayStation, Nintendo 64, Sega Saturn, Atari Jaguar e um bom número de outros videogames, lançados entre 1994 e 1996, pulverizavam uma oferta de produtos mais rudimentar do que seria o caso a partir da consolidação do quarteto formado por DreamCast, PlayStation 2, GameCube e Xbox, entre 1998 e 2001. Esse afunilamento de consoles não só fortaleceria uma batalha comercial que aumentaria — e muito — a oferta de games dos mais variados, como ainda impulsionaria avanços tecnológicos cada vez mais velozes. Não à toa, entre 2001 e 2012, o mundo assistiria à consolidação da sexta geração como uma das mais longevas de todos os tempos (15 anos), além do surgimento de mais duas: sétima (2005-2017) e oitava (2012-hoje). Também não à toa, as adaptações lançadas nas telonas, nesse período, seriam as mais irregulares tanto em qualidade quanto em nível de satisfação do público.
“Na medida em que os games vão ganhando mais profundidade, muito por conta das facilidades tecnológicas, vai se tornando mais possível fazer games mais cinematográficos. Por consequência, os filmes baseados em games passam a despertar mais expectativa”, analisa Miyazawa. De fato, Lara Croft: Tomb Raider (2001) exibiu um novo nível de comprometimento à iconografia (incluindo, aí, a hiperssexualização da personagem-título, vivida por Angelina Jolie) e ao cânone narrativo da franquia de games então desenvolvida pela Core Design, apesar de seguir os moldes do cinema-pipoca de fácil digestão estabelecidos por Street Fighter e Mortal Kombat. Entretanto, o melhor exemplo de uma grande evolução nas adaptações da época é Final Fantasy (2001); um colossal fracasso comercial que custou US$137 milhões e rendeu só US$85 milhões, mas que reconfigurou de forma marcante, nas telonas, a franquia de RPG da Square Enix em uma ópera espacial lisérgica e pró-ecologia. Dirigida pelo criador dos games, Hironobu Sakaguchi, a produção foi o primeiro longa-metragem de animação em CGI a buscar o fotorrealismo, e por mais que não tenha agradado de forma massiva a crítica especializada (apenas 44% de aprovação no Rotten Tomatoes), foi a primeira — e, talvez, a única — adaptação de games a ser avaliada por alguns como revolucionária. “Final Fantasy é um marco técnico, como os primeiros filmes falados, ou em 3D”, escreveu o crítico americano Roger Ebert, há 21 anos.
Mas, como disse o poeta: um sofre, e o outro ri, e Final Fantasy teve sua relevância artística histórica sufocada por um fracasso comercial retumbante, enquanto Tomb Raider fez sonoros US$274.7 milhões, a partir de um orçamento de US$115 milhões. O recado estava dado, e os anos seguintes foram de uma exploração constante de propriedades criativas dos games que pudessem se enquadrar da forma menos custosa possível em estruturas clássicas (para não dizer arcaicas e obsoletas) do cinema de gênero. Da sequência Lara Croft: Tomb Raider - A Origem da Vida (2003) às tranqueiras House of the Dead: O Filme (2003), Alone in the Dark (2005) BloodRayne (2006), Salve-Se Quem Puder (2007), Em Nome do Rei (2008) e Far Cry: Fuga do Inferno (2008) — todas essas do diretor alemão Uwe Boll, uma espécie de Martin Scorsese antimatéria —, a primeira década dos anos 2000 foi repleta de ótimos exemplos para o pior tipo de “filme de produto” que destaca por Boscov: aquele onde “a parte do produto se sobrepõe de maneira muito negativa, de forma tão preponderante, que trabalha à exclusão de outros aspectos criativos”.
Foram anos complicados para que os fãs de games e filmes seguissem crentes na possibilidade de um dia ver ambas as mídias conjugadas de forma satisfatória, mas aquela dicotomia apresentada lá atrás pelo velho Mortal Kombat volta e meia dava as caras — e aliviava um pouco da dor. “Eu lembro do primeiro filme de Silent Hill [Terror em Silent Hill, de 2006], que eu pirei muito quando vi. Achei muito da hora, porque eu jogava o jogo para o PlayStation. Eles conseguiram trazer muito da vibe do jogo, daquele universo”, comenta Load Comics, criador de conteúdo especializado em cultura pop. “Eu lembro que eu vi esse filme um pouco nova, mais nova do que eu deveria, e ele me marcou bastante. Na época, eu não tinha jogado nenhum Silent Hill e eu acabei me interessando pela história do jogo por causa do Terror em Silent Hill”, ecoa Bruna Penilhas, editora de Games no Canaltech. A adaptação da franquia de jogos de horror da Konami, dirigida por Christophe Gans, também foi lembrada com carinho por Miyazawa, e os três concordam tanto sobre a diversão proporcionada por Resident Evil: O Hóspede Maldito (2002), quanto sobre os rumos errantes que a franquia dirigida por Paul W. S. Anderson (olha ele aí, de novo) tomou nos cinco filmes seguintes: “Desandou”, brincou o jornalista. Mas há quem discorde.
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