Chadwick Boseman
Para Sempre

Com uma carreira tão curta e magnífica quanto um cometa, Boseman deixou um legado de muitas lições e empoderamento para toda uma geração. Um ano após sua morte, o Omelete ouviu especialistas sobre a herança que temos hoje.

Pedro Henrique Ribeiro | @OiPhRibeiro Repórter

O ator Chadwick Boseman nasceu em 1976, no estado norte-americano da Carolina do Sul. Dono de brilhantes atuações, ele mostrava talento para a arte desde o ensino médio, quando escreveu e encenou sua primeira peça, Crossroads, feita em memória de um colega que morreu baleado. Entretanto, a meta inicial de Boseman na arte era seguir carreira como diretor e roteirista. Por conselho de professores, ele estudou atuação para se relacionar melhor com os elencos e ele acabou descobrindo seu verdadeiro dom. Depois de começar a atuar profissionalmente, ele não parou mais.

Iniciando em papéis pequenos, seu primeiro trabalho foi em 2003, na série Parceiros da Vida. Após isso, ele fez participações em séries como Lei & Ordem, CSI: Nova Iorque e Plantão Médico, até conseguir papéis maiores em seriados como Lincoln Heights e Sem Saída. Em seguida, ele iniciou os passos nas telonas, atuando em filmes com diferentes propostas, como a cinebiografia de James Brown, Deuses do Egito e o próprio Pantera Negra.

Boseman foi grande tanto em trabalhos mais artísticos quanto em longa-metragens arrasa-quarteirão, como Capitão América: Guerra Civil, da Marvel - a primeira vez que ele apareceu nas telonas com o manto do Pantera. “Construir uma carreira assim é algo raro e para poucos artistas, que sabem dialogar com diferentes públicos e modos de produção, sem perder a excelência artística. Por isso ele foi tão respeitado”, explica o crítico de cinema Miguel Arcanjo Prado.

Além dessa entrega no que diz respeito à atuação, o que Boseman fez em vida transcende as telas de cinema. Ele sempre servirá de inspiração para crianças e adultos negros que precisam se sentir representados em uma tela. A preocupação dele com qual mensagem o seu trabalho passaria fez a diferença. A carreira do ator deixa lições para fãs e outros artistas que possam enxergar nele um exemplo a ser seguido.

“Chadwick foi muito grande ao construir um legado como este: feito de esperança, para todas as pessoas negras. Ele fez isso ao dar vida ao rei T’Challa. Por isso ele é, para sempre, nosso Pantera Negra. Um símbolo da excelência, de poder e da riqueza cultural que nós, negros, temos”, acrescenta o apresentador do Omelete, Alê Garcia.

Essa era a essência de Boseman e ele manteve essa postura até o fim. O ator escondeu um câncer para continuar atuando mesmo com a saúde já debilitada e entregou trabalhos incríveis em 2020 como Destacamento Blood e A Voz Suprema do Blues, sendo que este lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator e vários elogios. Ele morreu em agosto daquele ano por decorrência da doença. “Ao esconder o câncer para seguir trabalhando, ele demonstrou que o compromisso com a arte, quando se é um artista de verdade, é algo que transcende a vida. Por isso seu legado jamais morrerá”, diz Prado.

O grande legado de Boseman será o incrível corpo de trabalho que ele criou em apenas sete anos: um catálogo de figuras heroicas congeladas no tempo, para serem lembradas para sempre. Um ator que precisou esconder a dor para hackear o sistema poderoso que é Hollywood, porque, em sua carreira, precisava transformar estas palavras em ação: se não ocuparmos os nossos tronos, nós não poderemos empoderar a nossa comunidade.
01-ALÊ.png
Alê Garcia, apresentador do Omelete
Chadwick deixa um importante legado não apenas no tocante ao talento que imprimiu a cada personagem que interpretou de forma tão crível, mas também um legado inestimável de representatividade, elevando a autoestima do povo negro e de gerações futuras com seus personagens. Pantera Negra o colocou em outro patamar do inconsciente coletivo mundial, o de um super-herói negro no qual as crianças (e os adultos também) puderam se espelhar. Estive em sessões de cinema do filme, e posso dizer que Pantera Negra foi uma produção realmente catártica e histórica para a população negra em todo o Planeta.
02-MIGUEL.png
Miguel Arcanjo Prado, crítico de arte
Chadwick Boseman deixa um legado de muita dignidade na busca de comunhão com os seus através dos filmes. Com sua interpretação ele sempre nos leva a uma reflexão sobre nós mesmos, nosso papel no mundo e, sobretudo nestes novos tempos, ele nos trouxe lições de resistência. Hoje ele é para mim, um ancestral que ilumina os meus passos e minha forma de trabalhar. Meu novo filme Doutor Gama está imbuído dessa energia criativa.
03-JEFERSON.png
Jeferson De, cineasta
O legado de Chadwick, com tudo o que ele se propôs a fazer, é marcado por esse lugar de trazer uma representatividade muito forte no personagem ou interpretar figuras muito importantes para a história negra. Para mim, ele faz parte de um movimento que reescreve a história dos negros no mundo no sentido de que o entretenimento teve sempre um lugar muito importante na construção do imaginário dessas pessoas. Não tem como apagar. Sempre que formos falar do Pantera Negra, será no nome desse cara que cravou seu nome na história de um jeito muito bonito que vamos tocar.
04-ANDREZA.png
Andreza Delgado, co-criadora do PerifaCon
Quando eu soube da notícia da perda do Chadwick, fiquei arrasado, assim como todos os fãs. Recebi tantas mensagens, parecia que eu havia perdido um irmão. Me isolei das redes sociais, cogitei deixar o cosplay do Pantera Negra, mas mesmo partindo, Chad deixou uma grande lição: nunca desistir. Mesmo sofrendo com o câncer, ele não desistiu dos seus sonhos e objetivos, atuando e dando vida a diversos personagens e ajudando vários jovens e instituições. Acredito que o T'Challa do MCU fez tanto sucesso, porque tinha características do próprio Chad, carisma, empatia. Para mim esse foi o legado que Chad deixou, nunca desistir independente das dificuldades e sempre estender a mão para ajudar. Um verdadeiro rei.
05-WELLINGTON.png
Wellington Silva, cosplayer do Pantera Negra

UM TRONO VAZIO

No universo Marvel, o povo de Wakanda tem, por gerações, seguido e adorado o Pantera Negra, um guerreiro com poderes divinos concedidos pelo deus pantera Bast após provar ser digno em um torneio de combate aberto a todos os wakandanos. O país possui uma tecnologia extremamente avançada em comparação ao resto do mundo, mas sem descartar suas tradições centenárias. Para manter tudo isso, a nação não aceitava visitantes nem interferia em assuntos exteriores. Tudo isso mudou com o reinado de T’Challa, filho de T’Chaka. A revolução do Pantera Negra aconteceu tanto na história quanto nos bastidores, tudo graças ao trabalho de Chadwick Boseman.

Boseman passou por uma experiência vivida por poucos atores: ele foi escolhido para o papel de Pantera Negra sem precisar fazer audição. Isso após ter sido reprovado em testes para Homem de Ferro 3 e Guardiões da Galáxia. Para o filme de James Gunn, o ator se candidatou ao papel de Drax e a responsável pelo elenco disse que a presença de palco de Boseman era surpreendente. “Eu realmente penso que [essa qualidade] veio da profundidade de sua humanidade e sua habilidade de se conectar com isso e canalizá-la como ator. Ele carregava uma presença muito forte. Eu o trouxe para ler para Drax e ele leu o papel como se fosse um rei”, recordou Sarah Halley Finn ao Vulture.

Buscando entregar um personagem digno de um rei como T’Challa, ele estudou discurso de líderes africanos, além de arte e estilos de luta do continente. Mas o que mais chama a atenção é o sotaque que Boseman criou especialmente para esse papel ao misturar o inglês com um dialeto da África. Esse sotaque não saiu barato, e ele disse que só viveria o herói se a produção concordasse com isso.

Além de sua preocupação em representar o herói nas telas, a vida do ator fora delas também teve mudanças. Logo após ter sido escalado para o papel em Capitão América: Guerra Civil, Boseman recusou uma grande oferta de se tornar o rosto de uma marca de bebidas alcoólicas. Segundo o ator, ele não poderia mostrar para crianças negras que elas também podem ser heroínas e, em seguida, incentivar o consumo de bebida alcoólica.

Após a morte do protagonista, os fãs do Pantera Negra tiveram que se fazer uma dolorosa pergunta: quem vai assumir o trono de Wakanda? O novo filme já estava confirmado quando o protagonista morreu. Desde então, a sequência já passou por pelo menos cinco mudanças de roteiro e a estreia está prevista para 8 julho de 2022. Muitos nomes foram especulados para assumir o manto do Pantera, com Michael B. Jordan (Killmonger) e Letitia Wright (Shuri) no topo da lista. Acontece que suceder este rei não é tão simples assim. A contribuição de Boseman para o filme vai muito além da atuação como T’Challa.

Como outra pessoa vai superar tantas conquistas do primeiro Pantera dos cinemas? Não vai - nem é preciso. Para dar sequência ao legado de Chadwick, basta respeitar a estrada que ele pavimentou.

“Construir um protagonista com tanto carisma e ética como Chadwick fez [será o principal desafio]. Ser o mocinho da história não é fácil, sobretudo nestes novos tempos em que vilões muitas vezes são mais interessantes aos olhos do público. Espero que o novo Pantera Negra traga sua própria contribuição à história, sem deixar de respeitar o legado deixado por Chadwick Boseman. E geralmente atores negros que chegam tão alto na carreira enfrentaram muitas adversidades na trajetória que servem de inspiração para a composição de qualquer personagem”, diz Miguel Arcanjo Prado.

Chadwick Boseman emprestou sua voz ao personagem uma última vez, para a série animada What If…? No segundo episódio, T’Challa surge como o Senhor das Estrelas, que originalmente é Peter Quill, e descobrimos que ele conseguiu evitar uma grande catástrofe. Esse trabalho, o derradeiro do ator na Marvel, pode até ter influenciado o roteiro de Pantera Negra 2.

Mas o impacto do trabalho de Boseman ecoou por todo o Marvel Studios -- mesmo longe de Wakanda. Após seu herói ganhar um filme solo e bater US$ 1,3 bilhão nas bilheterias mundiais, novas portas se abriram no estúdio. Em abril de 2021, vimos o Falcão (Anthony Mackie) herdar o escudo do Capitão América, uma das provas de que o legado de Boseman está vivo dentro do próprio universo cinematográfico da empresa. O próximo passo de Sam Wilson será protagonizar o próprio filme: Capitão América 4, que acabou de oficializar Mackie em seu elenco.

DEUS, ESTRELA, GUERREIRO E JUIZ

Muito além de Pantera Negra. A carreira de Chadwick foi marcada por papéis icônicos em ótimos longa-metragens que não tiveram a mesma visibilidade. Depois de atuar em alguns curtas, ele protagonizou 42: A História de uma Lenda, em 2013, filme que mudou a carreira dele completamente. No ano seguinte, ele estrelou a cinebiografia de James Brown, e, em 2015, foi o Pantera Negra, da Marvel, em Capitão América: Guerra Civil. Além de voltar ao papel do herói no filme solo e nos últimos Vingadores, Boseman fez os longa-metragens King: Uma História de Vingança, Marshall: Igualdade e Justiça, Crime sem Saída, Destacamento Blood e A Voz Suprema do Blues.

RELEMBRE PAPÉIS MARCANTES DO CHADWICK BOSEMAN

Publicado 27 de Agosto de 2021
Repórter Pedro Henrique Ribeiro | @OiPhRibeiro
Projeto gráfico Kaique VIeira | @kaicovieira
Edição Beatriz Amendola | @bia_amendola
Tecnologia Eliabe Castro
Coordenação Jorge Corrêa | @jorgecorrea_