Em uma noite dominada por situações inexplicáveis, o contraste de dois momentos muito particulares ajuda a explicar o que foi a cerimônia do Oscar 2022. O primeiro é singelo e, por incrível que pareça, diz respeito a um dos curtas vencedores da noite: enfim recebendo um Oscar por The Long Goodbye, o ator e músico Riz Ahmed deu o que talvez tenha sido um dos discursos mais bonitos da edição ao citar os “tempos divididos” que cercam o mundo e dedicar sua estatueta a todos que sentem não pertencer a lugar algum. “Você não está sozinho. Nós vamos te encontrar. É aí que está o futuro. Paz.” verbalizou o artista no palco, fazendo uma citação muito pontual à guerra na Ucrânia.
Já o segundo envolve um dos vários esquetes orquestrados pela produção, um tour pelo recém-inaugurado museu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas com a apresentadora Wanda Sykes para divulgação do estabelecimento na premiação. O que era para ser uma iniciativa simpática de vender um dos principais ganha-pães da entidade depois do Oscar se converteu rapidamente numa situação de constrangimento, porém, com a comediante visitando os diversos espaços e mostras do edifício somente no intuito de fazer piada irônicas com os mesmos. “É que você nunca viu o Jason Momoa depois de um dia filmando Aquaman” brincou Sykes em determinado momento, ao avistar os adereços do monstro de A Forma da Água em exibição no museu.
Essas duas cenas podem ser antagônicas em premissa e efeitos, mas a importância dada a cada uma foi diferente do esperado. Por mais bonito que tenha parecido, o discurso de Ahmed passou discreto por ser uma das oito categorias do prêmio que este ano foram anunciadas antes da transmissão, editado depois para dentro dos trabalhos da premiação. O segmento do museu com Sykes, enquanto isso, ocupou longos sete minutos do Oscar, esgotando até a última gota sua proposta sem graça de comédia.
É como se uma verdadeira balança de prioridades corrompida tivesse norteado todas as decisões da produção da cerimônia este ano, preso a um olhar dos filmes muito mais próximo ao de Sykes na visita guiada do que gostaria de admitir. Vindo de um 2021 marcado pela queda histórica de audiência, o Oscar do último domingo pareceu ser sobre tudo menos o cinema ao qual foi criado para celebrar, desesperado demais para encontrar um público e apenas isso. Não seria algo muito diferente dos outros anos - que também miraram a viralização nas redes sociais a qualquer custo sem sucesso depois da selfie de Ellen DeGeneres - se isso não fosse feito em detrimento da própria premiação, escondida no ritmo troncho do que soou em boa parte do tempo como um programa de variedades sem grandes atrações: um ambiente controlado até o último fio de cabelo, mas sem charme e inspiração que justificasse tal empreendimento.