Cartografia estética das eternas contradições políticas do Brasil, construída a partir de uma colagem de cenas de cerca de 130 filmes da década de 1960, o documentário Cinema Novo foi recebido no 69° Festival de Cannes, em exibição na manhã desta segunda-feira, não como um exercício museológico e sim como um tratado poético sobre o desmantelo recorrente dos focos de resistência culturais no país.
Para a plateia da Europa, soou como uma indigesta coincidência o fato de o filme sobre o movimento audiovisual de maior relevância autoral do cinema brasileiro, em toda a sua história, ser exibido na Croisette no momento em que o Ministério da Cultura é extinto pela nova cúpula do Poder em Brasília. O fato não passou em branco no discurso de seu diretor, o carioca Eryk Rocha, que incluiu neste ensaio documental sobre resistências ideológicas imagens de arquivo e cenas de longas de seu pai, o também cineasta Glauber Rocha (1939-1981). Além de Glauber, estão no doc outros cinemanovistas ilustres como Arnaldo Jabor, Joaquim Pedro de Andrade, Luiz Carlos Barreto e Cacá Diegues, de quem Eryk pinçou um dos melhores diálogos sobre a suspensão da democracia durante os Anos de Chumbo: “A vitória da ditadura foi ter nos separado e transformado nosso cinema, que era de grupo, numa experiência individual”.
“Este documentário é um filme sobre pessoas que tinham uma grande paixão pelo Brasil e pelo cinema, e enfrentaram um momento sombrio de nossa História. Mas hoje, nós vivemos uma nova interrupção do processo democrático no Brasil, o que nos deixa num muito muito triste. Mas Cinema Novo é uma forma de lembrar que a História é feita de lutas e que cada um deve lutar como pode, com o que tem”, disse Eryk, respeitado por cults como Rocha Que Voa (2002)
Embora esteja numa mostra paralela à disputa pela Palma de Ouro, a seção Cannes Classics, o cineasta concorre ao troféu L'Oeil d'Or, dado ao melhor documentário do festival.