Frequentemente discuto em minhas críticas de games a "cinematografia" de determinados títulos, algo que parte dos leitores encara como algo negativo, alegando que os jogos eletrônicos e a Sétima Arte não devem ser comparados, pois são mídias distintas. Mas o que fazer quando a própria indústria de games tenta essa aproximação?

O cinema passa de 110 anos de existência. Os games comerciais não têm nem 40. Enquanto parte dos títulos - a exemplo dos clássicos de 8 bits - opta pelo válido entretenimento sem amarras narrativas, em que a experiência de jogo é a razão de existir do produto, outra busca uma relação emocional do jogador - algo que apenas uma boa história, bem desenvolvida através dos personagens, é capaz de alcançar.

God of War

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De todos os jogos recentes, poucos conseguem estabelecer essa relação como a série God of War, exclusiva do PlayStation. A eterna polêmica das cutscenes (existir ou não existir?) aqui simplesmente desaparece, tamanho o esmero dramático da história. Desde a primeira cena do primeiro capítulo - o salto de Kratos no penhasco - estamos ansiosos por descobrir e auxiliar no desfecho da vingança do Fantasma de Esparta contra o Olimpo.

Partindo do exato ponto em que o segundo parou, God of War III já começa insano. Galgando as costas da titã Gaia, Kratos enfrenta hordas de inimigos em direção à morada dos deuses. A fase, a superfície da colossal criatura, é dinâmica pela instabilidade de Gaia, que se move, vive. Os detalhes são surpreendentes. A primeira batalha, especialmente quando surgem os leviatãs de Netuno (cavalos demoníacos d'água), serve para reestabelecer em poucos minutos a brutalidade de Kratos e o seu poder. Afinal, o personagem desta vez já começa com boa parte de suas habilidades (o velocino, as asas de Ícaro...), ainda que inexplicavelmente outras (o arco, a cabeça da Medusa) tenham sumido de seu arsenal. Poderia ter existido um cuidado maior aí. A desculpa superficial para a substituição das lâminas de Atena também não é exatamente um primor de convencimento.

De qualquer forma, as novas habilidades do personagem compensam a ausência das outras e dão todo um novo conjunto de ferramentas para Kratos causar sua devastação olimpiana. Os novos movimentos de aríete (Kratos apanha um oponente e o usa para derrubar outros) e aproximação (as correntes agem como laço, puxando inimigos) são novidades extremamente benvindas e revigoram os combos dos dois primeiros títulos. A possibilidade de trocar de armas rapidamente, no meio de sequências de golpes, também é empolgante - e o jogo obriga você a usá-la em fases particularmente difíceis, em que oponentes específicos, afetados apenas por uma ou outra arma, dividem a tela.

A saga é igualmente memorável ao fazer uso de técnicas de cinema no posicionamento de câmera. Muitos criticam a ideia de não poder mudar os ângulos para visualizar melhor determinados cenários. Eu exalto esse verdadeiro trabalho de direção de fotografia. A dramaticidade da câmera, seus travelings e enquadramentos, aliada a uma trilha sonora que já nasceu clássica e alguns dos melhores gráficos já criados para o PlayStation 3, amplificam o impacto de adentrar uma nova e inexplorada região. Games como esses pegam lições aprendidas em um século de cinema e as adaptam, transformando-as em uma criatura nova, interativa e emocional... Assustadora até. As cenas em primeira pessoa, vistas através dos olhos das vítimas de Kratos, beiram algo deliciosamente hiperviolento, chocante e gore. Sem falar em momentos de absoluta genialidade em design de fases, como o jardim de Hera, em que a tridimensionalidade aos olhos dos deuses torna-se bidimensional, no melhor estilo das construções impossíveis do holandês M.C. Escher (1898-1972).

Mas o que mais me agrada em God of War é como o personagem, alguém definido pela violência, é empregado com honestidade. Diferente de um Nathan Drake de Uncharted, por exemplo - que começa o jogo com pruridos de assassinato, poupa por piedade o vilão final e ainda assim termina a partida tendo executado quase 400 pessoas no segundo jogo da série -, o violento Kratos é completamente dirigido pelo seu desejo de vingança.

Em uma cena simbólica, um olimpiano estende a mão ao Fantasma de Esparta. Fugindo de um incêndio ele pede por ajuda para deixar uma laje. Ao jogador não existe a opção de ajudar. Kratos não busca redenção. A única opção é esmagar a cabeça dele na parede de pedra - afinal, o pobre sujeito está no caminho do espartano. De novo, honestidade. Não há ferramentas veladas de furtividade ou caminhos alternativos. Alguém com a determinação de Kratos não carece de alternativas. A linearidade da trama, da jogabilidade, é reflexo da motivação do protagonista.

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Nota do crítico