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Vênus

Peter O'Toole, a caminho do Oscar, em defesa da sua virilidade

22.02.2007, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H22

Com o orgulho digno de um Lawrence da Arábia, aos 70 anos de idade, o ator Peter O'Toole esboçou recusar o Oscar pelo conjunto da obra que lhe dedicaram em 2003. Dizia que "ainda estava no jogo" e que a Academia poderia guardar o troféu até que ele completasse 80 anos. No fim, acabou recebendo-o, mas ficou a promessa de voltar ao Oscar como competidor.

Pois como quem cruza o Deserto de Nefud ao meio-dia - ok, não sejamos tão dramáticos, as comparações com o épico param por aqui - O'Toole, hoje com 74 anos, está voltando à disputa na condição de finalista ao Oscar de Melhor Ator. O papel não poderia ser mais adequado. Em Vênus (2006) ele interpreta com a altivez de sempre um velho ícone do teatro que saboreia os seus últimos momentos de vida.

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Na comédia dramática britânica, Maurice (O'Toole) e Ian (Leslie Phillips, outro decano), dois veteranos dos tablados, ídolos dos mais velhos e anônimos para a massa juvenil, precisam lidar com a chegada da jovem sobrinha-neta de Ian, Jessie (a aplicada novata Jodie Whittaker, que estrelará Good, de Vicente Amorim). O tio-avô se dispôs a hospedá-la, mas se desespera com a menina - menos pelos modos largados, mais porque ela mal sabe lhe fazer um chá direito. Já Maurice se encanta com Jessie.

Ensaia-se no filme dirigido pelo sul-africano Roger Michell (Um lugar chamado Notting Hill) o clássico conflito de gerações: o velho tem muito a ensinar à moça e pode aprender, com ela, a entender a juventude. O que tira Vênus desse esquematismo desbotado é a idéia que Maurice faz de si mesmo - no corpo de um velho ainda há a mente do ator galanteador, ciente de seus talentos de sedução. O interesse dele por Jessie não é cultural, mas físico.

O espectador toma conhecimento disso na terceira cena entre os dois. É a hora previsível em que ela leva ele para uma casa noturna. Em filmes bonzinhos, típicos do subgênero geriátrico, o velho ensaiaria uns passos atrofiados na pista, para constrangimento nosso. Em Vênus, sentados numa mesa, bebendo, Maurice já coloca a mão na perna de Jessie. A reação da garota, de aversão, é semelhante àquela que sente o espectador. Não estamos diante de uma romcom platônica, portanto, mas de uma relação de contato sincero.

O primeiro impacto já desarma nossa ingenuidade, e prepara o terreno - poderemos nos deparar, portanto, não com mais um filme que fala da terceira idade como quem dá de comer sopa a um asilado, mas com uma obra que trata O'Toole como ele quer que o tratemos: um homem que bravamente conserva sua outrora proverbial virilidade. E atraente a ambos os sexos, vale anotar, porque o que há de admiração em Ian por Maurice flerta com o afeto.

Os primeiros 20 minutos de filme são esse bom presságio, com Michell desenhando bem os espaços da casa de Ian, os espaços que separam Jessie de Maurice, e os próprios lugares que o velho e a menina ocupam nesse espaço. Além da fotogenia, O'Toole sempre teve como ponto forte a dicção, segura e firme, típica de quem foi criado em um proscênio. Em Vênus, ao menos neste princípio, a câmera e o ator trabalham mais com os gestuais, como se Maurice fosse um pavão contido tentando se insinuar para Jessie. Composição impecável de atmosfera, vale dizer.

A pena é que Michell não segura o clima o tempo inteiro. Incerto entre prestar reverência a O'Toole ou aprofundar o interesse que Maurice tem por Jessie, o diretor fica com a primeira opção. A partir da metade do filme adere a solenidades e memorialismos (as cenas entre O'Toole e Phillips e O'Toole e Vanessa Redgrave) e descuida do conflito principal, a ponto de aplicar corretivos na juventude, como se o aprendizado só viesse de verdade por meio de um trauma, esse vício do cinema moralista.

De qualquer forma, tudo foi mesmo pensado como um testamento para O'Toole. A verdadeira vênus do título é ele.

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