O mais fascinante é que Coppola, cinquenta anos depois de todo esse processo, segue muito consciente de que a produção de O Poderoso Chefão não foi algo isolado. Além de voltar a garantir que não tem qualquer interesse em mexer no primeiro filme da trilogia — “Eu posso ter minhas questões sobre algumas decisões, mas sigo muito satisfeito com o resultado” — o diretor também diz que o cenário hoje não é muito diferente dos anos 70 em termos de produzir algo artístico em um meio tão comercial.
“Algo que brinco com estudantes de cinema é dizer que as mesmas razões que o levam a ganhar prêmios pelo conjunto da carreira são os mesmos que o fazem ser demitido na época”, afirma o cineasta, que considera tudo um dilema: “Estar adiantado em uma inovação ou na evolução de um estilo, ser o primeiro pintor a trabalhar com pinturas abstratas ou com o expressionismo, ou no meu caso, se fosse fazer um filme sobre o que meus sonhos realmente são, seria bem mais difícil de obter financiamento, mas seria algo que viveria mais tempo”.
Coppola cita inúmeros exemplos históricos dessa reincidência, de Orson Welles e Glauber Rocha ao húngaro Ferenc Molnár e sua peça Liliom, passando até mesmo pela ópera Carmen. “O grande compositor Georges Bizet foi tão vaiado e ridicularizado que morreu acreditando que aquela era seu maior fracasso, enquanto hoje Carmen é a ópera mais popular de todo o repertório”, argumenta durante a conversa. “Como se lida com isso, que a única coisa que confirma o valor de uma obra de arte é o teste do tempo? No meu caso, tive muita sorte porque mesmo que de vez em quando alguns dos meus filmes tenham sido muito criticados ou ridicularizados, com o tempo eles se tornaram respeitados, e isso é muito gratificante”.
Ele também vê nos grandes lançamentos de hoje essa tendência, ainda que lamente mais por justamente ver produções originais serem obrigadas a se adequar aos conformes. Isso inclui obviamente Megalopolis, projeto que há anos busca realizar e recentemente conseguiu financiamento, mas também envolve sucesso maiores do circuito como Duna e 007: Sem Tempo Para Morrer:
“Um filme contemporâneo como o novo Duna conta com artistas muitíssimos talentosos, mas é basicamente uma repetição", diz. "Se você olhar com atenção, você vê muito do que já viu antes, como acidentes de carro, quedas de helicóptero, tudo isso são ideias já utilizadas. Para mim, é um desperdício de talento: os diretores claramente têm muito talento, assim como o elenco, mas o filme não me engaja, eles não aproveitaram a oportunidade para fazer algo realmente contemporâneo, o que eles podiam ter feito. Mesmo um filme que custa US$ 250 milhões como o novo James Bond, [nele] há muita imaginação e um diretor maravilhoso, mas se eu levá-lo a uma ilha de edição, cortar coisas de Duna e cenas do novo Bond, elas serão as mesmas cenas. E você precisa disso, porque é o que te garante o financiamento e distribuição. É uma pena”.
Mas é justo na própria carreira que o diretor comenta com maior precisão todo esse processo: “Quando lancei O Poderoso Chefão Parte II, eu estava no topo do mundo. Eu era jovem, havia feito dois filmes que foram muito bem sucedidos, havia vencido os maiores prêmios possíveis, eu tinha cinco prêmios Oscar… e ainda assim, no ano seguinte, quando tentei fazer Apocalypse Now, ninguém queria me produzir. O fato de eu ter tido tanto sucesso e tantos Oscar não me ajudaram em nada. O fato de eu ser dono de Apocalypse Now hoje, inclusive, é porque eu era o único que queria fazê-lo”.