Nos últimos anos, como um curioso produto derivado dos best-sellers literários de ensejo feminino e ambientação praiana, surgiu também nos cinemas a ideia do “dramalhão de férias tropicais”. E esses filmes (como A Filha Perdida, Aftersun, Hot Milk) são essencialmente atos de equilíbrio – poemas tonais ditados pelo sal do mar, a aspereza da areia e o Sol nauseante, eles precisam ser também construções dramáticas robustas, para convencer o espectador da validade do seu experimento. Se a ideia é mostrar como o desacelerar do litoral impõe o confronto de traumas, afinal, é bom que a revelação desse trauma tenha impacto.
Satisfação é o mais novo exemplar desse “sub-sub-subgênero” de draminha independente. Na trama da diretora e roteirista Alex Burunova, estreante em longas-metragens, Lola (Emma Laird) e Philip (Fionn Whitehead) se escondem em uma casa pós-moderna numa ilhota da Grécia a fim de que ele termine de compor um álbum, mas os silêncios magoados entre o casal indicam que algo a mais existe na escolha por esse retiro da sociedade. Adicione aí Elena (Zar Amir Ebrahimi), moradora local que se envolve com Lola, e os flashbacks que Burunova vai costurando na narrativa, e pronto: você tem a receita de um mistério traumático pronto para desvendar.
Durante conversa com o público antes da minha sessão de Satisfação, na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a diretora contou que a trama do longa é parcialmente baseada em um período de sua própria vida. E percebe-se sem muito esforço, de fato, o caráter profundamente pessoal da obra, o seu esforço para articular as emoções extraordinariamente difusas de uma situação como a que ela retrata. Relacionamentos raramente são preto-no-branco, e todo relacionamento de tintas abusivas encerra em si pelo menos algum grau de autoilusão.
É valente a tentativa deste filme, então, de transmitir o estado liminar de razão onde se encontram os seus personagens. Máté Herbai (Corpo e Alma) fotografa as paisagens gregas com um quê de revista de arquitetura, mas há intenção por trás de cada um dos espaços vazios, blocos de cores, iluminações oblíquas que ele escolhe – Satisfação é lindo de olhar, mas também incomodamente sufocado, exatamente como sua protagonista deve se sentir. Enquanto isso, um verdadeiro time de montadoras (Nina Annan, Isabelle Dedieu, Julie Monroe e Anita Roth) ajuda Burunova a esculpir um texto que esbarra na poesia minimalista, e a entender o ritmo dos flashbacks diante da linha narrativa principal.
Trata-se de uma colaboração comendável entre todos esses artistas – e outros, a passar por um trio de atores principais exemplarmente comprometidos –, mas Satisfação passa pela tela deixando a impressão de uma obra cheia de propósitos, e poucas ideias sobre como alcançá-los. O miolo do filme é especialmente problemático, é claro, oscilando entre intenções que se chocam (ora thriller psicossexual, ora drama denúncia) e esticando o movimento de virada nas relações dos personagens de maneira indefensável até sob o guiso de construção de clima. Até porque o clima, a essa altura, já está lá.
De certa forma, então, é uma falta de precisão que tira Satisfação dos eixos do grande filme que ele poderia ser – e os seus companheiros de “trauma à beira-mar” também falharam ou triunfaram a partir do controle que souberam manter sobre sua dramaturgia. Colocar o público no espaço correto para encontrar os personagens e suas feridas é fundamental, mas nos deixar marinando nesse espaço por tempo demais, e por pouca recompensa, é perigoso. Desequilibrado nessa receita, Satisfação perde o sabor até de suas (não poucas) virtudes.
*Satisfação foi exibido na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ainda não há previsão de estreia no circuito comercial brasileiro.