De volta a
Pandora

Com a chegada de Avatar: O Caminho da Água aos cinemas,
revisitamos o que tornou a franquia tão especial

Pedro Strazza | @pedrosazevedo Colaborador

Um homem desperta de uma cápsula de hibernação em uma espaçonave, na qual viaja a um planeta desconhecido, distante da Terra e explorado pela humanidade por um metal valioso. Lá, ele entra em contato com uma civilização alienígena isolada, no interesse de ajudar a negociar a passagem humana naquele território inóspito, mas acaba se envolvendo com o lugar e o povo, lutando contra aqueles que buscam subjugá-los.

É com essa premissa elementar que Avatar surpreendeu o público em 2009, longos 13 anos atrás, se tornando um dos filmes mais bem sucedidos da história – até hoje, é dele o título de maior bilheteria de todos os tempos. Um feito surpreendente para alguns, talvez, mas muito coerente quando se pensa na grande revolução por trás do universo da trama. Isso seja no campo tecnológico, tão alardeado no noticiário, quanto no cultural, tão debatido e mal compreendido nas redes sociais.

Para Ivana Bentes, professora titular da UFRJ e autora do livro Avatar: O Futuro do Cinema e a Ecologia das Imagens Digitais, o filme impactou de uma forma diferente de qualquer discurso político pela capacidade de envolver o campo do desejo. “Ele está na frente de uma série de debates que definem as teorias do antropoceno, que nossa espécie pode ser causadora da destruição”, explica a pesquisadora.

Como parte da cultura de massa, ele interfere na ideia do desejo, torna todas as reivindicações do meio-ambiente palpáveis no mundo imaginário. Ele é uma fábula dos novos tempos.”

Com uma sequência prestes a chegar aos cinemas, no próximo 15 de dezembro, e a grande distância para o original que começou toda a saga, há quem se pergunte de onde vem essa pulsão que move Pandora em todas as suas transformações, esquecida por parte do público que rejeita seu justo lugar no imaginário coletivo pela sátira e a negação direta. Ou seja: há uma grande história a ser redescoberta.

ORIGENS

Como toda boa história, Avatar nasce com ares de mitologia. Desde as primeiras divulgações do projeto até o marketing mais recente com as sequências, o diretor James Cameron sempre defendeu que a história dos Na’vi lhe veio em um sonho na juventude, quando certa noite dormiu imaginando uma floresta e um rio bioluminescentes. Ele teria acordado e imediatamente desenhado tudo que viu, usando como referência para muito do que se viu na tela uma década e meia depois.

Pondo-se o discurso pomposo de lado, porém, é interessante perceber o quanto a conexão do cineasta com a natureza, base elementar de todo o filme, vem da própria formação. “A inspiração é toda a minha vida, minha infância”, diz Cameron no documentário Capturando Avatar, de 2010, onde também explica sua proximidade com a vida animal enquanto crescia no interior do Canadá. “Passei muito tempo na floresta. Adorava animais, eu pegava tudo que se mexesse, o estudava e virava meu animal de estimação. Cobras, rãs, anfíbios, o que conseguisse apanhar”.

Some isso à paixão pela fantasia e a ficção científica, além da dedicação desde cedo às artes, e não é tão difícil assim entender como o diretor passou anos brincando com os conceitos que mais tarde se tornaram o filme. E depois de construir uma carreira baseada nos desafios de produção e no desejo de seguir avançando as tecnologias de efeitos visuais, o projeto virou um cruzamento de todos os seus interesses.

Aos olhos de Cameron, Avatar é o filme mais avançado tecnologicamente que lida com o assunto menos tecnológico possível. “A ironia está no filme ser sobre o relacionamento com a natureza, e como nossa civilização tecnológica nos distanciou de uma existência natural e as consequências disso para nós.

Chegar a Pandora, porém, foi uma jornada em si. Um primeiro tratamento do roteiro foi apresentado pelo cineasta a Jon Landau, produtor e parceiro criativo de longa data, em 1995, durante a extensa preparação para as filmagens de Titanic. O plano em determinado momento foi engatilhar a produção de um no outro, mas as limitações técnicas se revelaram um empecilho.

Foram necessários seis anos para que Cameron e Landau encontrassem uma solução que viabilizasse a criação de Avatar. A resposta veio durante a pesquisa para Brother Termite, projeto que nunca saiu do papel, mas que revelou à dupla as possibilidades inscritas na tecnologia de captura de movimento.

Era um filme que envolvia um personagem alienígena em Washington, D.C., e precisávamos que o personagem interagisse com pessoas”, reconta o produtor em Capturando Avatar.

“Testamos uma sequência em captura de movimento, e Jim pensou em fazer a atuação do rosto com um processo baseado em imagem. Foi o nos mostrou que havia potencial para finalmente sermos capazes de fazer um filme como Avatar.”

A CAPTURA DE MOVIMENTO

A questão de como criar um mundo digital de forma verossímil foi posto como desafio pela produção desde o primeiro momento. Com a 20th Century Fox fechando acordo de US$ 10 milhões para produção de um protótipo, Cameron e Landau puderam passar um ano dedicados na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para o filme.

No começo dos anos 2000, o trabalho de criação de efeitos visuais começou a adentrar o CGI de forma definitiva, com produções como O Senhor dos Anéis e King Kong provando a executivos que o público conseguia se relacionar com personagens gerados por computador. A captura de movimento, porém, ainda oferecia obstáculos que dificultavam o processo criativo. Não existia uma forma de avaliar os resultados de uma performance no momento de seu registro, já que o funcionamento se dava a partir de câmeras de referência: se filmava o ator trabalhando sob a maquiagem dos marcadores para, depois, a equipe produzir o boneco e os ambientes.

Foi durante uma visita ao set de Beowulf, de Robert Zemeckis, que James Cameron percebeu o quanto sua produção se beneficiaria de um refinamento desse aparato - até porque seu filme envolveria múltiplas performances no formato. Para Avatar existir, era necessário ter algum parâmetro em tempo real das filmagens.

Quem encontrou o caminho para isso foi Rob Legato. Em abril de 2005, o supervisor de efeitos visuais apresentou à equipe alguns dos testes que conduziu com um novo modelo de câmera virtual, feito de peças sobressalentes e que funcionava em um esquema de pós-produção. O mais importante: o aparelho era leve, permitindo que Cameron assumisse o comando em pessoa e comandasse cenas do jeito que bem entendesse.

A câmera criada por Legato permitiu um novo leque de abordagens da equipe ao chamado volume, o espaço onde era registrado o motion tracking dos atores marcados. Com centenas de câmeras posicionadas ao redor do “palco”, Cameron recebia em tempo real no aparelho as imagens pré-renderizadas que estavam sendo filmadas. A “câmera” nas mãos do realizador é chamada assim mais por conveniência que precisão técnica: não há lentes no aparato, mas, pelo monitor, o diretor pode ver como seus atores estão se saindo e orientá-los com maior precisão.

Um teste do sistema com dois atores, Yunjin Kim e Daniel Bess, foi feito quatro meses depois, já levando em conta designs iniciais dos Na’vi e com menos de um minuto de duração. A pós-produção desse material foi finalizada pela Industrial Light and Magic em 2006, e foi aí que Avatar deixou de vez a posição de sonho distante para virar realidade.

“Quando vimos o clipe de 37 segundos, sabíamos que iria funcionar”, diz Cameron no documentário. “Era só uma questão de quão fácil seria, o que não foi, quanto iria custar e quanto tempo demoraria. Mas nunca duvidamos que poderia ser feito.”

CONSTRUINDO O MUNDO DE PANDORA

Enquanto se procuravam formas de facilitar a extensa produção de Avatar, Cameron e Landau também se preocuparam de estabelecer uma equipe criativa em Malibu para construir os visuais e lógicas de Pandora e dos Na’vi. “Fizemos as duas coisas simultaneamente, com grupos separados de pessoas”, relembra o produtor.

As coisas começaram a andar de vez quando os desenhistas de produção Rick Carter e Rob Stromberg foram chamados para trabalhar no filme. Contratada inicialmente para ajudar na apresentação do projeto à Fox, a dupla liderou o time na criação dos principais aspectos do mundo alienígena, ancorados na visão muito definida de Cameron para vários elementos e, mais importante, a narrativa geral do longa.

Carter explica que a meta principal era evoluir o planeta de um cenário hostil para um desbunde estético. “Quando você chega lá [em Pandora], é um lugar assustador. Quisemos usar esse fator de casa mal-assombrada, você não quer entrar naquele espaço a princípio. Mas com o tempo, o ambiente evolui junto dos personagens e se torna algo belo, que você passa a respeitar tanto quanto o povo que o habita.

Cameron queria com isso uma qualidade de sonho ao filme, em que o olho fosse educado através da experiência narrativa. “Primeiro a gente ia descer passando por nuvens, depois iríamos à base humana, e então sairíamos da base e entrar na floresta, mas durante o dia, gradualmente levando o público mais para dentro da experiência alienígena de Pandora”, explica o diretor, que acrescenta: “A gente sabia que no final estaríamos em uma floresta toda digital com personagens digitais - e tinha de parecer real.

Para isso, a produção se inspirou em várias regiões da China para as paisagens de Pandora, combinando esses visuais montanhosos com as selvas da Venezuela. Além disso, flores exóticas e líquens foram reaproveitados em uma escala diferente para se chegar ao aspecto primitivo e muito diferente das vegetações, parte do encanto que move essa viagem de Jake e outros personagens humanos.

Consultora de botânica no filme, Jodie S. Holt explica que a principal meta de Cameron era fazer do planeta “um lugar possível”, com o máximo de ciência aplicada: “Em Pandora, como qualquer lugar, os fatores ambientais que influenciaram as plantas são a luz, a radiação solar, que é necessária para a fotossíntese… E há um forte campo magnético e uma gravidade fraca, então elas poderiam crescer mais, o que explica o gigantismo”. A bioluminescência, tão cara ao diretor, está inscrita nesse raciocínio, com plantas desenvolvendo essa capacidade após milhares de anos no escuro.

Já a fauna do planeta foi pensada a partir de uma diretriz inicial: os animais tinham que ter seis membros. “Todos são hexápodes até certo ponto, até nas criaturas voadoras há vestígios disso”, explica Neville Page, chefe do design de criaturas, que também pesquisou rãs venenosas e peixes tropicais de recife para chegar à paleta de cores destes animais. “As criaturas são muito coloridas, brilhantes, vistosas. Você olha para elas e diz ‘Uau’. É como um grande quimono vindo em sua direção.

Tudo de acordo com a visão de Cameron, claro. “Levamos quase dois anos para terminar os banshees, e uma coisa que sempre ressaltava era: ‘Qual a metáfora? O que tentamos dizer ao público?’ O que estamos comunicando com cada osso e nervo que pomos nessa criatura?’. E a resposta da pergunta da metáfora com o banshee é: ‘Quero que seja uma ave de rapina. Como uma águia, mas alienígena’”, relembra o diretor.

A criação dos Na’vi ficou a cargo da Weta Workshop, que estreitou as relações dos estranhos seres azuis com a cultura dos povos do pacífico. Tecelões foram chamados para traduzir essa aproximação nas peças usadas de referência pelo time de efeitos visuais, marcações físicas que permitissem ao mundo digital ganhar algum grau de realismo. Cameron queria um povo de cultura neolítica, incapaz de usar metais por conta dos campos magnéticos do planeta, mas que refletisse também sua filosofia de vida alinhada com a natureza, então elementos como osso, cristal e couro se proliferaram no trabalho da figurinista Deb Scott.

A construção do povo enquanto ser vivo, nesse meio tempo, se aprofundou numa combinação de fatores. Enquanto a cor azul permaneceu inquestionável desde a gênese, traços animalescos como orelhas, rabos e focinhos salientes foram incorporados à estética alienígena. Maquetes físicas, produzidas por Jordu Schell, ajudaram a equipe a chegar ao resultado final, que variava drasticamente de indivíduo a indivíduo

Houve também a busca pelo idioma. Cameron trabalhou de maneira próxima com Paul Frommer, professor da Universidade do Sul da Califórnia, para chegar na linguagem usada pelos Na’vi, uma derivação de vários elementos polinésios e recheada de indicadores de pronúncia. “Ele queria alguma coisa que não parecesse algo já conhecido, mas que também fosse factível, permitindo aos atores o aprendizado rápido”, relembra o acadêmico, que ainda define o trabalho no documentário como “um exercício de tradução sem um dicionário”.

O elenco que o diga. Enquanto todos os atores tiveram a experiência traumática de fazer o teste pro filme improvisando falas em Na’vi no roteiro fornecido, Zoë Saldaña foi instruída pelo diretor a estabelecer no set o sotaque da tribo, dado que Neytiri era o membro com maior número de falas na história.

Para Ivana Bentes, o resultado final de todo esse esforço está na forte imersão provocada pela narrativa, cuja cenografia compara ao surrealismo e às pinturas de René Magritte: “Tudo impacta de forma muito positiva no tema real e concreto do meio-ambiente, é uma feliz articulação entre tecnologia, estética e o campo político.

O 3D

Além da câmera virtual, Cameron também se dedicou bastante no desenvolvimento de um aparato que facilitasse o trabalho das filmagens em 3D nas cenas com atores e set reais.

A tecnologia era uma paixão antiga, com a qual já havia trabalhado antes durante a produção de T2 3-D: Battle Across Time, a extinta atração dos parques da Universal. Na época, ele sentiu em primeira mão a dificuldade de se trabalhar com o formato, cujas câmeras do tamanho de geladeiras complicaram a logística e inviabilizaram planejamentos mais arrojados de cena.

O diretor trabalhou por anos com Vince Pace, diretor de fotografia da equipe de Los Angeles, em uma forma de diminuir o tamanho da máquina e permitir o melhor manuseio da câmera. Chegou-se ao Fusion Camera System, que, além de aliviar o peso, juntava duas câmeras Sony F950 com um separador de feixe para fotografar duas imagens simultâneas, além de permitir ajustes rápidos do efeito tridimensional pelos operadores a partir de servomotores estrategicamente posicionados.

A primeira vez que vimos o sistema, chamamos de Reality Camera System, pois tentamos imitar a experiência da visão humana, a realidade por assim dizer”, recorda Pace; “Jim deu o nome Fusion, que é a fusão entre criatividade e tecnologia. Ele é a fusão de duas imagens para formar uma, é exatamente o que fazemos.

O sistema foi testado por Cameron pela primeira vez em Fantasmas do Abismo, documentário em que revisitou os destroços do Titanic, e ainda foi usado em outros quatro filmes comerciais (U2 3D, Viagem ao Centro da Terra, Jonas Brothers 3D: O Show e Premonição 5) antes do lançamento de Avatar. Graças ao digital, as cenas em 3D ficavam prontas automaticamente, agilizando ainda mais a longa produção e reforçando o desejo do cineasta em criar “uma obra-prima do cinema profissional para produções tridimensionais”.

Os filmes (e projetos) que moldaram o caminho de Avatar

OS DESAFIOS DAS FILMAGENS E DA PÓS-PRODUÇÃO

Depois de dois anos trabalhando no refinamento do sistema de captura de movimento, as filmagens de Avatar começaram oficialmente em abril de 2007. Pouco antes do início da produção, James Cameron levou o elenco na ilha de Kauai e encenou cenas inteiras da parte “virtual” do roteiro para ambientar os atores no mundo criado por ele, com direito a figurinos completos.

Foi uma questão de tornar real aos atores”, explica em Capturando Avatar. “Eles foram convencidos de que, independente do que fizessem no dia, seria definitivo, que ficaria para o personagem deles em CG. Eu disse que não seria só a voz.

Tornar as filmagens práticas e reais aos atores foram duas guias que orientaram as filmagens virtuais. Além dos intérpretes e dublês, a produção criou sets, modelos de criaturas e até trouxe cavalos reais para simular toda a ação que era capturada. Era como se uma grande caixa de ferramentas se materializasse, tornando o volume espacial apenas na base da criação de Pandora.

As cenas aéreas são o maior exemplo desta abordagem. Além de fabricarem simulações de montarias para ajudar os atores a replicar com precisão a movimentação de seus personagens enquanto cavalgando os banshees, a equipe também trabalhou com modelos de miniatura para orientar o balé dos elementos em voo, sincronizando tudo depois com o motion tracking dos artistas.

Esse trabalho, claro, exigiu muito não só dos times como do próprio software. Montadores do filme, Stephen Rivkin e John Refoua lembram que a cena do ataque à grande árvore quase derreteu o computador em que trabalhavam, por conta da quantidade de elementos somados na pós-produção - dos cavalos aos atores principais, passando pela verdadeira multidão de Na’vis, as naves humanas e os cenários digitais.

Achamos que havíamos aprendido tudo no primeiro ano de pesquisa e desenvolvimento, pois tínhamos feito um teste em uma cena com duas pessoas, mas não havíamos feito cenas com dez ou cem pessoas”, conta Jon Landau no documentário. “Essas cenas foram as mais difíceis da produção virtual.

Se tudo isso soa exaustivo, vale apontar que foi apenas uma fase do processo. Em paralelo a todo esse trabalho, que incluía ainda as filmagens em live-action - que tomaram outros quatro meses de uma equipe completamente diferente - James Cameron passou um ano retrabalhando as imagens virtuais, “filmando” as cenas da forma como apareceriam no filme sozinho no volume para estabelecer os planos que seriam finalizados pelo time de efeitos visuais.

Era outra inovação de Avatar. Ao invés de trabalhar do zero, a pós-produção pela primeira vez recebia cenas com todos os elementos de composição ordenados, da iluminação à direção de arte.

Nas palavras de Joe Letteri, supervisor de efeitos visuais da Weta Digital, “uma colaboração”, mas que demorava: A primeira sequência foi entregue à produtora em fevereiro de 2007 e finalizada em maio de 2008. Com o apoio de outras empresas, em torno de 200 tomadas eram renderizadas nas últimas semanas da pós, que encerrou de vez em 28 de novembro.

HOUVE LEGADO?

Nos dias de hoje, Avatar é um filme que é encarado com descrença por uma parcela do público. Não à toa, um ponto de discussão recorrente sobre o filme ao longo dos anos, em especial nas redes sociais, é a questão do impacto cultural do filme. De tempos em tempos, defensores e detratores brigam de novo sobre o que a produção teria deixado de marca na cultura pop, além das grandes revoluções e a conquista do posto de maior bilheteria de todos os tempos.

Enquanto se debate os méritos no pop, Ivana Bentes acredita que o filme deixou um legado pungente tanto pelo lado lúdico, do desejo de estar em Pandora, quanto pelas questões reais em relação ao meio-ambiente: “O filme traz uma visão distópica e realista do que pode se tornar o planeta se nada for feito”, reflete a acadêmica, que ainda cita essa conexão humana com a terra através da tecnologia como uma forma de apontar a necessidade de impor limites à exploração do capitalismo contemporâneo.”

Embora a internet sempre se restrinja às comparações mais superficiais e falhe em admitir as mudanças do cenário na última década, as conversas sobre o filme trazem uma questão que acompanha o longa desde sua gênese enquanto projeto. Além das duras negociações com a Fox - em entrevista recente à GQ, Cameron lembrou de uma reunião em que ouviu Peter Chernin, então CEO da Fox, perguntar se não seria possível “se livrar da besteira hippie” - a produção ainda lidou com a descrença do próprio público durante a divulgação.

Na época do primeiro trailer, por exemplo, a revista The Hollywood Reporter chegou a noticiar que o material foi recebido na internet de uma forma que “não era tão diferente assim” da expectativa para Titanic, nos anos 90. “Foi aquela coisa de ‘por que tanto barulho? Parece os Smurfs ou os Thundercats’.”, recorda Cameron. “Logo surgiram críticas pesadas na internet, havia 7.500 comentários descendo a lenha no filme, dizendo que seria um fracasso.

Mas o marketing de Avatar não se rendeu à inocência de achar que o material seria suficiente para engajar o público. Depois de exibir cenas do filme pela primeira vez em uma convenção de exibidores em Amsterdã, Jon Landau conta que se percebeu ali que o filme precisava de estratégias de divulgação nem tão tradicionais para impactar os espectadores.

Veio aí a ideia do Avatar Day: em 21 de outubro, um dia depois do lançamento do trailer, foram promovidas exibições gratuitas de 15 minutos do filme e em cinemas ao redor do mundo. As reações foram muito melhores que a do evento, segundo o produtor, e a partir daí pavimentou-se o caminho para o sucesso estrondoso do longa.

O resultado é conhecido: lançado em 18 de dezembro de 2009, o filme demorou pouco mais de um mês para se tornar a maior bilheteria da história, terminando sua passagem inicial pelos cinemas com US$ 2,7 bilhões acumulados - o primeiro filme a cruzar a barreira dos US$ 2 bilhões, ainda. Os relançamentos da produção, feitas para incluir cenas antes deletadas e até a versão remasterizada em 4K, impulsionaram o número para um valor próximo dos US$ 3 bilhões.

Ainda que os números de arrecadação sejam vistos por parte do público como algo a ser desconsiderado quando se tratando do tema de Avatar ser ou não lembrado nos dias de hoje, as reexibições mais recentes mostram que o interesse pelo filme continua vivo. Na última passagem pelos cinemas, ocorrida em 22 de setembro e como parte da promoção da continuação, a produção alcançou a sétima posição da bilheteria norte-americana, com novos US$ 10 milhões - no Brasil, ele conseguiu ficar na terceira colocação do fim de semana, com R$ 3,3 milhões arrecadados.

Que esses números tenham sido alcançados com um filme que na última década não gerou derivados e permaneceu inativo no licenciamento, focado no desenvolvimento de uma sequência que chega agora aos cinemas, só denota a força silenciosa de Pandora no imaginário pop.

O QUE ESPERAR DA SEQUENCIA?

Um dos grandes pontos de discórdia da internet, as sequências de Avatar se tornaram uma lenda tão grande quanto o original mesmo antes de chegar aos cinemas.

O longo tempo de desenvolvimento -foram 13 anos de espera entre o primeiro e segundo capítulos-, as expansões contínuas da franquia durante a produção da continuação, os adiamentos… somadas à performance estrondosa e as grandes inovações do original, tudo isso contribui para uma expectativa que passeia entre a curiosidade da própria continuidade da história e o desafio. Afinal, poderia Avatar: O Caminho da Água estar à altura de seu antecessor?

Para James Cameron, o projeto é íntimo. Já com 68 anos, o diretor conta à GQ que, com a franquia, ele podia continuar a explorar tudo que gostava e se importava, incluindo sua relação pessoal com a paternidade e o balanço que faz com os projetos grandiosos que assume. Esse tema é central aos caminhos da primeira continuação, que acompanha Jake e Neytiri agora com seus filhos em uma Pandora diferente, subaquática.

Zoë Saldaña que o diga. Durante sua passagem na CCXP22, no começo de dezembro, a atriz comentou as sequências filmadas debaixo da água, que permeiam o novo filme e destacam o mundo marinho de Pandora. “Nós tivemos que aprender a fazer mergulho livre, e não apenas atuar um metro e meio debaixo d’água, mas nove metros. E é obviamente James Cameron, então você não vai dizer não”, brincou durante o encontro no palco do evento.

“Nós tivemos que aprender a fazer mergulho livre, e não apenas atuar um metro e meio debaixo d’água, mas nove metros. E é obviamente James Cameron, então você não vai dizer não”, brincou durante o encontro no palco do evento.

Também presente no evento, Jon Landau disse que o esforço maior de O Caminho da Água foi mesmo de superar as projeções dos espectadores. “Foi sobre dar ao público algo que nunca viram antes, subir de nível e estabelecer um novo parâmetro. Foi um desafio que pusemos para superar tudo que havíamos feito antes.

A atriz também destacou o quanto a continuação reencontra o olhar de deslumbramento do público com a nova geração de personagens que adentra a trama, mas mantendo os arcos de Jake e Neytiri intactos. “Essas crianças são poderosas e magníficas, porque são filhas deles”, diz Saldaña; “A gente vai poder experimentar Pandora e os oceanos de Pandora por seus olhos, e vamos assistir tudo enquanto eles também descobrem isso pela primeira vez.

Nós queremos ser diferentes”, complementa Landau. “Queremos ter a oportunidade de transportar as pessoas para fora do mundo atual, de escapar do noticiário e viajar a um lugar de grande beleza. Mas ainda é um lugar onde você precisa achar um propósito, onde celebramos a diversidade de culturas, a diversidade de pessoas e a apreciação da natureza e da vida selvagem.

Em outras palavras, o mundo de Pandora continua vivo, mais vibrante e colorido do que nunca, com as ideias de James Cameron ainda marcadas na grande árvore de memórias que é agora a franquia.

Publicado 09 de Dezembro de 2022
Edição de texto Beatriz Amendola | @bia_amendola
Design Paola Murbach | @paprycca
Coordenação Jorge Corrêa | @jorgecorrea_