Música

Entrevista

Bush | “Se eu conseguir surpreender em 2019, eu ganhei”, diz Gavin Rossdale

Febre nos Estados Unidos na década de 90, banda inglesa retorna ao Brasil, 22 anos depois, e frontman abre o jogo sobre o porquê de ter levado tanto tempo

15.02.2019, às 14H44.

Pode parecer distante, mas na década de 90, a banda inglesa Bush era uma das recordistas de vendas no maior mercado musical do planeta, os Estados Unidos. Conhecidos como a primeira banda de “pós-grunge” da cena musical da época, os ingleses acabaram se tornando conhecidos pelo sucesso estrondoso nas terras do Tio Sam enquanto eram praticamente ignorados em seu país natal, dominado por Oasis e Blur.

Com toda essa história musical nas costas, Gavin Rossdale sempre esteve à frente do projeto. O vocalista e guitarrista, atualmente com 53 anos, passou pelas três fases da banda: primeiro com a série de lançamentos tocados exaustivamente nas rádios e aclamados pelo público, fase que durou até o início dos anos 2000.

O hiato após o lançamento de seu disco de menor vendagem com os integrantes originais, Golden State (2002), e o retorno tímido, em 2010, após Rossdale tentar outros projetos musicais, participar de filmes como Constantine e também um casamento com Gwen Stefani (vocalista do No Doubt), que durou até 2016.

O retorno do grupo, que aconteceu em 2010, sem dois de seus membros originais, Nigel Pulsford (guitarrista) e Dave Parsons (baixista), acontece com a banda buscando uma maneira de entregar algo parecido com o que faziam nos anos 90, mas com pitadas de elementos dos novos tempos.

Assim, com toda essa história em perspectiva, Gavin Rossdale bateu um papo com o Omelete, sobre carreira, por que tanto tempo para estrear em terras tupiniquins, como a música do Bush se relaciona com as novas gerações, entre outros pontos. 

De entrada, vale a pena entender o que mantém um jovem senhor inglês tocando ao redor do mundo e ainda fazendo parte de uma banda. Algo que ele afirma amar, principalmente pelo “senso de camaradagem que só existe nesses packs”.

“Em 2008 eu gravei um álbum solo e eu detestei. Tudo tinha o meu nome, eu não gostei de ficar sem a minha banda. Eu acho que existe muito poder em uma banda e esse é o meu estado natural”.

Seguindo essa linha de raciocínio, ele aproveita para falar sobre o que, nessa vida cheia de momentos tão distintos, ainda coloca brilho em seus olhos, para continuar enfrentando a rotina de gravações e as turnês mundiais:

“A vida de todos os pontos de vista. O mundo está com tantos problemas, cheios de desafios. As pessoas têm tantas coisas para lidar: Morte, divórcio… E então, quando você olha pro mundo, você vê racismo, ganância, aquecimento global e tantas outras coisas. Isso me deixa maluco”.

Então será que além da vida e de todos os seus meandros, o poder de criar e entregar uma mensagem às pessoas também é algo que o motiva? “Eu não tenho poder... Eu tenho algumas pessoas que gostam de mim. Eu tenho uma pequena plataforma, mas eu não sou as Kardashians com milhões de seguidores. Eu tenho pouco mais de 200 mil seguidores, o que globalmente falando, é igual a ninguém”.

Os shows no Brasil

Um tópico que não pode passar despercebido dentro da trajetória do grupo é o porquê do Bush ter demorado tanto para retornar ao Brasil hoje?

Nesse ponto, diferente das respostas clichês que sempre surgem, Rossdale, mais uma vez, em um tom de voz calmo e sereno responde sem filtrar: “Eu pedi a todos os idiotas com quem eu trabalhei antes. Toda vez que eu lançava um disco… Eu trabalhei com vários agentes diferentes e sempre que eu lançava um disco eu implorava para tocar aqui”. E ele segue justificando, “vocês não sabem, mas pra mim é como um sonho de 20 anos e, depois disso tudo, aqui estou, e não vou ferrar tudo essa noite, eu não vou”. [fazendo referência ao show realizado em SP].

Com uma janela tão grande dentro da história da banda, até que eles conseguissem organizar apresentações no Brasil e na América Latina, ainda existe a forma como eles percebem a conexão entre a música que fizeram e continuam fazendo com o público de atual. Será que esse é um ponto que gera preocupação para o grupo?

Para responder esse ponto, Rossdale usa como exemplo Van Gogh. “Ele morreu sem uma das orelhas, sem dinheiro e ninguém gostava das suas obras. Então, pra mim é só um caso de tentar fazer algo bom e fazer álbuns de qualidade, música de qualidade, shows de qualidade. Se você consegue fazer isso, as coisas vêm”.

E faz o link com a música ao afirmar que as bandas que o inspiraram durante seus dias de juventude não eram grandes. “Era o Pixies e outras bandas assim. Elas eram pequenas, elas eram contracultura, não eram o Justin Bieber. Assim, tudo que eu posso tentar hoje, é fazer boa música. Eu estou na metade da realização de um disco novo e ele é muito forte, é profundo e amplo como o oceano, mas eu não sei quem vai ouvi-lo, e isso não é minha culpa”.

No embalo da conversa sobre o novo disco, o músico adianta que o primeiro single deve ser lançado durante o verão do hemisfério norte e o projeto chega às lojas em novembro. “Ele deve ser bem pesado, dark, mas com melodia. Eu acho que consegui criar um híbrido bacana. Tentei fazer com que as palavras fossem reais pra mim e acho que isso vai fazer com que as pessoas consigam se relacionar, se conectar com o projeto”, enfatiza.

Feliz com a carreira e a ideia de um dos discos menos famosos do Bush

No entanto, assim como na vida das pessoas comuns, nem tudo é perfeito na vida de quem está há tanto tempo na estrada. Assim, quando questionado sobre algo que se arrepende de ter feito, Rossdale comenta - sem pestanejar - que não teria gravado o álbum do Institute, banda que criou durante o hiato do Bush. ”Acho que perdi um pouco da consistência quando fiz esse projeto”.

Mas, ainda assim, se diz feliz com tudo que conquistou durante todos esses anos na estrada com seu projeto mais famoso, o Bush. “Hoje não existem tantas bandas que tenham começado quando eu comecei e que ainda estejam tocando. Acho que sou uma pessoa de sorte. É como uma competição de dança. Eu não quero ninguém batendo no meu ombro e pedindo pra eu sair da pista, sabe? Eu gosto muito da ideia de continuar e cantar melhor, fazer shows melhores, compor melhor, e ainda ser surpreendente. Essa é uma das coisas mais difíceis de se fazer em 2019. E se eu conseguir isso, eu ganhei”, complementa.

A felicidade com tudo que o grupo cria e criou durante sua fase ativa, leva a conversa para Golden State, um projeto que, apesar do estigma da baixa vendagem - prenúncio das mudanças no consumo musical e também de preferência sonora -, parece o menos datado do grupo, o mais atemporal.

Sobre essa sensação de atemporalidade, Rossdale arremata: “É música”, e segue, “Eu tenho muito orgulho desse disco. E isso é estranho, porque, algumas vezes você acerta o momento para que o álbum venda bastante e em outras, não. Nosso primeiro disco vendeu muito, nosso segundo disco, também. No Golden State, nós tentamos fazer algo um pouco diferente, mas coisas chatas podem ter rolado, a mesma porcaria que todo músico já precisou passar. Mas o que importa não é olhar para o passado e sim para o que estamos fazendo agora”.

E o agora é justificado por ele com a forma de ser verdadeiro com suas músicas, não importa a quantas estações elas estejam no mercado. “Eu estou sendo verdadeiro e autêntico com o meu trabalho? É isso que importa. Essa é a única coisa que eu tenho controle. A minha preocupação é sobre o hoje e o amanhã. É isso que a gente tem de verdade”.

O que toca no player de Rossdale

E com a importância que Rossdale dá para a forma como ele cria e entrega suas músicas, quem são os artistas que o deixam feliz e o motivam nesse momento? A resposta vem carregada de referências bem estabelecidas. Do Brasil, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Do mundo ele comenta sobre System of a Down, Patti Smith, Kendrick Lamar e rasga elogios para Ex: Re, vocalista da banda Daughter. “Não sei como está seu coração, mas ela vai quebrá-lo”, arremata.

Bush está em sua primeira turnê pela América Latina, e faz shows conjuntos com Stone Temple Pilots no Rio de Janeiro e Belo Horizonte - Saiba mais.