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Transamérica | Crítica

Transamérica

13.07.2006, às 00H00.
Atualizada em 01.11.2016, ÀS 22H02

Transamérica
Transamerica
EUA, 2005
Drama - 103 min

Direção e roteiro: Duncan Tucker

Elenco: Felicity Huffman, Kevin Zegers, Fionnula Flanagan, Elisabeth Peña, Graham Greene, Burt Young, Carrie Preston, Verida Evans, Jon Budinoff, Raynor Schenie, Bianca Leigh, Danny Burstein

O Oscar desse ano foi marcado não só por produções independentes, mas também pela ousadia nos assuntos abordados. E a controvérsia persistiu mesmo após a entrega dos prêmios, já que o favorito O Segredo de Brokeback Mountain acertadamente não levou a estatueta de Melhor Filme. Passados quatro meses, chega ao circuito nacional Transamerica (2005), mais um filme polêmico e que obteve duas indicações ao prêmio cinematográfico mais cobiçada do planeta. O filme escrito e dirigido por Duncan Tucker merecia até mais indicações, mas no final não ganhou nada.

Na trama, Bree, uma bem resolvida transexual, está prestes a realizar o grande sonho de sua vida: ser operado(a) e transformar-se definitivamente na mulher que sempre desejou ser. Porém, a uma semana da tão sonhada operação, ela recebe um telefonema de uma delegacia nova-iorquina, e fica sabendo que tem um filho adolescente, Toby. Mais do que isso, agora ela precisa tirar o filho da cadeia. Bree vai então até Nova York, conhece o garoto, mas fica sem coragem de lhe contar a verdade. Ela se apresenta com uma missionária cristã e toma a custódia do jovem. Essa mentira a levará a dizer mais mentiras. Agora, ambos seguirão numa viagem de costa a costa através dos Estados Unidos, cruzando um país que pode ser ao mesmo tempo gentil e cruel, liberal ou absolutamente preconceituoso. Ambos irão compartilhar momentos de suspense, drama e bom humor, numa jornada que mudará pra sempre as suas vidas.

Numa primeira olhada na sinopse, a história parece tirada da criativa mente do cineasta John Waters, papa dos filmes underground. A grande sacada do diretor Duncan Tucker foi ter transportado um tema fora dos padrões de forma tão natural para telona. O assunto está à frente do seu tempo e ao mesmo é tão compromissado com a vida que até parece profética. Um conto de circunstâncias fantásticas sobre pessoas normais e ao tempo incomuns. A narrativa que ri de si mesmo e chora de sua própria realidade. E a única coisa que resta ao público é se emocionar junto. Não existe uma justiça ou respostas fáceis e nem todos são criados como iguais. Cada acontecimento traumático na narrativa é revestido com uma armadura de positividade. O futuro é desconhecido e tudo que podemos fazer é esperar o melhor e ter um plano para o pior.

Tucker tem uma estréia de veterano. Ele nos apresenta uma nova forma de analisar o ser mal ajustado socialmente sem a costumeira piedade. Ele consegue transformar um drama envolvendo um travesti numa narrativa repleta de empatia, evitando todos os clichês do gênero. Não é um drama e nem uma comédia, e sim um somatório de ambos. A beleza em Bree está em sempre contradizer as expectativas. Quem poderia esperar que um transexual fosse tão sofisticado. Bree quer ser uma mulher, mas não uma mãe. Ele é ingênuo em relação ao mundo, da mesma forma que Toby é sobre as pessoas. Bree trabalha camada por camada até chegar a Toby, isso ao mesmo tempo implica em seu próprio crescimento. Durante sua jornada até Los Angeles eles irão aprender a confiar um no outro. No trajeto irão encontrar outros desajustados. Durante uma parada no Kentucky, Bree e Toby se hospedam na casa de uma outra companheira missionária, que no momento estava dando uma reunião de suporte para outros transexuais. Ninguém no local sabia que Bree não tinha contado a verdade sobre sua pessoa para Toby. Podemos notar a destreza da direção de Duncan em toda essa seqüência. Ele mostra quase todos os planos na visão de Bree, dando oportunidade ao espectador de ter a experiência de como é sentir-se de fora.

Ao chegar à casa de seus pais, Bree continua seu papel de renegada. Nesse momento as costumeiras piadas da família disfuncional entram em cena, mas é ai que todos são forçados a encarar discussões não resolvidas. Feridas precisam ser cicatrizadas e os personagens finalmente enfrentam a verdade. Não importa se Bree é pai, mãe ou qualquer outra coisa para Toby. Através do amor correspondido, eles percebem que são um a família do outro. O diretor constrói essa relação utilizando-se do clássico gênero do road movie (filmes de estrada). Ele não tenta julgar conceitos de família e sexualidade. A maioria dos filmes sobre famílias desfeitas tem como mola mestra os conflitos culturais. De forma diferente, Transamerica traz à tona a divergência, para se compreender a necessidade de uma reconciliação.

Tudo isso só foi possível por causa de personagens críveis e os atores que foram escalados de forma milimétrica. Felicity Huffman dá um show como Bree. Ela demonstra uma assombrosa capacidade em interpretar um espírito espancado e ferido por um tremendo conflito interno, que ao final irá redescobrir um pedaço de si mesmo perdido há tempos. Ela consegue alternar com extrema perfeição momentos detestáveis, empáticos, charmosos e cruéis. A performance de Huffman é de longe a melhor de todas as atrizes que foram indicadas ao Oscar desse ano. Kevin Zegers faz um excelente trabalho também na pele de Toby. Sua interpretação estabelece o contra-peso certo para Huffman. O elenco ainda conta com ótimas interpretações coadjuvantes de Elizabeth Peña no papel da psiquiatra de Bree, o canadense Graham Greene como interesse romântico da protagonista, Burt Young fazendo seu pai e Carrie Preston como sua irmã. Mas o destaque vai para Fionnula Flanagan no papel de sua mãe. Fionnula interpreta com perfeição uma mãe controladora.

Com todo esse trabalho executado com maestria, o filme foi conquistando espaço em diversos festivais. Duncan Tucker foi premiado no festival de Berlim em 2005 e Felicity Huffman ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz. O filme pode ser encarado como o Sideways desse ano - a revitalização do road movie norte-americano, escrito e dirigido com destreza tendo como pilar um humor ácido. Tucker encurtou a linha que separa o filme independente do produto gerado pelo estúdio. A narrativa é clássica, mas os personagens estão fora da fórmula habitual. Uma história humana e universal que explora não somente a transexualidade, mas transformação e transição.

Nota do Crítico
Excelente!
Transamérica
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Transamerica

Ano: 2005

País: EUA

Classificação: 14 anos

Duração: 103 min

Direção: Duncan Tucker

Elenco: Felicity Huffman, Kevin Zegers, Elizabeth Peña, Danny Burstein, Maurice Orozco, Graham Greene, Grant Monohon, Burt Young, Carrie Preston, Paul Borghese, Fionnula Flanagan

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