Philip Kendred Dick (1928-1982) era um alucinado. Daqueles típicos hippies drogados dos anos 60. Enxergava raios de luz rosa. Acreditava em reencarnações e em conspirações globais.

Acontece que o escritor, nascido em Chicago, mas californiano de formação, diferenciava-se da maioria dos paranóicos pelo teor da sua obra. Dick escreveu 36 romances - alguns em quinze dias, durante delírios turbinados por anfetaminas - mais cinco historietas curtas, produzidas no início de sua carreira, entre 1952 e 1956. Tecnicamente, sua ficção-científica não se aproximava da classe de um Arthur C. Clarke, estava mais para um estilo bem folhetinesco. Mas Dick sobreviveu ao tempo, superou sua geração graças aos temas abordados em seus livros. Há quarenta anos, o escritor discutia ética e experiências genéticas, liberdades individuais e problemas de identidade, controle de mentes e demais interferências humanas na ordem natural das coisas. O escritor era um visionário.

Muitas das experiências reais de Dick (foi abandonado pelo pai aos cinco anos de idade, assistiu à morte prematura das suas irmãs gêmeas recém-nascidas, além de casamentos desfeitos e problemas com drogas) serviram para construir uma personalidade pessimista. Em seus livros, o futuro sempre seria pior do que o tempo presente. A Los Angeles de Blade runner - O caçador de andróides (Blade runner, de Ridley Scott, 1982), fria, suja, escura e superpopulosa, era fiel ao pensamento do autor. O quarto imundo do cirurgião de olhos, exibido em Minority report, provavelmente foi imaginado assim por Dick.

Nos livros, fica evidente o descrédito no governo, nas autoridades. Seu primeiro romance, Solar Lottery (1955), exibe um mundo comandado por lógica e números: os governantes mundiais são escolhidos numa sofisticada loteria. Por outro lado, há também a porção metafísica. No fim da carreira, Dick produziu textos autobiográficos fantasiosos, descreveu experiências com alienígenas e combates entre o Bem e o Mal, baseados em preceitos religiosos.

A consolidação veio somente depois da sua morte. Por mais que o trocadilho seja perigosíssimo, seus seguidores ostentam o orgulho de se denominarem dickheads. Veneram uma personagem folclórica, suspeita de ter sofrido de esquizofrenia, mas capaz de imaginar coisas que hoje se tornaram reais, como a clonagem e os Big Brothers da vida.

Adaptadas ao cinema, suas obras tornaram-se cult-movies. Os dois exemplos mais célebres, Blade runner e O vingador do futuro (Total recall, 1990), serviram para impulsionar as carreiras dos diretores Ridley Scott e Paul Verhoeven. Mas, se o reconhecimento é merecido, a fama já causa alguns problemas. Com o tempo, adquirir o direito de seus textos tornou-se um investimento e tanto, quantia suficiente para inviabilizar inúmeros projetos cinematográficos.

Filmes como Gattaca (de Andrew Niccol, 1997), Pi (de Darren Aronofsky, 1998) e Matrix (The Matrix, de Andy e Larry Wachowski, 1999) somente esbarram em conceitos já imaginados pelo autor. Atualmente, além do filme de Steven Spielberg, apenas Impostor (2002), de Gary Fleder, arrisca-se a bancar uma adaptação direta. Uma pena. E pensar que a história de Minority report, altamente profética, foi publicada na revista Fantastic Universe no longínquo ano de 1956.